Semana passada circulou pela internet e pela imprensa um vídeo que me chamou bastante a atenção. Jair Bolsonaro, abatido e debilitado, caminha pelos corredores do hospital DF Star, em Brasília. Porém, o personagem principal do enquadramento não é, exatamente, o ex-presidente, mas sim sua esposa, que sorridente e jovial o ampara. Essa imagem simboliza um outro momento na história da extrema direita brasileira. Acredito não ser exagerado dizer que estamos vendo o surgimento da segunda geração do bolsonarismo, pois é cada vez mais evidente que Jair Bolsonaro não será candidato em 2026, e não apenas pelas dificuldades que enfrenta na justiça. Desde setembro de 2018, ele sofre também com problemas de saúde em decorrência do atentado de que foi vítima em Juiz de Fora (MG). Aparentemente, o estado clínico de Bolsonaro está piorando com o tempo, o que nos permite ter dúvidas a respeito de sua longevidade.
E um patrimônio eleitoral de aproximadamente 60 milhões de votos, obviamente, é algo para lá de relevante e não falta gente disposta a reivindicar a condição de herdeiro, ou herdeira. Eduardo fugiu para os EUA, sob os protestos do pai e do seu partido político, segundo rumores de bastidor. A descompatibilização de Tarcísio de Freitas do governo de São Paulo, diante de uma jornada de reeleição que parece lhe ser bastante favorável, seria uma operação complexa e arriscada. Ronaldo Caiado é um quadro tradicional da direita brasileira, e sempre buscará ter existência própria, como ficou evidente no ano passado, durante as eleições municipais em Goiânia. Zema e Ratinho JR estão distantes do núcleo duro do Bolsonarismo. É nesse contexto que o nome de Michelle Bolsonaro ganha relevância, e não apenas pelas dificuldades enfrentadas pelos outros candidatos, mas também por seus próprios predicados, e aqui podemos retomar o tal vídeo no hospital em Brasília.
Essa última internação de Jair Bolsonaro, que começou no dia 12 de abril em Natal (RN), foi marcada pelo protagonismo de Michelle. A ex-primeira-dama escolheu o médico para a cirurgia, organizou o roteiro das visitas e apareceu em público amparando o marido fragilizado. Assim, Michelle tenta reforçar a imagem da mulher que sem empodera cuidando e protegendo a família, confrontando uma das principais teses do movimento feminista, segundo a qual o trabalho doméstico é parte da opressão perpetrada pelo patriarcado. Em diversos momentos, Michelle já entrou em campo para atenuar a rejeição das mulheres ao seu marido, como aconteceu nas eleições presidenciais de 2022. Poderíamos lembrar, também, a forma como ela roubou a cena na cerimônia de posse, em janeiro de 2019, traduzindo o discurso do presidente para a Língua Brasileira de Sinais, a LIBRAS. Michelle mostrou ter faro político quando atuou junto ao deputado Sóstenes Cavalcanti (PL/RJ), autor do "PL do aborto", para alterar o texto no sentido de não punir as mulheres envolvidas em procedimentos de interrupção de gravidez. O parlamentar acatou a sugestão.
Michelle Bolsonaro representa, portanto, a tentativa da extrema direita brasileira em diversificar sua base social, disputando o imaginário das mulheres, sobretudo as evangélicas e pobres. Esse movimento rumo à diversidade pode ser percebido em diversos países do mundo, onde partidos políticos e movimentos de extrema direita estão acenando para o público feminino, por entender que reside nesse segmento um empecilho eleitoral que precisa ser contornado. Na Espanha e em Portugal, respectivamente, o VOX e o Chega incorporaram ao seu discurso anti-imigração o argumento de que o Islã oprime e subjuga as mulheres. Algo semelhante está sendo feito por Giorgia Meloni na Itália, que também abriu guerra contra o mercado das barrigas de aluguel, mobilizando, justamente, a defesa da maternidade. Meloni, hoje, é a liderança política mais bem avaliada na Europa ocidental, a “locomotiva da direita radical europeia”, como formulou Julia Braum em texto publicado na BBC.
André Ventura, líder do Chega, constantemente fala em “objetificação” para dizer que os imigrantes muçulmanos representam um risco às liberdades sexuais e comportamentais das mulheres portuguesas. Na frente da sede do VOX, em Madrid, é possível encontrar um outdoor enorme onde são colocadas lado a lado uma mulher muçulmana, vestindo burca, e uma jovem mulher espanhola, sorridente, com roupas ocidentais e mostrando partes do corpo. Em letras garrafais está escrito: “¿Qué España prefiere?”.
Michelle Bolsonaro parece cair como uma luva nessa reorientação de rota que vem pautando os movimentos mais recentes da extrema direita contemporânea. Obviamente, ainda é muito cedo para saber sua real capacidade em liderar o bolsonarismo numa jornada eleitoral, tendo que conviver com a superexposição, enfrentando um adversário tão forte como o presidente Lula, que coleciona declarações consideradas problemáticas em relação às mulheres e ainda tem a seu desfavor a impopularidade de Janja da Silva. De todo modo, subestimar Michelle não parece ser boa ideia.
No Brasil e no mundo, a extrema direita, cada vez mais, também vestirá saias.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.