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O eixo do excepcionalismo “delegado”: EUA e Israel – Por Gisele Agnelli

A retórica belicista torna-se linguagem oficial: “Faça um acordo comigo ou jogo uma bomba na sua cabeça”

Créditos: Brendan SMIALOWSKI / AFP
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Com Trump 2, o excepcionalismo americano ganha uma nova forma: mais cínica, mais agressiva, desprovida até mesmo da retórica da defesa da democracia liberal. Sai de cena a narrativa do “líder do mundo livre”, entra o império autolegitimado, armado com B-2s e algoritmos. Estaria Israel orbitando num tipo de excepcionalismo estadunidense “expandido ao oriente”?

Israel bombardeia Gaza, EUA bloqueiam qualquer responsabilização sabotando o Tribunal Internacional Penal no momento de investigar os crimes de Guerra de Israel. O caso recente da ordem executiva para cortar o acesso da procuradora do Tribunal Internacional Penal, à sua conta institucional de e-mail (via Microsoft) é um marco. Trata-se de lawfare reverso: o Estado ataca as instituições de justiça internacional para blindar seus aliados. Não é defesa diplomática. É política de compadrio internacional. Mais grave: ao bloquear o e-mail de uma autoridade internacional, os EUA violam diretamente o Estatuto de Roma, minam a soberania funcional do TPI e abrem um precedente perigoso para que outros países , como Rússia, China ou Irã, também passem a sabotar organismos internacionais com ferramentas digitais.

O ataque ao Irã é exemplar: Israel inicia, Trump amplia. Nenhuma resolução do Conselho de Segurança. Nenhuma consulta aos aliados europeus. Nenhuma prova material de reativação do programa nuclear iraniano. Apenas a arrogância do fato consumado, e pior: disfarçada de contenção. Essa lógica da “guerra preemptiva”, resgatada dos anos Bush, é o que Noam Chomsky chamou de impunidade imperial. O império define o inimigo, a ameaça e a punição. E Trump, com sua obsessão por poder absoluto, institucionaliza essa lógica no próprio cerne de seu Executivo absolutista intergalático.

Estamos, portanto, diante de um tipo de excepcionalismo delegatário: os EUA não apenas se colocam acima das regras, mas outorgam a Israel o direito de agir da mesma forma, com garantias militares, tecnológicas, diplomáticas e jurídicas. O resultado é a destruição da ordem multilateral do pós-guerra e o surgimento de uma nova geopolítica do caos.

Internamente, o ataque é também um ato de ruptura constitucional. Trump ignorou o Congresso, violando o Artigo I, Seção 8 da Constituição, além da War Powers Resolution de 1973, uma lei já enfraquecida pela omissão sistemática de sucessivos presidentes, democratas e republicanos. Como bem apontou o senador Tim Kaine: se o Irã tivesse atacado instalações nucleares dos EUA, chamaríamos isso de guerra. Por que, então, o inverso não seria?

A resposta está no coração do excepcionalismo: os EUA se veem como o único Estado autorizado a agir sem reciprocidade.  Mas há também o perigo do precedente simbólico. Ao atropelar normas, tratados e instituições, Trump inaugura uma era de normalização do autoritarismo armado como forma de governo global. Não se trata apenas de uma guerra contra o Irã. Trata-se de uma guerra contra o próprio conceito de ordem jurídica internacional.

A retórica belicista torna-se linguagem oficial: “Faça um acordo comigo ou jogo uma bomba na sua cabeça”. A diplomacia cede lugar à lógica da dissuasão seja bélica ou comercial (no caso do tarifaço) permanente. Uma nova ordem se anuncia, uma desordem legitimada pela força. Com o ataque unilateral dos EUA às instalações nucleares do Irã, autorizado por Donald Trump sem aval do Congresso nem respaldo das Nações Unidas.

Não se trata de uma aliança clássica, mas de uma “doutrina informal de impunidade recíproca”. A força substitui o direito. A intimidação ocupa o lugar da diplomacia. E a legalidade internacional é rebaixada a algo que se contorna, ignora ou, se necessário, passa por cima. Pelo menos até as eleições de meio de mandato Estadunidenses, esta parece que será a nova regra do jogo.

*Gisele Agnelli é colunista, socióloga e cientista política.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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