OPINIÃO

Urgências do mal – Por Chico Alencar

Trata-se de retroagir a antes dos anos 40 do século passado, quando um direito passou a ser previsto no Código Penal brasileiro

Créditos: Fernando Frazão/Agência Brasil
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A Câmara dos Deputados está naturalizando um mecanismo regimental que existe para acelerar a votação de projetos que sejam fruto de consenso – por sua importância – e precisem de celeridade para aprovação. Foi o caso, por exemplo, do projeto que suspendeu o pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União, por três anos, em razão dos danos causados pelas chuvas.

É o chamado "regime de urgência". Quando aprovado, faz com que projetos não sejam debatidos em comissões e avancem a toque de caixa (às vezes, registradora...) direto para o plenário.

Essa semana, o recurso foi usado com o PL que anula delações feitas por investigados presos – em tese, pretendendo jogar no lixo as "colaborações premiadas" de Ronnie Lessa (importante na apuração da execução de Marielle e Anderson) e do tenente-coronel Mauro Cid (fundamental nas várias investigações existentes sobre Bolsonaro e seus parceiros golpistas).

Também foi aprovada, em poucos segundos, sem mínimo debate, a urgência do PL 1904, que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive nos casos de gravidez resultante de estupro.

A proposta altera o Código Penal, que hoje não pune o aborto em caso de estupro. O código também não pune o aborto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante.

Nesse caso, trata-se de retroagir a antes dos anos 40 do século passado, quando esse direito passou a ser previsto no Código Penal brasileiro.

Pior: o projeto indica pena de prisão para a mulher violentada maior que a do estuprador. Uma volta aos tempos medievais!

Insensível e cruel, despreza a realidade das principais ofendidas, as crianças e adolescentes pobres, que muitas vezes não têm acolhida e atendimento adequados. Pelo PL em questão, viram "homicidas".

Essa é uma "urgência" criminalizadora, perversa, retrógrada.

O PL, em vez de punir, é estimulador de abomináveis estupros, pois inspirado por falsa moral farisaica!

Vejam o tamanho da violência: em 2022, no Brasil, ocorreram 74.930 estupros registrados (8,1% a mais que no ano anterior). Seis de cada 10 vítimas tinham até 13 anos, sendo que 57% eram negras. E 64% dos violadores, tragicamente, eram da família da vítima, segundo os últimos dados disponíveis no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

No site da Câmara, está em curso uma consulta pública sobre o tema do PL. Se você é contra esse projeto, opine lá clicando aqui!

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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