As torcidas organizadas Galoucura, do Atlético-MG, e Máfia Azul, do Cruzeiro, foram temporariamente banidas dos estádios mineiros pelo Ministério Público de Minas Gerais nesta segunda-feira (4). A decisão foi motivada por uma briga que ocorreu no último sábado (2) e que deixou um jovem cruzeirense morto.
A briga aconteceu no bairro do Barreiro, bem longe do estádio. A vítima foi socorrida mas não resistiu aos ferimentos. De acordo com a PM, outros torcedores do Cruzeiro também foram baleados e dois suspeitos pela briga foram detidos em posse de arma de fogo.
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A Galoucura, que voltava de uma suspensão de um ano, ficará novamente suspensa até 4 de março de 2026. Já a Máfia, que já cumpria suspensão, terá o gancho estendido até 15 de março de 2028. Ambas estão proibidas de se acercar dos estádios, em dias de jogos, num raio de 5 quilômetros. Também estão proibidas de frequentar as próprias sedes em dias de jogos sob pena de pagarem de R$ 50 mil pelo descumprimento.
“Está proibido o uso, porte e exibição de qualquer vestimenta, faixa, bandeira, instrumento musical ou qualquer objeto que possa caracterizar a presença da torcida nos estádios ou seus respectivos entornos em dias de jogos”, diz a nota do MP que estabeleceu a medida.
Para valer o banimento, a Federação Mineira de Futebol ainda precisa ratificar a decisão e publicá-la tanto no seu site, como no da CBF. A suspensão foi recomendada pelo promotor Fernando Ferreira Abreu, do Procon-MG, que ainda pediu a criação de um cadastro nacional de torcedores impedidos de frequentar estádios.
É uma triste história que se repete. Mais uma briga entre torcidas rivais, mais uma morte de um jovem torcedor brasileiro e, para piorar, mais uma reação estapafúrdia das autoridades que já têm em mãos experiências práticas suficientes para saber que uma punição coletiva não irá resolver a situação.
Em longo artigo a respeito da cobertura midiática do assassinato da torcedora Gabriella Anelli, do Palmeiras, publicada em julho do último ano, descrevemos em detalhes como se deu semelhante processo em São Paulo a partir da chamada “Batalha do Pacaembu”, ocorrida em 1995, que deixou um torcedor são-paulino morto. Não tinha sido a primeira morte em brigas de torcidas, mas foi a primeira que o poder público reagiu com o banimento das entidades.
O efeito foi o pior possível: descentralizou o próprio comando das torcidas, que à época cresciam para além do caráter de agremiações torcedoras ou de ‘agrupamento de brigões’ para oferecer até mesmo plano de saúde aos seus associados. Essa descentralização, acompanhada da descaracterização das entidades, teve um efeito inverso. Ao invés de encerrar a violência, a espalhou. A partir daquele ponto, qualquer grupo de jovens passou a praticar emboscadas e brigar nas ruas de São Paulo em nome das torcidas, sem usarem os adereços e agindo por conta própria, sem o respaldo oficial da entidade. O respaldo viria de forma informal, nas rodas de conversas com outros "linhas de frente".
O próprio Fernando Capez, promotor da proibição de então, reconheceu que a punição coletiva foi um fracasso. E nesse contexto, tanto as punições coletivas, como a própria violência entre torcedores aumentaram em São Paulo com o passar dos anos, produzindo incontáveis episódios trágicos. Hoje a violência não diminuiu, pelo contrário, está mais sofisticada, e a festa foi embora. Além do advento das torcidas únicas, que excluem qualquer convivência com o contraditório dentro das arquibancadas, também é visto um processo de elitização das novas arenas que as torna verdadeiras "geladeiras", para usar o jargão torcedor.
Dessa vez, o promotor e o MP mineiros parecem seguir pelo mesmo caminho. Recapitulando os fatos, as PM prendeu dois dos envolvidos. E mesmo que não tivesse prendido, abundam nas redes sociais imagens da briga. A Polícia Civil pode verificar câmeras de segurança da região, imagens publicadas nas redes e interrogar os detidos, além de realizar diligências junto às próprias torcidas organizadas para identificar os autores e individualizar suas condutas. Mas não, o importante é o espetáculo midiático e a punição das entidades.
Como também explicamos no artigo supracitado, as torcidas organizadas não são entidades voltadas à violência. Membros delas podem praticar e se envolver em brigas de maior ou menor nível trágico. No entanto, não são entidades bélicas e nos seus quadros a maioria dos associados sequer participam de brigas. Esse triste protagonismo fica a cargo de maneira bastante informal, inclusive, dos chamados “pista” ou “linha de frente”, que raramente agem a mando das diretorias.
Na prática, a punição às torcidas organizadas está punindo não apenas a violência, mas também a festa e as ações sociais que são tocadas pelos membros não violentos das entidades. Mais uma vez tenta-se resolver um problema que se arrasta a décadas com medidas que cabem muito bem nas efêmeras manchetes da imprensa, mas que pouca ou nenhuma solução real poderão trazer em relação ao problema.
Mas há quem aplauda, afinal de contas, as Torcidas Organizadas, assim como tudo o que vem da juventude trabalhadora e periférica sem se enquadrar nas expectativas comportamentais e políticas, serão "antros de marginais”. Na cabeça de gente dessa estirpe, excluí-las dos estádios realmente fará de Minas Gerais uma terra de paz e prosperidade. Enquanto isso, o maior crime ambiental da história do Brasil, praticado no mesmo Estado, segue sem qualquer punição. Será que as mineradoras também serão suspensas das minas? Difícil.
Caminhos para se pensar no problema
Para o pesquisador Bernardo Buarque de Hollanda, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, do departamento de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), não existe uma fórmula pronta para resolver um problema complexo como esse. Entretanto, começar a pensar soluções a partir de pontos de vista distintos do convencional, como fizeram os alemães, pode apontar um caminho.
“A situação vai ficando cada vez mais complexa e não existe uma solução que vá resolver a todos os problemas. Temos que levar essa complexidade a sério se quisermos encontrar uma maneira de lidar com essa questão, o que envolve articular as dimensões estrutural e conjuntural, repressiva e preventiva. Nesse sentido, delegar à Polícia Militar ou ao Ministério Público a resolução desse problema é uma solução cômoda, e basta ver como a polícia se comporta com bombas de gás lacrimogêneo e agressões, simplesmente dispersando a tudo e a todos que encontra pela frente ao sinal de alguma confusão. Não há um pensamento, uma ação coordenada, inteligente e preventiva por trás, que antecipe, previna, ou que crie diálogo. Nada. Além disso, é preciso combinar esse novo modus operandi com reeducação, o que ainda é tratado como um horizonte utópico devido às rivalidades futebolísticas. O ponto é que nada vai se resolver chamando a polícia, por isso que gosto de trazer à luz o exemplo alemão, onde se valorizou outras áreas para tratar a questão, como o serviço social e todo um conjunto de atores que não se restringe somente a polícia e torcida”, avaliou.
Bernardo Buarque de Hollanda então apontou que do ponto de vista geral existem basicamente dois tipos de atuação das autoridades. Uma mais punitiva, como vimos na Inglaterra após o desastre de Hillsborough em 1989, que deixou uma centena de torcedores do Liverpool mortos e que assim como no Brasil também acompanhou mudanças de infraestrutura nos estádios; e outro modelo, adotado na Alemanha, onde buscou-se preservar as associações de torcedores, desenvolvendo em paralelo um programa de resolução de conflitos entre os grupos.
“Quando vemos, por exemplo a ‘muralha amarela’ do Borussia Dortmund, sabemos que por trás dela existe uma concepção de que é necessária a continuidade da presença da torcida com seu aspecto efervescente e multicolorido nos estádios, inclusive para se contrapor a uma torcida que se dedica meramente ao confronto. Já o modelo Inglês, que foi o mais adotado, e que é mais fácil de ser adotado, é justamente o de criar mais restrições, punições, fazer doer na carne do clube a penalização, corresponsabilizá-lo, e assim por diante. Adotou-se essa segunda estratégia no Brasil. São medidas normativas gerais, que você aborda valendo para todos, e, como diria o mestre Maurício Murad, ‘quem pune a todos, não pune ninguém’”, afirma o pesquisador.
Em outras palavras, pensando no Palmeiras e Flamengo como exemplo, a solução não passa pela criação de uma mentirosa e inatingível “cultura de paz” em que palmeirenses e flamenguistas, rivais interestaduais históricos, entrem aos beijos e abraços nos estádios. Mas é, sim, possível, focar no aspecto lúdico e de paixão das torcidas, para desencorajar os grupos violentos, além de fazer um trabalho de prevenção também com o torcedor comum que evite os pequenos e descentralizados conflitos, como o que matou Gabriela.
Além disso, é importante que se pare de olhar para o jovem pobre como um mero baderneiro – que fica na porta do estádio “para arrumar briga” – e, no caso das pessoas que querem assistir aos jogos perto do estádio, dar-lhes segurança independente de serem organizadas ou não. No mundo real, inclusive, torcedores comuns e organizados também se misturam, mas aparentemente nossos deformadores de opinião não estão preparados para esse debate. É realmente medieval a forma como o tema é tratado por essas bandas.