OPINIÃO

Negacionismo geopolítico da grande mídia sobre a Palestina - Por Francisco Fernandes Ladeira

Assim funciona a máquina de desinformação sobre o que acontece no mundo, levada a cabo por Globo, Folha, Estadão, Veja e congêneres

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Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Especialista em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu (FI). Autor de quinze livros, entre eles "A ideologia dos noticiários internacionais" (Editora CRV).
Negacionismo geopolítico da grande mídia sobre a Palestina - Por Francisco Fernandes Ladeira
Ato em protesto contra cobertura da Globo sobre genocídio em Gaza. Comitê Mineiro de Solidariedade ao Povo Palestino

Durante a pandemia da Covid-19, muito se falou na grande mídia brasileira sobre negacionismo, em referência aos indivíduos que negavam a gravidade da situação, desrespeitavam o isolamento social e/ou indicavam tratamentos precoces para combater o novo coronavírus. Posteriormente, o termo também foi utilizado para outros fins: negacionismo científico, negacionismo histórico, negacionismo climático e por aí vai.

No entanto, há um outro negacionismo, que os articulistas da mídia hegemônica, por razões óbvias, não mencionam. O seu próprio: negacionismo geopolítico.

A principal e mais cínica expressão desse negacionismo geopolítico diz respeito à negação do genocídio do povo palestino, realizada pelo Estado de Israel. Para tanto, quando se abordam as mortes de palestinos em Gaza, a expressão negacionista utilizada é: “segundo o Ministério da Saúde, comandado pelo Hamas”. Desse modo, o grande número de mortos é colocado em xeque. Proporcionalmente, os palestinos são as maiores vítimas de limpeza étnica da história. Mas, na mídia brasileira, o recado parece ser este: morrem pessoas, mas não tantas assim, como o Hamas anuncia.

Por mais que as imagens e vídeos que nos chegam de Gaza, no primeiro genocídio instagramável da história, nos mostrem casos só comparáveis ao que os nazistas fizeram com os judeus, no negacionismo geopolítico da mídia, nada disso acontece. Israel está apenas se defendendo. Comparar sionismo e nazismo seria antissemitismo.

Diga-se de passagem, a palavra sionismo – o movimento supremacista europeu que está por trás da criação de Israel – não é mencionada nos noticiários. Se não é mencionado, não existe. A lógica midiática é simples: se Israel proíbe a entrada de jornalistas em Gaza, não há como saber o que acontece de fato no enclave palestino. Trata-se de uma prática mais negacionista do que a encontrada em qualquer grupo de WhatsApp.

Por falar na criação de Israel, os noticiários geopolíticos da mídia, caracterizados por esgotar os fatos em sua imediatidade, também são acompanhados pelo negacionismo histórico. Nesse ponto, não há diferenças substanciais entre os conteúdos da mídia hegemônica e da produtora de extrema direita Brasil Paralelo.

A máxima crítica feita a Israel é que, esporadicamente, Tel Aviv comete alguns “excessos”. E esses “excessos” somente passaram a ocorrer após o início da “guerra” contra o “grupo terrorista Hamas”. Ou seja, o “conflito Israel-Palestina” começou em 7 de outubro de 2023. Consequentemente, são negadas oito décadas de limpeza étnica arquitetada pelo Estado sionista – o que é muito bem documentado, por exemplo, na obra do historiador israelense Ilan Pappe.

Para sustentar a farsa “Israel, única democracia do Oriente Médio”, a mídia hegemônica nega que, no país, há cidadãos de segunda classe, palestinos não têm direito de ir e vir, além do não acesso a propriedade fundiária, e Israel, por lei, é um “Estado Judeu”, ou seja, uma etnocracia (nem Hitler chegou a tanto). Por muito menos, nos noticiários internacionais, Venezuela e Nicarágua são consideradas “ditaduras”.

Assim funciona a máquina de desinformação sobre o que acontece no mundo, levada a cabo por Globo, Folha, Estadão, Veja e congêneres. Se formos fazer uma analogia com o período pandêmico, citado no início do texto, podemos dizer que os noticiários da grande mídia estão para a geopolítica palestina do mesmo modo que a cloroquina esteve para a Covid-19. Podem parecer inócuos, mas fazem muito mal.

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