FREUD EXPLICA

O que sua roupa diz sobre sua mente?

O jeito como você se veste pode revelar muito sobre quem você é por dentro, diz a bisneta do pai da psicanálise, Bella Freud, que esteve no Brasil nesta semana

O jeito como você se veste pode revelar muito sobre quem você é por dentro, diz a bisneta do pai da psicanálise, Bella Freud, que esteve no Brasil nesta semana. No podcast Fashion Neurosis ela entrevista Kate Moss
O que sua roupa diz sobre sua mente?.O jeito como você se veste pode revelar muito sobre quem você é por dentro, diz a bisneta do pai da psicanálise, Bella Freud, que esteve no Brasil nesta semana. No podcast Fashion Neurosis ela entrevista Kate MossCréditos: Reprodução Fashion Neurosis
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Você já parou para pensar que o jeito como você se veste pode revelar muito sobre quem você é por dentro? Seu estilo expressa seu humor, inseguranças, desejos e até a forma como enxerga o mundo. A roupa funciona como uma mensagem que você transmite — consciente ou não.

Essa é a linha de trabalho da designer britânica Bella Freud, 64 anos, bisneta de Sigmund Freud (1856–1939), fundador da psicanálise, e filha do renomado pintor Lucian Freud (1922–2011).

Na última terça-feira (27), Bella participou do Rio Creative Conference (Rio2C), evento que prossegue até domingo (1º), na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro. Ao lado da psicanalista brasileira Maria Homem, discutiu as conexões entre moda e psicanálise.

No painel, apresentou sua abordagem única que combina essas duas áreas para mostrar como o estilo pessoal reflete a psique humana, destacando a importância da autenticidade e da expressão individual na construção da identidade.

Bella também compartilhou impressões sobre sua primeira visita ao Rio:

“No Rio, as pessoas parecem felizes: usam saias curtas e shorts o tempo todo. Parecem amar seus corpos e todas as suas formas. Acho fantástico e muito prazeroso de ver.”

Além da moda, Bella Freud é conhecida internacionalmente pelo podcast Fashion Neurosis, lançado em outubro de 2023, que une psicologia e estilo. No programa, que simula uma sessão de psicanálise, ela senta em uma poltrona enquanto os convidados ficam deitados em um sofá, como num divã, e são filmados de forma a olhar diretamente para ela — e, consequentemente, para o público.

A pergunta que abre cada episódio é:

“Por que você escolheu as roupas que está vestindo hoje?”

A partir daí, surgem conversas sobre identidade, autoimagem, psique e moda como expressão da personalidade. Entre os convidados estiveram estilistas como Rick Owens, Christian Louboutin e Susie Cave, além das atrizes Cate Blanchett e Julianne Moore, do escritor Karl Ove Knausgaard e do dramaturgo Hanif Kureishi. As perguntas aos convidados são feitas na hora, sem aviso prévio, exceto em casos sensíveis. Confira um dos episódios:

Bella também defende que a moda vai muito além da superficialidade, na contramão do senso comum que colocar nossas roupas no campo das futilidades inúteis. 

“Às vezes, você precisa da superficialidade, mas há muito mais além disso.”

Carreira de designer de Bella Freud

Reprodução Instragram @bella_freud

Bella Freud iniciou sua trajetória no mundo da moda na década de 1980, quando trabalhou ao lado da icônica estilista britânica Vivienne Westwood, conhecida por seu papel fundamental na revolução do punk e do new wave na moda. Essa experiência ajudou Bella a desenvolver uma visão única e contemporânea sobre estilo e expressão pessoal.

Em 1990, Bella fundou sua própria marca homônima, que rapidamente se destacou por suas peças de tricô com slogans provocativos e carregados de significado cultural. Entre os mais famosos estão os suéteres estampados com frases como “Ginsberg is God”, uma referência ao poeta beat Allen Ginsberg, e “1970”, que remete a uma década marcante na cultura e nas transformações sociais. Essas criações se tornaram ícones culturais, admiradas tanto por seu design quanto pelo conteúdo simbólico e intelectual que carregavam.

Além de consolidar sua marca, Bella Freud ampliou sua atuação no universo artístico e cultural ao colaborar com personalidades renomadas. Trabalhou com o ator e produtor John Malkovich, conhecido por sua versatilidade no cinema e no teatro, e com o músico e artista Nick Cave, uma das figuras mais influentes do rock alternativo, cujas criações exploram temas intensos e emocionais.

Sua expertise também foi requisitada por grandes marcas de moda: Bella atuou como consultora criativa para Jaeger, uma tradicional grife britânica com mais de 130 anos de história, e para a marca Biba, famosa pelo seu estilo retrô e pelo impacto na moda dos anos 1960 e 1970. Nessas funções, Bella ajudou a redefinir e modernizar a identidade dessas marcas, contribuindo para coleções que dialogavam com o espírito do tempo.

Com essa trajetória, Bella Freud se firmou não apenas como uma designer de moda, mas também como uma figura cultural que conecta moda, arte e psicologia, influenciando gerações com sua abordagem que valoriza autenticidade, expressão pessoal e referências profundas.

Moda e psicanálise: o que suas roupas dizem sobre você

A relação entre moda e psicanálise estuda como o vestir revela muito mais do que estilo ou tendência. Roupa, estilo e o ato de vestir são formas de expressão simbólica da identidade, dos desejos e dos sentimentos que nem sempre estão claros para a própria pessoa.

Para a psicanálise, grande parte do nosso comportamento é guiada por desejos e conflitos inconscientes. A moda funciona como uma linguagem que materializa esses sentimentos, ajudando a mostrar quem somos, quem gostaríamos de ser ou como queremos ser percebidos.

Além disso, a roupa pode ser uma “máscara” para esconder inseguranças e ansiedades, criando uma imagem idealizada para o mundo e protegendo o indivíduo de suas vulnerabilidades.

Outro aspecto importante é o fetichismo: certos objetos, tecidos ou acessórios ultrapassam sua função prática, tornando-se fontes de desejo ou fascínio.

A forma como nos vestimos também é uma comunicação não verbal que revela estados emocionais e múltiplas facetas da identidade. A psicanálise busca interpretar essas mensagens ocultas.

A roupa está ligada à construção da identidade, envolvendo a relação entre o “Eu” e o “Outro”. A moda é um meio para experimentar e negociar essa identidade, especialmente na interação social.

Olhar para a moda pela perspectiva psicanalítica revela que se vestir não é apenas consumir ou seguir tendências, mas um fenômeno complexo que envolve desejos, simbolismos e processos psíquicos profundos.

Como a psicanálise pode interpretar cinco peças de roupa

As roupas que escolhemos podem revelar muito sobre quem somos por dentro. A psicanálise sugere que elas podem carregar mensagens simbólicas, mostrando desejos, medos e aspectos profundos da nossa identidade.

Fotomontagem e-commerce

1. O sobretudo preto
O sobretudo preto, clássico e atemporal, pode funcionar como uma “armadura psicológica”. Ele pode criar uma barreira entre a pessoa e o mundo, simbolizando um desejo de proteção contra ameaças emocionais. A cor preta, por sua vez, pode transmitir reserva e mistério, ajudando a esconder vulnerabilidades e proteger o “Eu” da exposição.

2. O suéter com slogans
Suéteres com frases estampadas, como o famoso “Ginsberg is God” criado pela estilista Bella Freud, podem atuar como formas de comunicação simbólica direta. Eles podem expressar crenças, desejos e pertencimentos, funcionando como uma “máscara” que projeta uma mensagem interna para o mundo, servindo como afirmação de identidade ou resistência.

3. O vestido vermelho
O vestido vermelho, associado à paixão, poder e sedução, pode indicar um desejo consciente ou inconsciente de atrair atenção, afirmar poder sexual ou expressar autoconfiança. Essa escolha pode, muitas vezes, servir para encobrir inseguranças internas por meio de uma imagem forte e dominante.

4. A jaqueta de couro
A jaqueta de couro, símbolo clássico de rebeldia e resistência, pode funcionar como uma máscara que protege o usuário de vulnerabilidades emocionais. Ela pode projetar força e invulnerabilidade, agindo como uma defesa contra medos internos e afirmando um “Eu” que desafia normas sociais.

5. Os sapatos de salto alto
Os sapatos femininos de salto alto podem simbolizar poder, controle e sexualidade. Eles podem representar uma busca por afirmação da identidade feminina e o desejo de ser notada. O desconforto físico que causam pode refletir o conflito entre as exigências sociais e o bem-estar pessoal.

Esses exemplos mostram que as roupas podem ser muito mais do que objetos; elas podem funcionar como uma linguagem simbólica que expressa e protege a complexidade da mente humana.

Autores e obras para entender a conexão entre moda e psicanálise

A relação entre moda e psicanálise é explorada por diversos autores que investigam como o ato de vestir revela aspectos profundos da identidade, do inconsciente e dos processos psíquicos. Conheça alguns:

Anne-Marie Bonnet — Especialista em psicanálise e cultura, que cruza essas áreas com artes visuais e moda. Seu livro Fashion and Psychoanalysis: Styling the Self é referência para compreender o vestuário como construção do “Eu” e relação com o “Outro”. 

Elisabeth Roudinesco — Historiadora da psicanálise, aborda subjetividade, cultura e arte, ajudando a compreender o simbolismo do corpo e da roupa. Sua obra História da Psicanálise na França oferece fundamentos essenciais para refletir sobre o vestir como linguagem simbólica.

Jacques Lacan — Embora não tenha escrito sobre moda diretamente, suas teorias sobre o “Estádio do Espelho”, disponíveis em Stanford Encyclopedia of Philosophy e a construção do sujeito são usadas em análises modernas da identidade e da aparência na moda.

Manuel Puig — Escritor e dramaturgo argentino que trabalhou a relação entre cultura popular e psicanálise, influenciando análises culturais que incluem a moda como linguagem simbólica. Sua obra El beso de la mujer araña é referência para entender influências psicanalíticas na cultura.

Patricia Mellencamp — Pesquisadora que investiga a relação entre psicanálise, cultura popular e moda. Seu livro Fashion and Psychoanalysis aprofunda essa conexão entre identidade, processos psíquicos e vestuário.

Theodore Reik — Psicanalista que estudou o simbolismo do corpo e dos objetos, ajudando a compreender a moda como expressão simbólica e fonte de desejos. Sua obra The Haunting Melody é fundamental para entender o simbolismo na moda.

 

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