Opinião

Entre guerras e vulcões temos a fragilidade humana ainda na corda bamba – Por Washington Araújo

A tragédia de Juliana e a instabilidade global compartilham uma essência: a imprevisibilidade e o potencial devastador de forças mal controladas

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Washington Araújo é jornalista, escritor, Mestre em Cinema e psicanalista. Professor universitário de Sociologia da Comunicação, Ética e Direitos Humanos. Pesquisador de IA e redes sociais. Tem o blog www.palavrafilmada.com e apresenta o podcast 1844, (Spotify).
Entre guerras e vulcões temos a fragilidade humana ainda na corda bamba – Por Washington Araújo
O jornalista Washington Araújo. Arquivo pessoal

A tragédia da brasileira no vulcão Rinjani e o cessar-fogo na guerra entre Israel, EUA e Irã expõem a fragilidade humana e global. Enquanto a morte de Juliana Marins reflete a força implacável da natureza, a frágil trégua geopolítica, violada por ambos os lados em menos de 15 horas, mantém o mundo em alerta. Sensatez é urgente para conter os ventos da guerra.

Tragédia no Monte Rinjani

No coração do vulcão Rinjani, na ilha de Lombok, Indonésia, a brasileira Juliana Marins, de 26 anos, perdeu a vida. A publicitária de Niterói (RJ), que mochilava pela Ásia desde fevereiro de 2025, caiu cerca de 300 metros em uma trilha remota na madrugada de sábado, 21 de junho, durante uma expedição ao Monte Rinjani. Localizada inicialmente por um drone, debilitada, em uma fresta rochosa próxima ao cume, Juliana foi encontrada sem vida por volta das 11h da manhã de terça-feira, 24 de junho, segundo autoridades indonésias.

O vulcão, com 3.726 metros de altitude, tem encostas traiçoeiras, marcadas por neblina densa, ventos cortantes e pedras escorregadias, que tornaram o resgate uma missão desafiadora. A família de Juliana, liderada por sua irmã Mariana Marins, denunciou negligência do guia local e desinformação das autoridades.

A Embaixada do Brasil em Jacarta acompanha o caso e organiza a repatriação do corpo. Mariana, em entrevista ao g1, expressou a dor: “Perdemos nossa irmã, mas lutaremos por justiça.” O perfil “Resgate Juliana Marins” no Instagram, que mobilizou milhares de seguidores, agora é um espaço de luto e homenagens.

Alívio geopolítico frágil

A 15 mil quilômetros dali, o mundo respira aliviado, mas com cautela, após uma crise que ameaçava uma escalada global. Na noite de 23 de junho de 2025, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou, via Truth Social, um “cessar-fogo completo e total” no Irã, marcando uma pausa nas hostilidades desencadeadas por ataques dos EUA às instalações nucleares iranianas.

O acordo, mediado pelo Qatar, previa que o Irã mantivesse o cessar-fogo a partir da meia-noite de 24 de junho (horário da Costa Leste dos EUA). A notícia trouxe alívio temporário às tensões que colocavam a humanidade em um equilíbrio precário, semelhante à encosta onde Juliana perdeu a vida.

No entanto, menos de 15 horas após o anúncio, tanto Israel quanto o Irã foram acusados de violar a trégua, reacendendo temores de uma nova escalada.

Violações do cessar-fogo

A frágil trégua anunciada por Trump foi abalada por ações de ambos os lados, que trocaram acusações de violações nas primeiras horas de 24 de junho. Segundo a Associated Press, Israel realizou uma intensa onda de bombardeios em Teerã pouco antes do início oficial do cessar-fogo, atingindo alvos ligados ao Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos (IRGC) e instalações militares no oeste do Irã.

O ministro da Defesa israelense, Israel Katz, justificou os ataques como uma resposta preventiva a supostos preparativos iranianos para novos lançamentos de mísseis, mas a magnitude dos bombardeios — descrita por Trump como “a maior carga de bombas que já vi” — foi criticada pelo presidente americano, que expressou frustração pública com Israel.

Não há relatos precisos de vítimas desses ataques israelenses, mas fontes iranianas indicam danos significativos a infraestruturas militares, com pelo menos cinco feridos em um prédio residencial em Teerã que abrigava uma padaria.

Por sua vez, o Irã lançou uma série de mísseis balísticos contra Israel na madrugada de 24 de junho, logo após o início do cessar-fogo. A agência Magen David Adom, serviço de emergência de Israel, confirmou que pelo menos quatro pessoas — dois homens, uma mulher e uma quarta vítima não identificada — foram mortas em Beersheba, no sul do país, devido a um ataque de mísseis que danificou edifícios residenciais e veículos. Oito outras pessoas ficaram feridas, e o ataque forçou civis em todo o país a buscar abrigo por quase duas horas.

O Irã negou que os mísseis tenham sido lançados após o cessar-fogo, alegando que a “última rodada” ocorreu minutos antes da trégua, mas Israel reportou novos projéteis após as 12h15 (horário local), segundo o Exército israelense.

A televisão estatal iraniana SNN afirmou que os mísseis atingiram “o coração dos territórios ocupados”, mas não especificou alvos. Trump, em declarações à imprensa, lamentou as violações de ambos os lados, dizendo: “Israel e Irã violaram o acordo. Não estou feliz com nenhum dos dois.”

Paralelos entre tragédia e diplomacia

A tragédia de Juliana e a instabilidade global compartilham uma essência: a imprevisibilidade e o potencial devastador de forças mal controladas. O Monte Rinjani, segundo maior vulcão da Indonésia, é uma atração turística, mas sua trilha exige preparo. Juliana, nadadora e praticante de pole dance, estava equipada, mas a combinação de um guia inexperiente, condições climáticas adversas e terreno complexo a deixou vulnerável.

No cenário global, a tempestade geopolítica, agravada pelas violações do cessar-fogo, deixa cicatrizes. O Irã, até dias atrás, estava próximo de enriquecer urânio a 90%, segundo Rafael Grossi, da AIEA, em 18 de junho de 2025. O cessar-fogo, após negociações com Qatar e os EUA, foi uma vitória diplomática para Trump, mas as ações de Israel e Irã nas últimas horas mostram que a trégua é frágil.

Operação Martelo da Meia-Noite

Em 21 de junho de 2025, os EUA lançaram a Operação Martelo da Meia-Noite, bombardeando as instalações nucleares iranianas de Fordow, Natanz e Isfahan. Fordow, uma fortaleza subterrânea, foi atingida por 14 bombas GBU-57, sofrendo danos significativos, mas a extensão do impacto é incerta. Natanz teve sua infraestrutura elétrica e centrífugas danificadas, enquanto Isfahan sofreu ataques a laboratórios.

O Irã, que evacuou as instalações, pode ter preservado parte de seu urânio, levantando dúvidas sobre a eficácia dos bombardeios. Coordenados com Israel, os ataques foram justificados por Trump como medida para “neutralizar” o programa nuclear iraniano, mas o cessar-fogo, agora violado, sugere que a pressão diplomática é insuficiente para conter as tensões.

Estreito de Ormuz: Tensão latente

A ameaça iraniana de fechar o Estreito de Ormuz, aprovada em 22 de junho, intensificou a crise. Essa passagem, vital para 20% do petróleo mundial, é suscetível a bloqueios pelo Irã, que possui barcos rápidos e minas navais.

O cessar-fogo alivia o risco, mas a Quinta Frota dos EUA permanece em alerta. O preço do petróleo Brent, que subiu de USD 70 para USD 78-80, pode estabilizar, mas analistas alertam para picos de USD 120-130 se as negociações falharem.

Um bloqueio afetaria cadeias globais, elevando custos de combustíveis e bens, com impactos severos em países como Brasil, Japão e Coreia do Sul.

Reações internacionais

Rússia e China condenaram os ataques dos EUA, mas apoiam cautelosamente o cessar-fogo. A Rússia criticou a violação do direito internacional, enquanto a China, dependente de Ormuz, pediu diálogo. Ambos propuseram uma resolução na ONU, mas divisões com o Ocidente dificultam avanços.

A União Europeia, por meio de Kaja Kallas, expressou preocupação com a escalada e pediu diplomacia, enquanto a AIEA alertou para os riscos de violência contra instalações nucleares.

Uma tempestade adiada

A morte de Juliana Marins e a trégua global, agora abalada por violações, refletem a vulnerabilidade diante de forças incontroláveis. No Rinjani, a negligência e a subestimação do terreno transformaram uma aventura em tragédia. No cenário global, os ataques ao Irã e as retaliações iranianas acenderam um rastilho que pode reacender.

O Estreito de Ormuz permanece aberto, mas sua fragilidade persiste. Assim como as equipes de resgate lutaram contra o tempo para salvar Juliana, a diplomacia ganhou uma chance de evitar a catástrofe, mas as ações de Israel e Irã mostram que o caminho para a paz é incerto.

A AIEA e a ONU, lideradas por António Guterres, que celebrou o cessar-fogo, clamam por negociações duradouras. A bandeira da paz tremula, mas os senhores da guerra, com sua volatilidade, mantêm o mundo tenso.

Sensatez é mais que bem-vinda — é essencial.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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