ALTO CUSTO

Quando a beleza dói: o vestido de 15kg de Marina Ruy Barbosa

Atriz ficou com hematomas e rompeu vasos no ombro, mas mesmo assim elogiou a peça

Atriz ficou com hematomas e rompeu vasos no ombro, mas mesmo assim elogiou a peça
Quando a beleza dói: o vestido de 15kg de Marina Ruy Barbosa.Atriz ficou com hematomas e rompeu vasos no ombro, mas mesmo assim elogiou a peçaCréditos: Reprodução Instagram (@marinaruybarbosa)
Escrito en MODA E POLÍTICA el

Uma imagem da atriz Marina Ruy Barbosa com hematomas visíveis no ombro esquerdo durante o Baile da amfAR, realizado no último dia 22, em Cannes, França, causou polêmica nas redes sociais e levantou questionamentos sobre os limites da moda.

Em comentário no vídeo para mostrar o visual, publicado no Tik Tok, a atriz explicou que o vestido que ela usou no evento, assinado por Olivier Rousteing, diretor criativo da Balmain, pesava cerca de 15 quilos. O peso da peça, sustentada por alças finas, foi o fator responsável pela coloração roxa da pele e veias saltadas.

“Era o vestido dos meus sonhos”, escreveu Marina, elogiando a dedicação do estilista. Apesar do desconforto físico e das marcas nos ombros, a atriz descreveu a noite como “incrível” e não escondeu o entusiasmo com o resultado final.

Moda e os limites do corpo

O visual da brasileira se tornou um dos mais comentados e fotografados do evento, reacendendo um debate importante: até que ponto vale a pena submeter o próprio corpo ao desconforto em nome da estética e do glamour?

Marina não é a primeira — e provavelmente não será a última — a enfrentar desconfortos por conta de escolhas de moda. No entanto, por ser uma figura pública de grande influência, especialmente entre adolescentes e jovens mulheres, sua experiência carrega um peso simbólico significativo.

Ao relatar publicamente que suportou dor por causa do vestido, a atriz pode, ainda que de forma não intencional, normalizar a ideia de que “sofrer para ficar bonita” é aceitável. Esse tipo de mensagem é especialmente preocupante em um cenário marcado por intensa pressão estética, onde jovens são frequentemente expostos a padrões inalcançáveis.

A romantização do sacrifício em nome da aparência — seja por meio de roupas desconfortáveis, dietas extremas ou procedimentos invasivos — contribui para normalizar práticas que colocam o bem-estar em segundo plano.

Saúde mental, autoestima e aceitação corporal

Há também uma contradição evidente com os discursos da própria Marina sobre saúde mental, autoestima e aceitação corporal. Ao longo dos anos, a atriz compartilhou publicamente experiências e reflexões sobre esses temas, reforçando a importância do autocuidado e do respeito aos limites do corpo.

Neste mês, em entrevista à revista Glamour, Marina revelou que a saúde mental se tornou uma prioridade após enfrentar crises de ansiedade e pânico — resultado de perfeccionismo, autocobrança e excesso de trabalho. Ela contou que iniciou terapia e passou a prestar mais atenção aos sinais do corpo, buscando cuidar melhor de si mesma.

Em agosto de 2022, à Quem, falou sobre os desafios da autoestima durante a juventude e como, com o tempo, aprendeu a reconhecer seu valor e a se aceitar. Destacou que os padrões de beleza impostos pela sociedade podem levar à sensação de insuficiência, mas defendeu a valorização da singularidade de cada indivíduo.

Já em novembro de 2019, também à Quem, Marina lembrou como, na infância, lidava com comentários sobre suas sardas e como isso afetava sua autoimagem. Contou que aprendeu a valorizar suas particularidades e a se sentir confortável com sua aparência.

Críticas aos excessos

Ao que tudo indica Marina, não teve a intenção de transmitir uma mensagem nociva. Mas quando figuras públicas compartilham experiências que envolvem dor ou sacrifício físico em nome da estética, as implicações simbólicas de seus relatos merecem atenção.

O caso reforça a necessidade de refletir criticamente sobre o impacto que certos padrões de beleza exercem — não apenas sobre a aparência, mas sobre o modo como mulheres são ensinadas a lidar com seus corpos. A moda pode — e deve — ser expressão, arte e identidade. Mas não deve custar a saúde física ou emocional.

Mais do que criticar escolhas individuais, é preciso ampliar o debate coletivo sobre o que estamos dispostos a sacrificar em nome da imagem — e a quem esses sacrifícios realmente servem.

Celebridades e influência digital

Com mais de 42 milhões de seguidores no Instagram, Marina Ruy Barbosa está entre as personalidades brasileiras mais influentes nas redes sociais. Sua imagem cuidadosamente construída, associada a campanhas de moda, beleza e marcas de luxo, faz dela uma referência aspiracional — especialmente para adolescentes e jovens mulheres que acompanham tendências digitais.

Por isso, quando Marina compartilha experiências que envolvem desconforto físico em nome da estética — como no caso do vestido de 15 quilos que lhe causou hematomas — é preciso ligar o sinal de alerta. Esse tipo de relato, ainda que sem intenção negativa, pode reforçar mensagens prejudiciais para um público vulnerável que a tem como exemplo.

Durante a adolescência e juventude, muitos desenvolvem laços emocionais com celebridades e influenciadores, mesmo sem conhecê-los pessoalmente. Esses vínculos, conhecidos como relações parasociais, são apontados por estudos como um dos fatores que mais moldam comportamentos, autoestima e visão de mundo entre jovens. É o que destaca uma pesquisa publicada na revista científica Frontiers in Psychology.

Segundo o estudo, adolescentes tendem a imitar rotinas, hábitos e padrões estéticos de suas figuras de referência em busca de pertencimento e aceitação social. Quando esses padrões são irreais ou exigem sacrifícios, como sofrimento físico, dietas restritivas ou consumo excessivo, o resultado pode ser aumento da ansiedade, insegurança e sentimento de inadequação.

A pesquisa também aponta caminhos possíveis. Quando figuras públicas utilizam sua visibilidade para promover saúde mental, autenticidade e diversidade, os efeitos sobre os jovens podem ser positivos, ajudando a construir referências mais saudáveis e realistas.

Moda e desconforto: uma história longa e dolorosa

A relação entre moda e sofrimento físico de mulheres é antiga. Ao longo dos séculos, diversas peças de vestuário feminino foram projetadas para atender a padrões estéticos que impunham desconforto e riscos à saúde. 

Espartilho

Lu Morazzi

O espartilho foi amplamente utilizado na Europa a partir do século XVI, alcançando seu auge nos séculos XVIII e XIX. A prática do tightlacing, ou aperto extremo, consistia em afinar ao máximo a cintura feminina com o uso do espartilho, comprometendo a saúde:

  • Compressão de órgãos internos: estômago, fígado e intestinos eram deslocados, dificultando a digestão e provocando refluxo.
     
  • Dificuldades respiratórias: a expansão dos pulmões era limitada, o que causava falta de ar, desmaios e exaustão.
     
  • Deformações ósseas: o uso contínuo podia alterar a forma da caixa torácica e causar escoliose.

A crítica médica e o surgimento dos movimentos feministas no final do século XIX levaram ao abandono gradual do espartilho até as primeiras décadas do século XX.

Crinolina

Studhistoria

A crinolina foi uma armação de aço ou crina de cavalo usada sob as saias para dar volume, símbolo da silhueta feminina ideal durante o reinado da Rainha Vitória no século XIX (décadas de 1850 a 1870):

  • Risco de incêndio: por serem volumosas e feitas com materiais inflamáveis, as crinolinas aumentavam os casos de acidentes fatais causados por velas ou lareiras.
     
  • Acidentes mecânicos: mulheres podiam ficar presas em escadas, carruagens ou máquinas, resultando em quedas graves.

O uso caiu por volta de 1875, sendo substituído por outras armações menos volumosas, como a tournure.

Pés de Lótus

Wikimedia

A prática dos pés de lótus começou por volta do século X, durante a Dinastia Song (960–1279), e se intensificou durante a Dinastia Qing (1644–1912). Consistia em enfaixar os pés de meninas ainda pequenas para impedir seu crescimento:

  • Deformações permanentes: os ossos eram quebrados deliberadamente para reduzir o tamanho dos pés a cerca de 7 cm a 10 cm.
     
  • Dores crônicas e infecções: o enfaixamento provocava necrose, gangrena e, em casos extremos, amputações.
     
  • Limitação da mobilidade: mulheres não conseguiam caminhar sozinhas com facilidade e dependiam de ajuda.

A prática foi proibida oficialmente na China em 1912, com campanhas públicas reforçando seus riscos.

Salto alto 

Wikimedia

Os saltos altos surgiram na corte europeia no século XVII, sendo incorporados à moda feminina especialmente no século XVIII e popularizados mundialmente a partir do século XX e são usados até hoje.

  • Dores crônicas nos pés: uso frequente provoca joanetes, fascite plantar e calosidades.
     
  • Problemas na coluna e articulações: a postura forçada afeta a curvatura da coluna vertebral e sobrecarrega os joelhos.
     
  • Maior risco de quedas e entorses: principalmente em ambientes escorregadios ou em calçadas irregulares.

Apesar dos alertas médicos, o salto permanece um símbolo de elegância e poder em contextos sociais e corporativos.

Vestidos vitorianos

Pinterest

Durante a era vitoriana ((1837–1901), os vestidos femininos eram marcados por saias volumosas, mangas bufantes, espartilhos e múltiplas camadas de tecido:

  • Restrição de movimentos: o excesso de tecido e rigidez das peças limitava a mobilidade cotidiana.
     
  • Desconforto térmico: o uso de várias camadas em climas quentes provocava calor extremo e desidratação.
     
  • Imposição estética: os trajes refletiam o ideal de feminilidade da época, muitas vezes em detrimento do conforto.

Com o avanço do século XX e o movimento sufragista, essas peças foram gradualmente abandonadas em favor de roupas mais práticas e funcionais.

Desconforto em nome da estética

O caso de Marina Ruy Barbosa é mais do que um episódio isolado de desconforto em nome da estética. Ele é reflexo de uma lógica histórica em que o corpo feminino é constantemente moldado, comprimido e sacrificado para atender a padrões de beleza.

Discutir criticamente episódios como este é necessário para repensar os valores que orientam o mundo da moda e o imaginário coletivo sobre o corpo. A saúde, o bem-estar e o respeito aos próprios limites não devem ser secundários — nem nas passarelas, nem nos tapetes vermelhos, nem na vida real.

Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar