Zohran Mamdani: quem é o candidato socialista que pode virar prefeito de Nova York
Com discurso popular, enfrentamento direto à extrema-direita e bandeiras de esquerda, deputado estadual tenta quebrar a hegemonia política no berço do capitalismo global
A disputa pela prefeitura de Nova Iorque, uma das mais emblemáticas do cenário político dos Estados Unidos, ganhou um novo ingrediente nos últimos meses: o avanço da candidatura de Zoran Mamdani, legislador estadual progressista do Queens, que tem visto sua base de apoio popular crescer continuamente desde que entrou na disputa pela candidatura do Partido Democrata.
As primárias da legenda serão realizadas nesta terça-feira (24) e Mamdani tem pela frente um candidato que representa à perfeição o status quo, o ex-governador de Nova York Andrew Cuomo. Embora ainda carregue o desgaste de escândalos de assédio sexual que o levaram à renúncia em 2021, ele tenta se recolocar como nome experiente e confiável para o eleitorado.
Segundo o Financial Times, os super PACs (Comitês de Ação Política) que apoiam Cuomo investiram um valor sem precedentes de US$ 27 milhões na corrida. O ex-governador conta ainda com o apoio de diversas figuras célebres do Partido Democrata, incluindo o ex-presidente Bill Clinton.
Já Mamdani tem o apoio da deputada Alexandria Ocasio-Cortez e do senador Bernie Sanders, que abriu o caminho para candidaturas à esquerda na sigla quando enfrentou Hillary Clinton nas primárias presidenciais de 2016.
Socialista e muçulmano
Zoran Mamdani, de 33 anos, é membro dos Socialistas Democratas da América, uma das maiores organizações políticas esquerdistas dos EUA. Nascido em Uganda, foi criado primeiro na Cidade do Cabo, África do Sul, e depois se mudou para a cidade de Nova York. É filho de Mahmood Mamdani, professor da Universidade de Columbia, e Mira Nair, cineasta indiana que dirigiu filmes como Um Casamento à Indiana e Amelia. Caso vença as primárias e a eleição, pode ainda se tornar o primeiro prefeito muçulmano da cidade.
Em seu terceiro mandato com deputado estadual, além da atuação legislativa, também esteve presente em mobilizações. Em 2021, por exemplo, participou de uma greve de fome de 15 dias em apoio aos taxistas de Nova York. Após 15 dias, os taxistas fecharam um acordo com a prefeitura para ajudar a resgatar milhares de trabalhadores de suas dívidas exorbitantes. Já em 2023, participou de uma greve de fome de cinco dias por um cessar-fogo na guerra em Gaza.
Sua campanha inclui propostas para congelar o aluguel na cidade de Nova York. Também pretende tornar os ônibus gratuitos e criar uma rede de supermercados de propriedade da cidade com foco em "manter os preços baixos. Sua plataforma também defende implementar creches gratuitas para crianças de 6 semanas a 5 anos de idade.
As propostas serão pagas pelo 1% mais rico dos nova-iorquinos e por corporações. "O plano de receitas de Zohran aumentará a alíquota do imposto de renda corporativo para igualar os 11,5% de Nova Jersey, arrecadando US$ 5 bilhões", aponta seu site. "E ele tributará o 1% mais rico dos nova-iorquinos — aqueles que ganham mais de US$ 1 milhão anualmente — com uma taxa fixa de 2% (atualmente, as alíquotas do imposto de renda municipal são essencialmente as mesmas, independentemente de você ganhar US$ 50.000 ou US$ 50 milhões)."
Mensagens diretas
A campanha de Mamdani também tem usado as redes sociais de maneira estratégica, produzindo vídeos virais que aliam humor e crítica política. Um deles, em que ele dialoga com dois senhores discutindo política em um café, já ultrapassou 14 milhões de visualizações no Instagram e impulsionou sua arrecadação. Em outra ação, enfrentou diretamente um aliado de Donald Trump em um evento público, gerando repercussão e ganhos financeiros imediatos para a campanha.
Grace Mausser, co-presidenta do Partido Socialista Democrático da América (DSA) de Nova York , aponta que três Ms são fundamentais na empreitada do candidato: mensagem, meio e movimento.
“Quando começamos, sabíamos que o caminho para a vitória era estreito”, admitiu, em entrevista ao The Guardian. “Não disputamos eleições por razões puramente morais ou para defender um ponto, como o Partido Verde nos EUA, que fracassou em seu projeto.”
Mausser resume a estratégia de Mamdani com a adoção de mensagens que sejam facilmente entendida pelas pessoas. O início da sua jornada se concentrou em três mensagens principais: "Ônibus rápidos e gratuitos, congelamento dos aluguéis, creches gratuitas. É tão fácil de lembrar. As pessoas sabem disso, e é repetido inúmeras vezes."
Essa estratégia, segundo ela, é essencial para combater a "guerra cultural" projetada para forçar os esquerdistas a uma postura defensiva. Não significa abandonar minorias marginalizadas e Mamdani se comprometeu reiteradas vezes e de forma pública com os direitos dos transgêneros, que têm sido um dos alvos principais de Donald Trump no país. Mas sua campanha busca enfatizar mensagens econômicas unificadoras.
Pesquisas
O sistema de votação em Nova York é por ordem de preferência, onde os eleitores classificam vários candidatos em suas cédulas. Se nenhum candidato receber mais de 50% dos votos de primeira escolha, o candidato com o menor número de votos é eliminado e os votos que foram para esse candidato são realocados para a segunda escolha do eleitor. Isso se repete nas rodadas subsequentes até que um candidato obtenha a maioria absoluta.
"Em cinco meses, o apoio a Mamdani aumentou de 1% para 32%, enquanto Cuomo termina perto de onde começou", disse Spencer Kimball, diretor executivo da Emerson College Polling, em um comunicado publicado na segunda-feira e divulgado pelo Common Dreams. "Na simulação de escolha ranqueada, Mamdani ganha 18 pontos, contra 12 de Cuomo, o que o coloca à frente na rodada final pela primeira vez em uma pesquisa da Emerson."
Resta saber se a "onda" que levou Mamdani tão longe na disputa será suficiente para que ele vença. Mas sua performance aponta para possíveis caminhos em um cenário político conturbado, não só nos EUA, mas em outras partes do mundo, com o próprio Brasil.
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