DESCRIMINALIZAÇÃO

Aborto: Se é legal tem que ser real – Por Monica Benicio

Precisamos parar de tratar o aborto como uma pauta moral, usada ideologicamente pela extrema direita para inflamar conservadores e gerar pânico coletivo

Manifestação pelo aborto legal.Créditos: Bel Palmeira
Escrito en OPINIÃO el

A América Latina tem vivido uma onda verde pela vida das mulheres e de todas as pessoas que gestam. Nos últimos anos acompanhamos as grandes mobilizações que levaram à descriminalização do aborto na Argentina e, mais recentemente, no México.

No Brasil, também estamos vivendo um marco importante desta luta histórica dos movimentos feministas pelos direitos sexuais e reprodutivos. O Supremo Tribunal Federal, finalmente, retomou o julgamento da ADPF 442, proposta pelo PSOL e pelo Instituto de Bioética Anis em 2017, para decidir se o aborto deve permanecer ou não no Código Penal, o que pode resultar em avanços na luta pela descriminalização do aborto no país até a 12ª semana de gestação. O tema precisa ser tratado como uma questão de saúde pública, autonomia das mulheres e justiça reprodutiva.

Antes de se aposentar, a ministra Rosa Weber, relatora da ação, votou a favor do direito ao aborto, deixando um legado histórico no STF. O voto sensível e qualificado da ministra mostra como é fundamental ter uma Suprema Corte ocupada cada vez mais por mulheres, mulheres negras, progressistas e antirracistas. As decisões sobre nossas vidas não podem ficar a cargo dos homens. Precisamos assegurar o direito de escolha sobre nossos próprios corpos. Agora, o julgamento seguirá para o plenário físico, a pedido do ministro Luís Roberto Barroso. Com isso, a sociedade poderá acompanhar o tema mais de perto e saber como cada ministro se posicionará. 

Seguiremos acompanhando atentas e mobilizadas pela legalização do aborto e na resistência contra os retrocessos. Todas testemunhamos nos últimos anos o sucateamento dos serviços de aborto legal e os obstáculos enfrentados por meninas e mulheres para acessarem este direito.

O aborto é permitido por lei em casos de gravidez decorrente de estupro e risco de morte materna desde 1940 e, em casos de anencefalia, desde 2012. Mas, na prática, muitas mulheres não conseguem o atendimento básico na rede pública de saúde ou nem mesmo possuem a informação sobre esse direito. 

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, no país, 57,9% das vítimas de estupro têm até 13 anos. O perfil de quem aborta é predominantemente de mulheres negras, menores de 14 anos e moradoras de periferia.

A realidade brasileira é de meninas e adolescentes estupradas e vítimas de pedofilia que, por conta do estigma gerado pela criminalização do aborto, não conseguem acessar esse direito que é garantido por lei, ou pelo menos deveria. 

Precisamos parar de tratar o aborto como uma pauta moral, usada ideologicamente pela extrema direita para inflamar conservadores e gerar pânico coletivo, e começar a ver a questão pela ótica da saúde pública e do social. A criminalização do aborto não impede que mulheres e pessoas com capacidade reprodutiva realizem o procedimento. É uma hipocrisia achar que a prática vai cessar porque é proibida. Pessoas precisam abortar por diversos motivos e não podemos simplesmente fingir que essa realidade não existe na sociedade. Legal ou ilegal o aborto é uma realidade. A diferença é que mulheres brancas e com poder aquisitivo terão acesso ao aborto seguro porque podem pagar. E as mulheres pobres, em sua maioria negras, terão mais chances de morrer em clínicas clandestinas, que mais parecem açougues, porque elas têm dificuldade de acessar o direito na rede pública de saúde e não podem pagar. Portanto, recorte de raça e classe dita quais são os corpos que vão morrer e quais merecem viver.

Aqui no Rio de Janeiro nossa mandata desarquivou o projeto de lei 16/2017, de autoria da vereadora Marielle Franco, que cria o Programa de Atenção Humanizada ao Aborto Legal na cidade. Este PL visa garantir a efetividade do aborto legal na rede de assistência obstétrica do município, prezando pelo acolhimento, orientação e atendimento nos casos já permitidos por lei. Ou seja, queremos que a cidade do Rio cumpra aquilo que é direito garantido para as mulheres pelo Código Penal. A campanha trabalhada desde o mandato da Marielle é  #SeÉLegalTemQueSerReal. 

Todas essas movimentações acontecem às vésperas do 28 de setembro, Dia Mundial de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto. Há, no país inteiro, uma intensa mobilização de organizações feministas e movimentos sociais para pressionar por avanços. Atos, manifestações e passeatas vão marcar a data em várias capitais. No dia 28/09, no Rio, a tenda da Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres da Câmara, presidida por mim, estará no Buraco do Lume fazendo atendimentos das 11h às 15h, dando orientações, tirando dúvidas sobre o aborto legal e, principalmente, conscientizando a população de que esse direito existe e como ter acesso. A partir das 17h nos juntaremos ao ato político cultural convocado pela Frente contra a criminalização das mulheres e pela legalização do aborto, no Buraco do Lume.

A mobilização pela garantia do aborto legal e pela descriminalização do aborto no país é uma luta pelos direitos humanos das mulheres e de todas as pessoas com capacidade de gestar. A força das mulheres nos trouxe até aqui, e é ela que nos levará adiante. Esperamos todas nesta onda verde pelas nossas vidas! O corpo é nosso. É nossa escolha. É pela vida das mulheres. Nem presas, nem mortas. Vivas e autônomas!

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.