RITA LEE

Rita Lee desbancou os machos mutantes com sua música feita de festa

A ciranda de minha irmã e suas amigas na sala de casa, ao som de “Lança Perfume”, nos ensina até hoje; ela foi a nossa mais completa tradução do feminino

Foto da capa do LP Fruto Proibido, de Rita Lee.Créditos: Divulgação
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Minha irmã ouvia Rita Lee o dia todo. Todos em casa sabíamos as letras do álbum “Fruto Proibido” de cor, graças a ela, que junto com suas amigas, ouviam e cantavam as letras aos brados, em uma felicidade coletiva enorme.

Óbvio que aquela confraria feminina reunida em torno da cantora provocava ciumeira e um certo escárnio descabido tanto em mim quanto em meus amigos, todos adeptos do então nascente heavy metal, coroado desde então pelo mundo dos machos.

Aquele grito de libertação, ainda que incompreensível a todos nós, estava ali, latente, e incomodava profundamente a nós todos, garotos donos da rua, da casa e do equipamento de som.

"Tem que ter culhão"

Por outro lado, ouço uma entrevista em que Rita Lee dizia ficar perturbada a cada vez que ouvia a frase: “pra fazer rock and roll tem que ter culhão”. Décadas depois, nós todos, garotos de então, temos que engolir uma única verdade que virou absoluta nessa história toda, não há um rei do rock tupiniquim, mas sim uma única rainha.

E ela repetiu triunfal, décadas depois, do alto do título de ser a mulher que mais vendeu discos no Brasil em todos os tempos que, “pra fazer rock and roll tem que ter ovários”.

Esse processo que explodia entre minha irmã, suas amigas e praticamente todas as meninas do Brasil de então, tinha nome e sobrenome e ia muito além de ser a rainha do rock, do jazz ou qualquer outro gênero musical. Era, sim, um grito de libertação que se dava em combustão espontânea sem quase ninguém perceber.

Não tenho “lugar de fala” sobre esse assunto. Apenas me limito a fazer um mea culpa, em meu nome e talvez no de alguns poucos amigos. Estávamos sim no meio daquele coral ridículo dos culhões do rock and roll. E demos todos com os burros n’água, brochados pelos fatos.

A música de Rita Lee era (e e ainda) um farol que iluminava o que viria a estar posto. As mulheres não só nunca mais seriam as mesmas, como virariam o planeta do avesso, para desespero dos varões empedernidos.

A ciranda de minha irmã e suas amigas na sala de casa, ao som de “Lança Perfume” e tantas outras canções absolutamente estranhas ao nosso universo de moleques de rua, nos ensina até hoje.

Rita Lee não foi apenas a mais completa tradução de São Paulo, como cita de maneira magistral Caetano Veloso em “Sampa”. Ela foi a nossa mais completa tradução do feminino, com suas múltiplas facetas.