OPINIÃO

Desconstruindo narrativas midiáticas sobre a geopolítica palestina – Por Francisco Fernandes Ladeira

Nos principais veículos de comunicação do país são construídas estratégias discursivas e falsas narrativas visando “justificar o injustificável”

Créditos: Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
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Desde o dia 7 de outubro de 2023, com a contraofensiva do Hamas e outros grupos palestinos no sul do Estado de Israel, a chamada “questão palestina” tem dominado a agenda pública global e, consequentemente, os noticiários internacionais da grande imprensa brasileira. Nesse sentido, nos principais veículos de comunicação do país – como Rede Globo, Folha de São Paulo, Estadão e Revista Veja – são construídas estratégias discursivas e falsas narrativas visando “justificar o injustificável”, ou seja, o genocídio do povo palestino por parte do Estado de Israel.

Esse tipo de linha editorial, verdadeira propaganda de guerra sionista, fez do 7 de outubro de 2023 uma espécie de “marco zero” do conflito entre israelenses e palestinos. Logo, todas as oito décadas de ocupação colonial e limpeza étnica praticada por Israel são ocultadas, permitindo noticiar a reação de um povo sob jugo colonial como “ataque terrorista”. Na grande imprensa, não se trata de um “genocídio”, tampouco de antagonismos entre israelenses e palestinos, mas de uma “guerra entre Hamas e Israel”: um “Estado legítimo: a maior democracia do Oriente Médio”, contra “um grupo terrorista”.

Além da falaciosa sensação de equilíbrio de forças entre os dois lados do conflito, a armadilha discursiva mencionada acima permite justificar a política de punição coletiva realizada pelo exército israelense em Gaza. Afinal de contas, está combatendo os “extremistas do Hamas”.

No entanto, o Hamas é um grupo político, legitimado pela eleição parlamentar palestina. Nem ONU, governo brasileiro, ou mesmo a imperialista BBC se referem ao Hamas como “terrorista”. Já o mito da democracia israelense é corroborado pelo fato de o país promover eleições periódicas, com pleno direito de votar e ser votado para todos os cidadãos elegíveis.  

Porém, como sabemos, democracia está muito além das urnas. É importante frisar que em países como Venezuela, Rússia e Irã também há eleições, mas como são contrárias aos interesses imperialistas; logo não serão consideradas “democráticas” na mídia hegemônica.

O adjetivo “maior democracia do Oriente Médio”, aplicado a Israel, esconde que o país, de fato, não é democrático. O sufrágio universal só existe no Estado Sionista por causa da anteriormente mencionada limpeza étnica, que, ao criar artificialmente uma maioria judaica (processo conhecido como “inversão demográfica”), permitiu a extensão do direito a voto para os chamados “árabes-israelenses” (cerca de 20% da população, portanto incapaz de mudar a política israelenses por meio do processo eleitoral). Isso explica o porquê de a África do Sul do apartheid, um regime similar ao sionista, não ter permitido o direito a voto para a população negra.

Também é controverso pensar em “democracia” num país sem constituição, onde há um Estado étnico, cidadãos de segunda classe, a propriedade da terra é praticamente restrita para parcela da população, não são permitidos casamentos mistos, o direito de ir e vir é relativo e pessoas são detidas, julgadas e presas sem qualquer tipo de condenação. Este é o Estado de Israel que a grande mídia, evidentemente, não mostra.

Outra narrativa a ser desconstruída é a laicidade de Israel, em contraposição aos “atrasados e teocráticos” vizinhos árabes. Para solidificar as mitologias do “povo eleito” e da “Terra Prometida”, livros religiosos são estudados nas escolas israelenses como se fossem documentos históricos. Já no exército israelense, é comum que se relacionem vitórias militares a narrativas bíblicas, sobretudo às batalhas dos israelitas contra os povos da região de Canaã. Se não existe “doutrinação comunista” nas instituições de ensino brasileiras, podemos falar, tranquilamente, em “doutrinação sionista” em Israel.

Mesmo a narrativa de Israel abrigar a “única parada gay do Oriente Médio” não tem nada de democrática. Trata-se mero pinkwashing para esconder as inúmeras violações de direitos humanos praticadas contra o povo palestino. Somente setores mais desavisados da esquerda caem nessa armadilha retórica.

Apesar de todo malabarismo feito pelo jornalismo hegemônico, na era das redes sociais e imprensa alternativa fortalecida, não há como esconder o genocídio do povo palestino; está sendo registrado e visto em todo planeta, como foi o caso do recente ataque que deixou pelo menos quarenta e cinco mortos em um campo de refugiados em Rafah, sul de Gaza.

Diante dessa realidade genocida, entra em cena outra eficaz estratégia de manipulação midiática: a personalização da geopolítica. Nesse sentido, o massacre do povo palestino não é um projeto sionista, uma “política de Estado”, mas obra exclusiva da mente extremista do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, isto é, uma “política de governo”. Por essa linha de raciocínio, basta remover o premiê de seu cargo (ou até condená-lo por crimes de guerra) que Israel voltará à sua normalidade de “maior democracia do Oriente Médio”.

Como também é impossível esconder o elevado número de crianças mortas em Gaza, devido aos constantes ataques israelenses, Renata Lo Prete, âncora do Jornal do Globo, tem uma bizarra explicação. Morrem muitas crianças porque a maioria da população do território palestino é jovem; e não por Israel atacar indiscriminadamente alvos civis e militares (punição coletiva). Simples assim!

Em suma, por mais trágico, surreal e revoltante que possa ser um acontecimento, em nome dos interesses do imperialismo e de seus aliados, os discursos dos noticiários internacionais da grande imprensa sempre vão “justificar o injustificável”.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.