OPINIÃO

Alerta nas universidades: Como a IA vem apagando o pensamento crítico - Por Washington Araújo

A inteligência artificial promete eficiência, mas a que custo? Descubra como a dependência de ferramentas como o ChatGPT está silenciosamente comprometendo o pensamento crítico e a criatividade nas universidades.

Escrito em Opinião el
Washington Araújo é jornalista, escritor, Mestre em Cinema e psicanalista. Professor universitário de Sociologia da Comunicação, Ética e Direitos Humanos. Pesquisador de IA e redes sociais. Tem o blog www.palavrafilmada.com e apresenta o podcast 1844, (Spotify).
Alerta nas universidades: Como a IA vem apagando o pensamento crítico - Por Washington Araújo
ChatGPT limita pensamento crítico nas universidades. Kirill Kudryavtev / AFP

Em junho de 2025, como professor de humanas, observo uma transformação inquietante nas universidades. Ferramentas de inteligência artificial (IA), como ChatGPT, Gemini e DeepSeek, cativam os estudantes com sua velocidade e respostas aparentemente impecáveis.

No entanto, essa revolução tecnológica cobra um preço alto. Ela erode o pensamento crítico, a criatividade e a capacidade de produzir insights originais. Estudos de Harvard, MIT e Cambridge revelam que a dependência excessiva de IA provoca um descarregamento cognitivo. Isso compromete o desenvolvimento intelectual, especialmente em jovens em formação.

Recentemente, o MIT conduziu um estudo pioneiro com escaneamento cerebral de usuários do ChatGPT. Os resultados são alarmantes: a IA não apenas reduz o engajamento mental, mas parece enfraquecer a própria capacidade do cérebro de se manter ativo.

Neste artigo, combino minhas experiências em sala de aula com evidências científicas. Exploro como o uso indiscriminado da IA está moldando — e, muitas vezes, limitando — o futuro da cognição humana. Também reflito sobre os limites dessas ferramentas em replicar a essência da experiência humana.

A sedução da rapidez e suas armadilhas

Nas aulas que ministro, percebo o fascínio dos alunos pela rapidez do ChatGPT. Ele gera textos aparentemente robustos em segundos. Muitos leem apenas as primeiras 200 palavras de um ensaio produzido por IA, ficam impressionados e assumem que o conteúdo reflete sua maturidade intelectual.

Essa confiança cega é perigosa. Recentemente, um aluno submeteu um ensaio sobre ética jornalística que parecia bem estruturado. Ao checar as fontes, descobri que várias eram fictícias — alucinações geradas pela IA.

Esse descuido é recorrente. Seduzidos pela eficiência, os estudantes negligenciam a verificação de fatos e aceitam respostas sem questionar. Vivemos na era da otimização, onde “tempo é ouro” reina absoluto.

Nesse contexto, a IA é vista como uma solução milagrosa para tarefas intelectuais. Mas, ao delegarmos o esforço mental a máquinas, corremos o risco de cair na preguiça intelectual — ou, pior, atrofia intelectual.

O impacto cognitivo revelado por escaneamentos cerebrais

Pesquisas do MIT, no estudo Your Brain on ChatGPT (2025), oferecem evidências contundentes. Em um experimento, o MIT realizou escaneamentos cerebrais em pessoas usando o ChatGPT para escrever ensaios.

Os resultados são preocupantes. Dos 54 participantes, aqueles que dependeram da IA não conseguiram lembrar o que escreveram minutos após a submissão. Mais de 80% falharam em recordar uma única frase. Em contraste, quem escreveu sem IA reteve o conteúdo com clareza.

Os escaneamentos revelaram uma queda de quase 50% no engajamento mental. Isso foi medido em áreas como o córtex pré-frontal, ligado ao pensamento crítico, e o hipocampo, associado à memória.

Mais alarmante, esse declínio persistiu após o uso da IA ser interrompido. Isso sugere que o cérebro, como um músculo subutilizado, enfraquece quando não é desafiado. O estudo introduz a dívida cognitiva, o custo a longo prazo de atalhos mentais.

O esforço cognitivo profundo, essencial para o aprendizado, caiu 32% com a IA. Essa carga cognitiva — reflexão, questionamento, resolução de problemas — é crucial para jovens universitários, quando o cérebro é altamente plástico.

Delegar tarefas à IA faz os alunos perderem chances de fortalecer conexões neurais. Isso pode comprometer o potencial cognitivo de uma geração.

Ensaios “sem alma” e a perda da autenticidade

O estudo do MIT também analisou a qualidade dos ensaios. Embora tecnicamente corretos, com gramática impecável, os textos foram descritos como “sem alma” e “desprovidos de insight”. Eram eficientes, mas emocionalmente vazios.

Em minhas aulas, observo algo semelhante. Recentemente, revisei um ensaio sobre democracia gerado por IA. Apesar de bem redigido, carecia de uma tese clara ou perspectiva pessoal. Parecia produzido por uma máquina fria.

Um estudo da Microsoft e Carnegie Mellon (2025) corrobora isso. Analisando 936 exemplos de uso de IA, os pesquisadores notaram que a dependência reduz o esforço crítico. Os textos, embora polidos, carecem de originalidade.

Meus alunos aceitam essas saídas passivamente. Isso reforça a preguiça intelectual e os impede de desenvolver suas próprias vozes.

Viéses da IA e a renúncia à autonomia

Os viéses da IA agravam o problema. Ferramentas como o ChatGPT são treinadas em dados que refletem preconceitos culturais, históricos e sociais.

Um exercício em sala ilustrou isso. Pedi que analisassem um texto filosófico com o ChatGPT. A resposta continha generalizações imprecisas, reflexo dos viéses nos dados. Só percebemos os erros após debate.

A IA não é neutra. Confiar cegamente nela é como delegar o julgamento a um estranho. Meus alunos raramente desafiam as respostas da IA, aceitando-as como verdades absolutas.

Essa confiança os prende a um “mundo de ilusões”. A comodidade substitui o escrutínio humano, minando a autonomia intelectual.

A história do conhecimento e o valor do esforço

A história nos ensina o valor do esforço analítico. Galileu desafiou o geocentrismo com observações meticulosas, enfrentando a Inquisição. Marie Curie dedicou anos à radioatividade, superando riscos à saúde.

Andrew Wiles passou décadas provando o Último Teorema de Fermat. Esses exemplos mostram que o progresso depende de mentes curiosas. A IA compila informações, mas não substitui a faísca humana que conecta ideias.

Estudos de Harvard, como os de David Eagleman, reforçam isso. A criatividade surge de explosões neurais que conectam conceitos desconexos. Isso requer um reservatório de conhecimento ativo.

Quando alunos substituem leitura e reflexão por resumos de IA, privam o cérebro das matérias-primas para inovação. Isso pode formar uma geração informada, mas menos criativa.

A escrita criativa em xeque

Conheço escritores brilhantes, colegas que avançam a literatura e a filosofia. Mas a facilidade da IA em gerar textos os ofusca. Um amigo romancista lamentou que editores preferem conteúdos de IA, que imitam estilos rapidamente.

Essa massificação levanta uma questão: o que consumimos é humano ou produto de máquinas? A escrita, como a caligrafia, é crucial para a cognição. Um estudo de Princeton (2014) mostrou que notas à mão melhoram a retenção.

Hoje, alunos escrevem menos, delegando à IA. Um ensaio afirmou, erroneamente, que “soldados nazistas foram estuprados em grande número” na guerra da Bósnia. Era uma alucinação da IA, não revisada.

Os limites humanos que a IA não alcança

A IA não replica a experiência humana. Ela carece de consciência e autopercepção. Embora simule inteligência, não reflete sobre sua existência, a menos que os alunos debatendo em sala.

Também não sente emoções autênticas. Pode imitar empatia, mas não experimenta alegria ou compaixão, centrais para conexões humanas. A criatividade da IA é limitada a padrões de dados.

A verdadeira criação artística nasce de conflitos internos, não de algoritmos. A IA segue regras éticas programadas, mas não entende nuances morais complexas.

Por fim, a IA não tem experiência corporal. Não sente dor, prazer ou toque — elementos que moldam a humanidade, como o entusiasmo dos alunos ao apresentar projetos.

Um caminho equilibrado para o futuro

A IA não é inerentemente prejudicial. O estudo do MIT mostrou que o grupo mais bem-sucedido usou o ChatGPT estrategicamente. Eles redigiram sem IA primeiro, depois a usaram para refinar.

Isso manteve a atividade cerebral, a memória e produziu ensaios mais ricos. Em minhas aulas, sigo essa abordagem. Encorajo alunos a esboçar ideias e pesquisar antes de usar IA.

Também os oriento a verificar fontes e reescrever saídas. Isso preserva o engajamento mental e desenvolve habilidades críticas valiosas para o mercado de trabalho.

As universidades devem estabelecer diretrizes éticas para a IA. Programas como o AI Skills Sprint nos EUA mostram que capacitação digital foca em análise e preserva autonomia.

Um chamado à vigilância

A revolução da IA é promessa e armadilha. Estudos de Harvard, MIT e Cambridge confirmam que ferramentas como o ChatGPT comprometem pensamento crítico, memória e criatividade.

Minhas experiências reforçam isso. Vejo alunos fascinados pela rapidez da IA, mas relutantes em questioná-la. Vejo a escrita criativa ameaçada por textos “sem alma”. Vejo viéses aceitos sem escrutínio.

O perigo não está em usar a IA, mas em esquecer como pensar sem ela. A IA não substituirá consciência, emoções ou experiência corporal.

Cabe a nós usá-la para ampliar capacidades, não atrofiar. Como disse Miguel Nicolelis, “a IA deve ampliar nossas capacidades, não as explorar”.

O futuro do pensamento depende de mentes ativas, questionadoras e criativas. Ensinando alunos a usar IA com discernimento, preservaremos o que nos torna únicos: sonhar, criar, inovar e desafiar.

Logo Forum