TERRAPLANISMO

Geografia paralela: produtora bolsonarista vai financiar próxima geração de professores

Brasil Paralelo – conhecida por seus revisionismos históricos, cujas fontes são “vozes da minha cabeça” – divulgou que vai financiar cursos de Geografia e Ciências Sociais para estudantes de baixa renda

Jair Bolsonaro assistindo produção da Brasil Paralelo.Créditos: Reprodução / Youtube
Escrito en OPINIÃO el

No Brasil distópico dos últimos tempos, em que a extrema direita saiu do esgoto, nada é tão ruim que não possa piorar. A péssima notícia da vez é que a produtora Brasil Paralelo – conhecida por seus revisionismos históricos, cujas fontes são “vozes da minha cabeça” – divulgou que vai financiar cursos de Geografia e Ciências Sociais para estudantes de baixa renda, com objetivo de “formar a próxima geração de professores” do país.

Segundo a (delirante) linha de pensamento da Brasil Paralelo, “é proibido ser de direita nas universidades” e o ensino das escolas brasileiras é “distorcido”.

Sou professor de Geografia há duas décadas, o que me possibilita imaginar como seria um curso sobre esta ciência financiado pela Brasil Paralelo, a partir do histórico da empresa. Trata-se da “Geografia Paralela”, que, conforme a nomenclatura indica, está em uma “realidade alternativa”.

Para começar, em Cartografia, nada de Heliocentrismo ou Terra Geoide. Será ensinado um dos mantras da extrema direita: Terra Plana, o “verdadeiro” formato de nosso planeta, escondido de todos pela Nasa, entre outras agências.

Não se falará mais em eras geológicas ou que nosso planeta possui 4,5 bilhões de anos. Sem essas farsas “cientificistas”. A Terra tem, no máximo, alguns milhares de anos, conforme está escrito na Bíblia. Educação laica passa longe!

Nos estudos urbanos, a “Geografia esquerdista/comunista” recorre aos conceitos de “gentrificação” e “segregação socioespacial” para denunciar que o espaço geográfico é produzido segundo interesses do grande capital e que as moradias em favelas e em condomínios fechados não são por acaso; refletem as desigualdades inerentes ao capitalismo.

Porém, na “Geografia Paralela”, a explicação é diferente. Nada de reflexões aprofundadas, pensamento crítico ou teorias complexas. A partir do conceito de meritocracia, será “ensinado” que o rico mora bem porque mereceu, e o pobre, por sua vez, mora mal por não ter se esforçado o suficiente. Simples assim!

Em Geografia Agrária, o agro será exaltado como grande defensor da natureza, as queimadas na Amazônia não existem e o MST é um movimento “terrorista”, pois, na “realidade paralela”, não há concentração de terras em nosso país.

Saindo do Brasil, indo para a Geografia Geral, será estudado o conceito de “globalismo”, plano de dominação comunista em âmbito planetário, que, entre outros fatores, está relacionado ao ensino do “marxismo cultural” nas escolas.

Para tanto, serão estudados os movimentos que buscam implantar o comunismo global, como Ursal e Foro de São Paulo.

Portanto, nada de Milton Santos e a ideia de “globalização” como fábula ou perversidade (aliás, esta palavra não existe no léxico da Geografia Paralela, pois o correto é “globalismo”, como dito). Tampouco cabe falar que países pobres são explorados pelas potências imperialistas (o que também não existe segundo esta linha ideológica).

Assim, o anteriormente citado Milton Santos e outros “geógrafos comunistas” (como David Harvey) serão subtítulos pelo grande pensador interdisciplinar: Olavo de Carvalho.

Em geopolítica, serão exaltados os governos de extrema direita de Javier Milei na Argentina, Volodymyr Zelensky na Ucrânia e Benjamin Netanyahu em Israel.

Neste tópico, excepcionalmente, não há necessidade de a Brasil Paralelo produzir seu próprio material, basta recorrer aos conteúdos dos noticiários internacionais da grande imprensa brasileira.

E, se mesmo com todas essas novas diretrizes da “Geografia Paralela”, os alunos não alcançarem rendimentos satisfatórios? A resposta é simples: a culpa é do Petê e do Paulo Freire.