Desigualdade e racismo andam juntos no Brasil. Essa não é uma afirmação leviana. Ela se baseia em fatos perceptíveis no dia a dia da população. A formação social e econômica brasileira, todos sabemos, foi baseada na escravidão, uma instituição violenta e desumana que perdurou por mais de 300 anos e foi responsável pela escravização de milhões de indígenas autóctones e de africanos traficados para cá.
A Lei Áurea (1888), que extinguiu a escravidão, não previu nenhuma reparação, nem distribuição de terras ou inserção social aos ex-escravos, que foram abandonados à própria sorte. Por isso, a camada mais pobre de nossa sociedade, aquela que recebe os piores salários, que tem dificuldade de acesso à educação e à saúde de qualidade é composta, em sua grande maioria, de negros. Como diz o samba da Mangueira de 1988: “livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela”.
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Essa realidade se reflete nos números das pesquisas e levantamentos que são periodicamente feitos por entidades governamentais, como o IBGE, ou entidades não-governamentais, como é o caso do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que acabou de divulgar o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A publicação é baseada em informações fornecidas pelos governos estaduais, pelo Tesouro Nacional, pelas polícias civil, militar e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública.
Os números divulgados mostram que a violência policial triplicou nos últimos dez anos. Esse é um problema sério do país: é necessário um debate público sobre o papel da polícia e o uso abusivo da força policial no combate da criminalidade.
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O perfil das vítimas não deixa dúvidas: as intervenções policiais que resultaram em morte foram predominantemente de pessoas negras, que representam 82,7% do total. A taxa de mortalidade dos negros, quando comparada à dos brancos, é de 3,5 de pessoas negras contra 0,9 de pessoas brancas.
Os crimes motivados por racismo, segundo o anuário, revelam que foram registrados no país 11.610 casos em 2023, o que representa um crescimento de 77,9% em relação a 2022. Os crimes de racismo por homofobia ou transfobia tiveram um aumento de 87,9% entre 2022 e 2023, totalizando 2.090 casos.
Os números são ainda mais estarrecedores quando o tema abordado é o crime de estupro: a cada 6 minutos ocorre um estupro no Brasil. As meninas (88%), principalmente negras (52%), com menos de 13 anos (62%), são a maioria das vítimas. Somente em 2023, foram 83,9 mil casos registrados, um aumento de 6,5% em comparação a 2022. Entre 2011 e 2023, o número de estupros cresceu 91,5% — eram 43,4 mil casos e, agora, é quase o dobro, 83,4 mil.
Pelo que foi divulgado no anuário, a desigualdade social e racial fica evidente. O racismo pode estar na estupidez individual de uns e outros, mas a sua prevalência como tragédia social passa pela captura de estruturas institucionais do poder. Provocar a reflexão na sociedade brasileira quanto ao racismo estrutural é debate mais do que necessário.
É urgente!
*Chico Alencar é escritor, professor de História e deputado federal eleito pelo PSOL-RJ