AMÉRICA LATINA

É o petróleo, estúpido! O elo entre golpe na Venezuela, Bolsonaro, Globo, Trump, bancos...

O "teatro das tesouras", tese pregada pelo guru Olavo de Carvalho à horda bolsonarista, pode ser usada para revelar a encenação entre atores do neofascismo e os interesses do sistema financeiro transnacional

Trabalhadores da Petromanagas, na Venezuela, sob a foto de Hugo Chávez.Créditos: Divulgação / pdvsa.com
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Guru do neofascismo no Brasil e autor de "O Imbecil Coletivo" (1996) - um prenúncio da horda que criaria no país -, Olavo de Carvalho usou a tese do "Teatro das Tesouras" para explicar, segundo ele, uma falsa oposição entre PSDB e PT, que teriam como objetivo comum a alternância no poder.

A tese, propagada pelo clã Bolsonaro para cooptar a camada que se julga mais "intelectualizada" da horda bolsonarista, no entanto, poderia ser usada para explicar o picadeiro que existe na relação entre a ultradireita neofascista e os atores do sistema financeiro neoliberal, que atuam para concentrar ainda mais riqueza nas mãos de bilionários e aprofundar o fosso da desigualdade.

No Brasil, a face mais aparente desse "teatro das tesouras" é o cênico embate entre Jair Bolsonaro e seus asseclas contra a Rede Globo, da família Marinho, e a mídia liberal.

Bolsonaro, que sempre defendeu o nacionalismo econômico e era contra a privatização da Petrobrás, só recebeu aval da mídia liberal para ser o "anti-Lula" em 2018 quando acatou a indicação de Paulo Guedes como tutor na economia.

Guedes é membro-fundador do Instituto Milleniun, think-thank ultraliberal financiado pela Globo, Estadão, Editoria Abril e bancos transnacionais, como o Merril Lynch, comprado pelo Bank of América em 2008.

Nos quadros do ultraliberal Instituto Milleniun podem ser encontrados nomes como Rodrigo Constantino, Ali Kamel, Demétrio Magnoli, Merval Pereira, Carlos Alberto Sardenberg, Pedro Malan, entre outros.

Além de Guedes, o instituto lista como especialistas Ives Gandra Martins, Hélio Beltrão e até (pasme!) Marcelo Madureira - sim, o ex-Casseta & Planeta.

No governo, Guedes e Bolsonaro privatizaram 54 ativos da Petrobrás. Foi o maior montante desde o golpe aplicado por Michel Temer (MDB) em Dilma Rousseff (PT), que teve como pano de fundo a aliança com a Lava Jato na sanha de entregar a estatal de petróleo brasileiro.

Vale lembrar, que o projeto de privatização tem origem na "Petrobrax", mudança proposta por FHC ainda no ano 2000, e foi promessa do também tucano José Serra, quando candidato à presidência em 2010.

Informações vazadas pelo WikiLeaks à época mostraram que Serra prometeu à então diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o Governo da Chevron, Patrícia Pradal, alterar as regras de exploração do Pré-Sal para entregar tudo à petroleira norte-americana.

O interesse da Globo - e dos financistas bilionários da qual é porta-voz - seguem. Sondado como "terceira via" para 2026, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) vem sendo sondado sobre o "futuro" da estatal brasileira.

Em entrevista à GloboNews no dia 24 de julho para celebrar a entrega da Sabesp ao Grupo Equatorial, o governador paulista foi indagado pela "analista de economia" Daniel Souza sobre "sua visão de futuro".

"O senhor considera que existe espaço para a privatização avançar mais no Brasil, qual a importância da privatização. Talvez, no longo prazo, o Brasil avançar para uma privatização da Petrobrás, do Banco do Brasil. Qual é a sua visão mais ampla, mais agregada da privatização?", disparou o "analista".

Tarcísio, então, lançou o compromisso: "há espaço para avançar mais nas privatizações".

A "ditadura" de Maduro e a eleição na Venezuela

O "teatro das tesouras" entre o fascismo e o sistema financeiro também é retratado pela mídia liberal na questão sobre a "ditadura" de Nicolás Maduro e nas eleições na Venezuela.

O país está situado sobre as maiores reservas de petróleo do mundo, estimadas em 303,8 bilhões de barris - 18% do total das reservas provadas do "ouro negro" no planeta. Para termos comparativos, o Brasil ocupa a 16ª posição no ranking, com 11,9 bilhões de barris.

Desde o início da chamada Revolução Bolivariana, iniciada por Hugo Chávez em 1999, a Venezuela passou a usar a riqueza do petróleo para financiar as chamadas "missões", que têm por princípio usar os recursos da estatal PDVSA para reduzir a pobreza e financiar a educação - similar ao que foi proposto por Dilma Rousseff em 2013 com o Pré-Sal.

Desde então, a Venezuela virou alvo da aliança midiática financista, que financia grupos ligados à burguesia do país, que de tempos em tempos - geralmente durante os processos eleitorais - buscam colocar um golpe em marcha.

As sanções impostas pelos Estados Unidos, onde atua o truste transnacional do petróleo, sufocou o êxito inicial da revolução bolivariana. Principalmente as impostas por Donald Trump em 2019, para sufocar os venezuelanos.

No entanto, milhões de venezuelanos beneficiados e educados pelo regime chavista têm claro na memória os interesses do chamado "imperialismo" e sabem que uma aventura com a ultradireita burguesa - que vive literalmente em Miami - vai solapar as missões e entregar a maior riqueza do país aos interesses do sistema financeiro.

Chevron e Corina

Filha de Enrique Machado Zuloaga, um dos maiores empresários venezuelanos, falecido em janeiro de 2023, Maria Corina Machado, a atual líder da oposição ao governo Nicolás Maduro, é herdeira de um império siderúrgico - Sivenza - que se tornou a primeira exportadora privada não-petroleira do país antes da revolução bolivariana, ainda nos anos 1990.

Com Chávez no poder, as falcatruas da família foram descobertas e parte da empresa foi nacionalizada.

À época, Maria Corina já recebia dinheiro do National Endowment for Democracy (NED), instituição estatal dos EUA criada nos anos 1980 para atuar na política externa estadunidense, por meio da ONG Súmate, criada para "monitorar eleições na Venezuela" e articuladora do frustrado golpe contra Chávez em 2002.

Maria Corina tem ligações estreitas com a família Bush, a principal lobista das petrolíferas internacionais - e avalista das guerras em nome da "democracia" perpetrados em países produtores do óleo pelo mundo.

Uma das principais promessas de Maria Corina durante sua pré-candidatura - barrada por ter sido inabilitada em 2015 a ocupar cargos públicos - foi justamente privatizar a PDVSA.

Em meio à pré-campanha, a Telesur divulgou documentos que mostram que Corina estaria negociando a entrega da PDVSA à Chevron em troca de uma "ajuda" eleitoral no valor de US$ 3,2 milhões.

Com sede nos EUA, a Chevron foi a principal beneficiada pela política de Joe Biden, que começou a levantar as sanções impostas pro Donald Trump, em 2019.

No último dia 17, às vésperas da eleição, a Assembleia Nacional venezuelana aprovou a prorrogação por 15 anos da atuação da empresa mista Petroindependência, que pertence majoritariamente à PDVSA (60%), mas tem participação de 34% da Chevron. 

A petrolífera estadunidense ainda tem participação em outras empresas mistas do setor no país, como Petropiar, Petroboscán e Petroindependiente.

No entanto, para fazer a exploração, a Chevron deve pagar 33% de royalties para a PDVSA e 50% de imposto de renda para o Estado.

Apesar de lucrar no acordo entre os governos Maduro e Joe Biden, a Chevron tem ambição maior na Venezuela: controlar totalmente as maiores reservas de petróleo do mundo.

Para isso, conta com a privatização de Corina e seus aliados, que teriam um apoio ainda maior com Donald Trump no poder.

Em discurso durante a convenção Republicana em junho, o ex-presidente falou de seus planos no passado, apontando para o futuro caso vença as eleições para a Casa Branca em novembro.

“Quando eu saí, a Venezuela estava prestes a colapsar. Nós teríamos tomado o país e pegado todo aquele petróleo. Seria ótimo”, afirmou.

Parafraseando James Carlile, marqueteiro da campanha de Bill Clinton à Presidência dos EUA em 1992: é o petróleo, estúpido. 

Ou melhor, a privatização do petróleo, que colocam Trump, Corina, Bolsonaro, Globo e atores do neofascismo neoliberal juntos no palco para encenar o "teatro das tesouras".