ETARISMO

Etarismo: considerações sobre preconceito contra a velhice de quem começa a tomar pé do assunto

Tenho 61, Lula 76, Chico Buarque vai fazer 80; temos em comum a sede pela vida e o anseio pelo futuro

Lula.Créditos: Ricardo Stuckert
Escrito en OPINIÃO el

A história é antiga, mas vale à pena. O ator Paulo Gracindo, já com os cabelos e a barba bem brancos, se sentou na cadeira do maquiador da Rede Globo e pediu: “me faz um velho, por favor”. A frase, é óbvio, provocou risos de todos os que estavam no local.

Gracindo, no entanto, como bem dizia meu pai, estava certo. Quem chega a uma certa idade, como este que vos escreve, que está com 61 anos, não percebe o tempo. Claro que uma dor aqui e outra ali, a resistência física mais baixa entre outras mazelas sempre se impõem. Mas, na essência, permanecemos os mesmos.

O estalo para pensar nessas coisas se deu ao ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na favela de Heliópolis, em São Paulo, cortejado pela garotada com óculos escuros espelhados azuis, um baita sorriso no rosto, apaixonado feito um menino pronto pra casar. E isso tudo com 76 anos!

Lula e Aécio

Esses dias falamos por aqui do deputado federal Aécio Neves que, com 62 anos, espantou a internet com uma aparência envelhecida. Os dois, no entanto, ele e Lula, sofreram e muito nos últimos anos. Aécio, por um lado, foi acusado de corrupção, pilhado em um vídeo em que discutia quanto receberia ou não das mãos do empresário Joesley Batista, derreteu politicamente e foi, de candidato à presidência competitivo a um apagado deputado.

Lula, pelo outro, ficou preso mais de 500 dias, perdeu esposa, seu irmão Vavá e, a pior de todas as desgraças, o neto. Nada disso o abateu. Provou sua inocência, deixou a cadeia e está por aí, desafiando o tempo e pronto pra mudar, mais uma vez, o Brasil. Muitas vari[aveis agem sobre nossas vidas.

Nariz de cera

Todo esse palavrório, que não chega a ser um nariz de cera – expressão jornalística pra definir uma certa embromação no começo do texto – é pra falar em etarismo.

Entre muitas das disputas que se travam no campo democrático, estão a luta contra o machismo, a homofobia, o racismo e mais, temos o etarismo, que nada mais é do que preconceito contra pessoas de idade. De uma certa idade, enfim, que começa com 50 anos, como se pode ver abaixo, e segue adiante, se tornando, assim com o peso dos anos, cada vez pior.

OMS entrou na dança

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), pesquisa feita com 80 mil pessoas em 57 países aponta que, no Brasil o etarismo começa até mesmo antes das pessoas chegarem à terceira idade: 16,8% dos brasileiros com mais de 50 anos já se sentiram vítima de algum tipo de discriminação por estarem envelhecendo.

E como se manifesta o etarismo? São atitudes e ações que dificultam a aceitação e acentuam a negação da velhice. A discriminação por idade é mais forte em sistemas onde a sociedade aceita a desigualdade social, afirma Vania Herédia, presidente do departamento de gerontologia da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia).

Assim como qualquer outro preconceito, o etarismo pode ser velado e também explícito. O idoso costuma ouvir comentários desagradáveis, como se fossem "brincadeiras" sobre o envelhecimento, ou sente que não foi chamado para uma entrevista de emprego por causa da idade.

São extremamente comuns frases como: “você não tem mais idade pra isso”; “você não deve ir a lugares desse tipo”; “você está ficando gagá” e por ai vai.

De acordo com especialistas, esse tipo de exclusao afeta a saúde mental. As pessoas mais velhas recebem continuamente sinais de não aceitação, desprezo, falta de respeito, agressões e humilhações —simplesmente pelo fato de terem envelhecido.

"O etarismo contribui para a baixa autoestima, sentimentos de desamparo, menos valia e leva ao isolamento. O idoso pode ter mais depressão também ao ser discriminado. É uma forma de negar a velhice e os idosos são vistos como a perda do vigor físico e a beleza da juventude", afirma Juliana Yokomizo, psicóloga do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Pesquisas realizadas em todo o mundo apontam que idosos que sofrem preconceito estão mais suscetíveis às doenças crônicas como as cardiovasculares, artrites, além de acelerar o declínio cognitivo, aumentando o risco de demências.

Combate ao etarismo

O assunto é longo e rende muitas discussões e, assim como todos os outros preconceitos apontados acima, o etarismo precisa ser combatido. É importante, em um primeiro momento, perceber que o etarismo é um problema típico do sistema capitalista, em que a pessoa idosa não produz mais e, portanto, se torna “inútil” sob a ótica do regime e de quem o defende.

Abandonar o idoso é crime, da mesma forma que abandonar uma criança. A construção de uma sociedade justa parte do princípio da inclusão de todos, sem exceção. A conversa está apenas começando em várias partes do mundo. Os “velhos” de hoje já nos parecem bem mais jovens do que nossos antepassados.

Tudo evolui para que tenhamos uma vida cada vez mais ampla, longa e saudável por mais tempo. Vários dos nossos grandes ídolos, como os Beatles e os Rolling Stones sobreviventes, Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso estão às voltas com os oitenta anos produzindo e encantando.

Estamos muito próximos de eleger um senhor que, como ele mesmo diz, apesar de seus 76 anos, tem 30 anos de energia e 20 anos de tesão. Vamos então com Lula e com todos. Pois, como dizia Dona Canô, do alto de sua sabedoria centenária, “quem não morre, envelhece”.

E isso é, sobretudo, um ponto em comum a todos os que tiverem da vida o prêmio de sobreviver por mais tempo.

Este artigo tem informações do UOL