PARIS 2024

Bia Souza também é ouro em representatividade na moda

Medalhista olímpica no judô, atleta é sócia de uma marca plus size que fundou para acarinhar a própria autoestima e de mulheres com corpos fora do padrão estipulado pela indústria

Créditos: Reprodução Instagram Bia Souza - Medalha de Ouro em Paris e empresária de moda plus size
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A judoca Bia Souza, que conquistou a primeira medalha de ouro para o Time Brasil nas Olimpíadas de Paris 2024, também é empresária de moda. Ela é sócia da cunhada na marca Nega Chic, especializada em peças plus size.

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Reprodução Instagram - Página da Nega Chic, marca que tem como sócia Bia Souza, especializada em plus size

Bia, que compete na categoria 78kg e ciente das dificuldades impostas pela indústria da moda em vestir corpos que fujam do padrão imposto pelo mercado, decidiu empreender no ramo fashion como uma forma de acarinhar a própria autoestima e de outras mulheres plus size.

"É muito difícil pra gente, que é grande, tem costas largas, não só por ser mais gordinha. O tamanho G de uma loja de departamento não entra no meu braço. Eu queria muito achar loja roupa grande que coubesse em mim, me fizesse me sentir bem e não fosse feio. Não quero comprar roupa grande com estampa de vovó", explicou ao canal Podsport, no ano passado.

As consumidoras de moda plus size como Bia, primeira atleta a conquistar ouro em Paris, enfrentam diversos desafios no mercado de vestuário que trazem à tona a necessidade de uma maior inclusão e conscientização na indústria da moda, para que ela possa servir melhor a todas as consumidoras, independentemente do tamanho.

Os desafios começam com a variedade limitada. Muitas vezes, as opções de roupas tamanho grande são restritas em termos de estilo, cor e tendências o que por vezes dificulta encontrar peças que se alinhem ao gosto pessoal e tendências atuais.

A indústria da moda frequentemente promove um ideal de corpo que não representa a diversidade dos tipos corporais reais e acarreta em uma representação e visibilidade limitadas de corpos plus size na moda mainstream.

Dificuldades de ajustes

Além disso, encontrar roupas que ajustem bem pode ser um desafio, pois muitas peças plus size não são desenhadas levando em conta as diferentes proporções e necessidades de conforto, o que inclui questões como a distribuição de tecido para áreas como quadris, busto e braços - problema que a própria Bia enfrenta.

Roupas plus size podem, às vezes, ser de qualidade inferior, com tecidos menos duráveis ou que oferecem pouco suporte, especialmente em categorias como lingerie e roupa esportiva. Também podem ser mais caras do que as de tamanhos considerados padrão. As justificativas incluem custos de produção mais altos devido ao uso de mais material.

As consumidoras plus size frequentemente enfrentam estereótipos negativos e julgamentos sobre seu tamanho. Isso pode afetar sua confiança e bem-estar ao procurar roupas que gostem e que as façam sentir-se bem. Muitas vezes, as seções de tamanhos maiores são limitadas nas lojas físicas, ou as peças estão disponíveis apenas online, o que impede que as consumidoras experimentem as roupas antes de comprá-las.

Há ainda a falta de representação de modelos plus size em campanhas de marketing e nas passarelas pode fazer com que consumidoras se sintam excluídas da indústria da moda.

Mudanças por mais representatividade

Reprodução ABPS

A despeito dos desafios, vale celebrar que essa realidade de uma moda padrão tem mudado. Tanto que o segmento ganhou até uma entidade representativa, a Associação Brasil Plus Size (ABPS). Fundada em julho de 2016, representa empresas especializadas na produção e comércio de vestuário, calçados, joias e acessórios, além de insumos de outras cadeias produtivas que querem adequar produtos e serviços para esse público.

De acordo com o Relatório Setorial 2022 - Mercado Plus Size no Brasil | Perspectivas e desempenho, esse setor da moda tem ganhado destaque globalmente, com um crescimento promissor.

No Brasil, esse mercado está em rápida expansão, com um aumento de 75,4% nos últimos dez anos, e uma projeção de crescimento anual de 10%. A perspectiva é que, até 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos em todo o mundo serão considerados acima do peso, dos quais 700 milhões necessitarão de vestuário plus size. O faturamento no país foi de 9,6 bilhões de reais em 2021, com expectativas de alcançar cerca de 15 milhões por ano em cinco anos.

Nos Estados Unidos, onde a indústria está mais desenvolvida, o mercado plus size já conta com marcas estabelecidas há mais de um século, e foi avaliado em 29 bilhões de dólares, segundo a Coresight Research. Globalmente, o mercado de moda plus size é estimado em 215,8 bilhões de dólares, com um crescimento anual de 5,9% entre 2017 e 2025, conforme dados da Allied Analytic.

Historicamente, a moda plus size tendia a ser relegada ao comércio online, com opções limitadas em design e informações sobre moda e tendências. No entanto, com a expansão deste mercado, marcas e varejistas começam finalmente a adotar designs inclusivos e uma representação mais autêntica, impulsionados por influenciadores e marcas independentes que exigem da indústria a promoção de corpos reais.

Este movimento sinaliza um futuro promissor para o mercado plus size, incluindo expansões para setores de luxo e moda masculina.

Faça você mesma

Em Brasília (DF), a escola de costura Pence Ateliê acaba de lançar um projeto voltado para esse segmento do vestuário. Trata-se da Biblioteca Gratuita de Moldes Plus Size, que pretende contribuir para a transformação da moda de um lugar excludente para a inclusão de diversos tipos e tamanhos de corpos.

O ateliê vai iniciar uma grande pesquisa antropométrica para conhecer medidas e necessidades deste público no DF e a partir dessas informações criar uma grade de moldes que atenda o público plus size.

"Queremos conhecer e ouvir as pessoas gordas, suas dificuldades e desejos sobre a moda e as roupas que elas buscam e têm dificuldade em encontrar e também disponibilizar para estudantes e profissionais da costura, das marcas, figurinistas e todas que querem produzir roupas para corpos grandes, moldes que possam ser consultados e utilizados em suas criações", informa a postagem da Pence no Instagram.

As referência desse projeto inovador vêm daquelas revistas de costura que traziam as fotos de modelos e também os moldes prontos, em alguns tamanhos, para serem copiados e utilizados na confecção das peças escolhidas. Cada tamanho vinha marcado em uma cor e um tipo de traço. Para olhares leigos aquilo parecia ser indecifrável, mas as costureiras batiam o olho e já sabiam o que fazer.

Reprodução internet - Manequim é uma das revistas que inspiraram o projeto da Pence Ateliê

"E quando falamos em biblioteca o que vem logo à nossa mente é o livro e todas as possibilidades que se abrem quando entramos neste mundo. É isso que queremos, expandir as possibilidades para pessoas diversas dos estereótipos da moda", explica o ateliê.

Roupas para corpos grandes

Reprodução Instagram

Em entrevista exclusiva à Fórum, a dona da Pence Ateliê, designer de moda e idealizadora da Biblioteca de Moldes Plus Sizes, Romilda Gomes Moreira, explica que o objetivo é desenvolver moldes com grade de tamanhos que atenda a população denominada plus size que, segundo dados da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) de 2022, está compreendido entre os números 46 e 70.

"Essa parcela da população tem dificuldades em adquirir roupas na medida certa ao seu tamanho e que atenda suas necessidades de estilo e diferenciação. A maioria das marcas de roupas brasileiras têm uma grade de tamanhos que atende à média da população brasileira, geralmente dos tamanhos 36 ao 44", descreve

Romilda comenta ainda que poucas marcas ou lojas de departamento lançam linhas de roupas que atendem esse mercado. Isso deixa essa parte da população com dificuldades de conseguir roupas em seu tamanho e pode impactar na autoestima e inclusão ao limitar desde uma uma roupa adequada para uma entrevista de emprego até a participação em eventos sociais por falta de roupa adequada.

"O tema de pesquisa surgiu da necessidade que a própria proponente observa na sua vida pessoal e profissional, por pertencer ao público plus size, por ter uma escola de costura e uma marca de moda plus size e por participar de eventos e discussões acerca do tema e sua relação corpo, moda e função social", observa.

O projeto é destinado ao público plus size em geral, de todas as faixas etárias, das mais diferentes classes sociais e que queiram confeccionar suas próprias roupas ou produzir em pequenos ateliês e costureiras, para atender suas necessidades de roupas e sua vestibilidade dentro de um contexto comportamental e social.