Livro “Naim”: não tenho lugar de fala. E daí? – Por Mouzar Benedito
Leiam o livro, e critiquem sem dó. Mas sem preconceitos e sem procurar pelo em ovo, por favor
Peço desculpa aos leitores e aos editores da Fórum por voltar a um assunto de que já tratei aqui há poucos dias, o romance “Naim”, que “está no prelo”, como se dizia. E a procura tem sido muito boa.
Há motivos para voltar a ele.
Já era para ter sido impresso e remetido aos que compraram, mas justamente por causa da procura é que está um pouco atrasado, deve chegar aos que o adquiriram em julho. Segundo o editor, Marcelo, da MPR Edições, a intenção é dar mais uma oportunidade para que os leitores o adquiram pelo preço de lançamento, depois ficará mais caro. E prorrogou o prazo para isso até o próximo dia 15. Então, peço aos que já o adquiriram que tenham um pouco de paciência, e aos que ainda vão adquirir, que se apressem.
Ah, esse atraso, na verdade, tem também outro motivo que achei até legal: o diagramador disse que leu o texto enquanto diagramava e achou divertido, então merecia uma diagramação diferente, com um ícone para cada capítulo.
Outro motivo é que, conversando com amigos, já me disseram: “Vão te cobrar por não ter lugar de fala”.
Lugar de fala! Realmente não tenho. Em parte, tenho sim: um tema dele é a imigração de libaneses (e alguns sírios) para cidades pequenas de Minas Gerais no início do século XX e a vida cotidiana de uma determinada cidade minúscula, e dentro dela o modo de vida desses imigrantes. Pra começar, obviamente não vivi no início do século XX, e não tão obviamente não sou descendente de libaneses. Mas vivi minha infância e parte da adolescência numa cidade pequena e com muitas famílias de libaneses.
Convivi muito com esse pessoal e sempre gostei muito dele, eram pessoas geralmente boas e muito integradas à nossa brasilidade. Não são menos brasileiros do que nenhum de nós. Vários desses descendentes de imigrantes se misturaram com a minha família, por casamento, e tenho sobrinhos, primos, tia, um cunhado (já falecido) e uma cunhada descendentes de libaneses. Ah, e trabalhei numa “loja de turco”, na verdade de libanês de uma generosidade enorme.
O personagem principal é um homossexual (epa! Dei o que chamam de “spoiler” hoje em dia). Pelos defensores do “lugar de fala”, só pode tratar de um determinado assunto quem faz parte dele, e no caso eu não faço.
Ora... Há uns vinte anos, publiquei pela editora Expressão Popular um pequeno livro sobre Luiz Gama, ex-escravo e libertador de muitos escravizados, e não sou negro também. Na época, quase não se falava dele, pouca gente sabia da história desse que deveria estar no panteão dos heróis nacionais. Se fosse hoje, provavelmente seria muito criticado por ter escrito esse livro, “não tenho lugar de fala”. Como é que um branquelo se dá ao direito de se colocar como autor de um livro militante da causa antiescravista?
E em todos os livros infantis que publiquei envolvendo questões ambientais, defesa do meio ambiente e especialmente da água, tasquei neles indígenas como personagens imprescindíveis nessa luta.
Pelo menos comprovadamente não sou descendente de negros nem de indígenas, embora “suspeite” e queira (daria vivas se pudesse comprovar) que tenho ancestrais por parte de pai provenientes do Quilombo do Ambrósio, que foi enorme e muito importante em Minas Gerais, e nele havia negros, indígenas e descendentes de europeus levados pelas bandeiras e que se integraram ao quilombo.
Então, apesar da cor da pele, acho que tenho um pouquinho de sangue dos negros e dos indígenas do Quilombo do Ambrósio. Mas se não tiver, quando dizem que não sou afrodescendente, por exemplo, digo que sou eurodescendente de coração cafuso. Sim, meu coração é uma mistura de negros e indígenas. Ou minha alma seria cafusa, se fosse fazer uma versão espiritual de minha pretensão.
É claro que quem tem determinadas característica, seja de etnia ou qualquer outra, sabe muito melhor do que quem não sentiu na pele o que é ser assim. Mas por que não podemos entender isso e nos unirmos todos? Quer dizer, todos os que não concordam com o racismo, os preconceitos e outras desgraças?
Já trabalhei em favelas e me identifiquei com os seus moradores, escrevi sobre “loucos”, com respeito a eles e até me identificando um pouco com eles (tive meningite e fui considerado meio louco por muito tempo – e acho que continuou sendo); e também sobre mendigos, migrantes, prostitutas etc. etc. etc. Não sendo nada disso, não poderia me identificar com eles?
Já ocorreram coisas muito bestas em relação a isso, como uma branca com cabelo afro ser hostilizada por uma moça que dizia que ela não tinha o direito de usar tal cabelo. Absurdo. Do meu ponto de vista, usar elementos de uma determinada cultura como forma de ser simpatizante dela, até de militante, devia ser estimulada. Pessoas que se opõem a isso são isolacionistas, contrárias à junção de forças, à integração. Se todas as pessoas que não são iguais devem ser vistas como inimigas, tô fora. É preciso que nos unamos para melhorar o mundo. Hostilizar os não iguais que se aproximam de nós é não querer resolver coisa nenhuma, é prosseguir no racismo (no caso) e impedir que o mundo se torne mais igualitário.
Outra coisa: brincar com esses temas? Não é obrigatório fazer pose ritualística para tratar disso. Tratei de tudo com um certo humor, característica que procuro manter em todos os livros que escrevi. Como disse o diagramador, o livro é divertido, nem por isso desrespeitoso.
Enfim, voltando ao “lugar de fala”: será que para escrever sobre Joaquim Silvério dos Reis e outros traidores, o sujeito precisa ser também um traidor? Só alguém de uma determinada religião pode debater sobre ela? Só fascistas podem falar sobre o fascismo e seus sucedâneos que ameaçam o Brasil e o mundo? E pensando em algo mais positivo, só heróis podem falar de outros heróis? Só mulheres podem tratar de temas femininos? Só homossexuais podem ter homossexuais como personagens de um livro?
Não pensem que trato desses assuntos com preconceito. Antes de decidir publicar o romance “Naim”, passei os originais a amigos. Descendentes de libaneses se disseram até emocionados lembrando de sua infância entre imigrantes e seus filhos. Sobre os homossexuais, os que leram os originais não viram nada de “anormal” no livro. Os fanáticos podem achar que há cenas que não deveriam ser descritas, mas seja sobre qual assunto for, e quem forem personagens, ninguém é perfeito, a não ser que o autor seja fanático, repito, e, como uns e outros que gostam de tabus, só finjam ver em seus semelhantes um comportamento de santos (epa! Muitos fanáticos não acreditam em santos, embora vejam nos seus líderes uma santidade que não têm).
Ah... Uma explicação necessária: ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO. Depois que publiquei no Facebook uma fala sobre o livro, contando de personagens reais que conheci e me inspiraram um pouco, teve gente que me perguntou se é uma biografia do Naim e já ficou imaginando quem são as personagens do livro. O Fulano está nele? E a Beltrana? Previno: não é nada disso, não há personagens reais. Claro que usei lembranças pegas aqui e ali, de uma ou outra pessoa, mas cada personagem contém uma soma de histórias que podem ter acontecido com diversas pessoas e ainda por cima tem coisas que não aconteceram com ninguém, ou aconteceram com pessoas que não têm nada a ver com a história. Então, que ninguém se coloque como retratado nesta obra.
Finalmente, que leiam o livro, e critiquem sem dó. Mas sem preconceitos e sem procurar pelo em ovo, por favor.
E quem quiser comprar pelo preço de pré-venda, tem até o dia 15 (só receberá o livro em julho, previne a MPR Edições).
Serviço: pré-venda do livro a R$ 49,00 (já inclui a taxa de postagem). Chave Pix CPF 050271466-20 em nome de Marcelo Pereira Rodrigues. Após o pagamento, enviar comprovante + o endereço completo para o e-mail oagenteliterario@gmail.com ou o WhatsApp (31) 98569-3602.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.