No dia 16 de julho de 1977 o jornalista e cartunista Henfil (1944-1988) embarcou para uma viagem de 14 dias para a China. Ele relata a aventura dele no delicioso livro 'Henfil na China (antes da Coca-Cola)', lançado em 1980 pela Editora Codecri, a mesma do Pasquim.
A viagem de Henfil ocorreu quase um ano depois da morte do líder revolucionário Mao Zedong, que no Brasil insistimos de chamar de Mao Tse Tung, em 9 de setembro de 1976.
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No dia 16 de julho de 2022, exatamente 45 anos depois, eu embarquei para a China no meio da pandemia da Covid para cobrir o Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCCh). Fiquei por lá até o dia 5 de dezembro daquele ano.
Durante meus preparativos para a minha aventura no país comunista, uma amiga querida, Alzimar Ramalho, compartilhou algumas páginas do livro de Henfil nas quais ele descrevia como os chineses de vestiam naquela época. Na minha chegada de volta ao Brasil ela me presenteou com o raro exemplar dela.
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Naquele ano da visita do cartunista brasileiro, a China era governada por Deng Xiaoping, sucessor de Mao. No ano seguinte à viagem dele, em 1978, o país asiático lançaria a Reforma e Abertura.
Eu conheci de perto os resultados da Reforma e Abertura durante os dois primeiros mandatos de Xi Jinping, que assumiu a liderança do PCCh em 2013 e iniciaria um inédito terceiro mandato durante minha estada no país.
Na China de Henfil, a maioria dos chineses se vestia com roupas escuras - azul ou cinza. Ele explica essa realidade do país naquele remoto 1977.
"O problema da padronização da cor das roupas na China tem uma causa muito simples. Como vestir 900 milhões de chineses de uma vez em um país subdesenvolvido? Como evitar a padronização? Gastariam uma fortuna se ampliassem os padrões. Além de supérfluo não é prioritário. Azul para todo mundo. O importante é todo mundo ter roupa."
Outra observação de Henfil sobre as indumentárias discretas da população chinesa era o motivo pelo qual haviam escolhido cores escuras. "Por que não o vermelho ou o amarelo", questionou. "A imensa maioria dos chineses é de camponeses. E é notório em todo o mundo o padrão de discrição do camponês", registrou.
"Um botão a mais em uma camisa significa 900 milhões de botões. Significa dezenas de fábricas de botões", ponderou Henfil.
Nas quatro décadas e meia que separam a China de Henfil da minha, o país se transformou radicalmente. Mais de um ano antes da minha chegada, em 25 de fevereiro de 2021, a potência anunciava ao mundo o feito mais espetacular da história da humanidade: a erradicação da extrema pobreza no país de 1,4 bilhão de habitantes.
No meio da pandemia da Covid-19 o governo comunista informou que foram retiradas 850 milhões de pessoas da pobreza. Esse número equivale a quase toda a população da América Latina, do Caribe e mais um Brasil juntos, o que contribuiu para reduzir em 76% o índice global de pobreza.
Pelas ruas de Beijing e Shangai, a minha China vibrava de cores das roupas da população: azul, cinza, vermelho, amarelo, verde, roxo, rosa etc. Marcas de luxo estrangeiras e nacionais, lojas populares e medianas. Camisas com botão e sem botão. O chão de fábrica da indústria de têxtil do mundo todo pulsa naquele gigante asiático, o maior produtor de roupas do mundo.
Desde a ida de Henfil e a Reforma e Abertura, a indústria da moda na China tem passado por profundas transformações ao longo dos últimos 40 anos que refletem as mudanças econômicas, sociais e culturais da potência asiática nesse período.
Do chão de fábrica na década de 1990 até os atuais anos 2020, quando se transformou em uma potência tecnológica, de Mao a Xi, entre a China de Henfil e a minha, um dos países mais pobres do mundo agora disputa a hegemonia tecnológica com os Estados Unidos, a superpotência mundial. Em termos de qualidade de vida da população, o gigante asiático tem servido de exemplo para as democracias liberais.
Por meio da moda e das roupas que os chineses vestem, a China antes da Coca-Cola de Henfil ficou na lembrança. Essa impressionante transformação, ao meu ver, mostra que é por meio do planejamento e da busca da prosperidade comum que está a resposta para crise capitalista que tem alimentado uma extrema direita insana e raivosa.
Moda digital na China
Eu costumo falar que a moda é a filha predileta do capitalismo. Sendo o socialismo uma sociedade de transição, meu olhar sobre a moda da China sintetiza as transformações profundas operadas naquele país desde que Henfil esteve por lá.
A moda digital na China é um campo dinâmico e em rápida evolução, impulsionado pela tecnologia avançada, uma base de consumidores jovens e entusiastas, e uma indústria da moda inovadora. Aqui estão alguns aspectos-chave da moda digital na China:
Comércio eletrônico e plataformas sociais: O comércio eletrônico desempenha um papel vital na moda digital na China. Plataformas como Taobao, Tmall e JD.com são gigantes no varejo online de moda. Além disso, redes sociais como WeChat e Xiaohongshu (Red) influenciam significativamente as tendências da moda e as decisões de compra dos consumidores.
Realidade Aumentada (RA) e Realidade Virtual (RV): Estas tecnologias estão sendo cada vez mais utilizadas para proporcionar experiências imersivas de compra. Os consumidores podem experimentar roupas virtualmente ou visualizar acessórios em 3D antes de comprar, melhorando a experiência de compra online.
Influenciadores Digitais e KOLs (Key Opinion Leaders): Influenciadores e KOLs têm um grande impacto na moda digital na China. Eles não apenas definem tendências, mas também colaboram com marcas para criar coleções exclusivas, gerando considerável interesse e vendas.
Personalização e Inteligência Artificial: A personalização, impulsionada pela IA, está se tornando cada vez mais prevalente. Algumas marcas oferecem serviços de personalização onde os algoritmos sugerem produtos com base nas preferências e histórico de compras dos usuários.
Sustentabilidade e Moda Consciente: Há um crescente interesse pela sustentabilidade na moda entre os consumidores chineses mais jovens, impulsionado por uma maior conscientização ambiental e social.
NFTs e Moda Virtual: Embora ainda em estágios iniciais, os NFTs (tokens não fungíveis) e a moda virtual estão começando a ganhar tração, permitindo que designers e marcas explorem novas formas de expressão e propriedade digital na moda.
Desfiles de Moda Digitais e Eventos Online: Devido à pandemia de Covid-19 e ao aumento da tecnologia digital, muitas marcas chinesas de moda adotaram desfiles de moda virtuais e eventos online para apresentar suas novas coleções.
Parcerias Tecnológicas: Marcas de moda na China estão cada vez mais colaborando com empresas de tecnologia para inovar em design, produção, marketing e experiências de varejo.
A moda digital na China é caracterizada por uma rápida adaptação às novas tecnologias, uma fusão de tradicional e moderno, e uma forte influência das plataformas de mídia social e de comércio eletrônico. À medida que a tecnologia continua a evoluir, espera-se que a moda digital na China também continue a se expandir e a inovar.
Da moda na China de Henfil até hoje
A evolução da indústria da moda na China entre 1977 e 2024 é uma história de transformação e crescimento. Vamos dar uma olhada nessa jornada:
Final dos Anos 1970 e Início dos Anos 1980: Sob a liderança de Deng Xiaoping a China anuncia a Reforma e Abertura, em 1978. Nesta época, a moda era largamente utilitária e uniformizada, dominada pelo "Zhongshan Zhuang" (o terno Mao) e "qipao" simplificado para as mulheres.
Anos 1980: Com as reformas econômicas, começaram a surgir influências da moda ocidental. A China começou a se abrir para o mundo exterior, e isso se refletiu na moda com a introdução de estilos e cores mais variados. A indústria têxtil chinesa, uma das mais antigas do mundo, começou a se modernizar e a se expandir.
Anos 1990: Esta década viu uma aceleração do crescimento econômico e uma maior exposição à moda global. As marcas ocidentais começaram a entrar no mercado chinês, trazendo consigo as tendências internacionais. Simultaneamente, começou a surgir uma indústria de moda doméstica, com designers chineses explorando estilos que mesclavam influências tradicionais e modernas.
Anos 2000: O boom econômico da China viu o surgimento de uma classe média com poder de compra significativo. As cidades como Shanghai e Beijing começaram a se estabelecer como centros de moda. A China também se tornou um dos maiores fabricantes de vestuário do mundo, desempenhando um papel crucial na cadeia de suprimentos global de moda.
Anos 2010: A década testemunhou a ascensão dos designers de moda chineses no cenário mundial, com muitos deles apresentando suas coleções em semanas de moda internacionais. O e-commerce de moda também decolou, com plataformas como Alibaba e JD.com transformando a forma como os consumidores chineses compram moda.
Anos 2020 até 2024: A indústria da moda na China continua a crescer e a se diversificar. Há um foco crescente na sustentabilidade e na moda ética. A tecnologia digital, incluindo a realidade aumentada, a inteligência artificial e o comércio online, desempenha um papel cada vez mais importante. Além disso, a China está se movendo em direção à criação de marcas e tendências próprias, em vez de apenas fabricar para marcas ocidentais.
Desde a visita de Henfil, em 1977, a moda na China passou por uma verdadeira revolução: ficou colorida, diversificada, tecnológica e pulsante. Assim como a própria China.