Na última década, os chamados “outsiders” na política brasileira foram muitos. A imensa maioria conseguiu apenas orbitar em torno de figuras mais relevantes, conquistando cargos parlamentares, enquanto alguns atingiram protagonismo significativo. João Doria é um dos exemplos, embora hoje esteja fora da vida pública. Já Jair Bolsonaro (PL) é o caso de maior sucesso. O Brasil assistiu à ascensão explosiva do militar medíocre e indisciplinado, assim como deputado bizarro, que agora “rege” praticamente metade do eleitorado nacional, uma horda de lunáticos e desajustados que o vê como um deus, tornando-o o ponto máximo da liderança da extrema direita no Brasil.
Até alguns meses atrás, o coach caricato Pablo Marçal (PRTB), um sujeito com forte apelo nas redes sociais, onde propaga conteúdo fuleiro de autoajuda, que já foi condenado a quatro anos e cinco meses de cadeia por integrar uma quadrilha de fraude a bancos, parecia ser apenas mais um desses seres grotescos que almejam uma vaguinha em algum cargo político. Já tinha tentado ser candidato à Presidência em 2022, mas passou praticamente em branco na empreitada, não fosse pela ligeira fama de trambiqueiro que já tinha à época. Agora, resolveu investir mais forte e ir até o fim como candidato à Prefeitura de São Paulo, embora seja goiano e nunca tenha morado na capital paulista.
Te podría interesar
Pulando algumas páginas de sua trajetória recente na briga para se cacifar como postulante ao Executivo da maior metrópole do país, o que vemos agora é Marçal em segundo lugar, deixando o prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato oficial de Bolsonaro e do bolsonarismo, para trás e colando na traseira de Guilherme Boulos (PSOL), o candidato da esquerda e do presidente Lula (PT), que lidera a corrida. Mas como isso ocorreu?
Marçal é uma figura histriônica e repugnante. Culpa uma adversária pelo suicídio do pai, chama outro oponente de “cheirador de cocaína” sem ter qualquer razão ou motivo para isso, diz que vai revogar o ensino da teoria da evolução das espécies das escolas municipais paulistanas, que implantará teleféricos para transportar milhões de cidadãos diariamente, e que usará drones para perseguir ladrões pelas ruas de São Paulo. Um amontoado de canalhices e de bobagens. Com isso, a exemplo de Bolsonaro, ele conseguiu protagonismo e conquistou as mentes e corações dos eternos adultos disfuncionais que compõem grande parte do eleitorado e que vivem em busca de um salvador extravagante.
Te podría interesar
No entanto, o que está gerando um terremoto na atmosfera política brasileira não é esse avanço e protagonismo conquistados com a já batida fórmula do esdrúxulo que rende votos. Uma pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta (22), justamente a que mostra Marçal na vice-liderança, expõe outros fatos, estes sim muito mais relevantes: um racha profundo na extrema direita, uma erosão no bolsonarismo e um possível destronamento de Jair Bolsonaro como deus supremo dos fundamentalistas reacionários brasileiros, algo até pouquíssimo tempo impensável.
A sondagem do Datafolha revelou que entre os eleitores de Bolsonaro, que deveriam votar em Ricardo Nunes por ordem do líder-mor, 44% vão optar por Marçal, enquanto apenas 30% escolherão o atual prefeito, como quer o chefe. Já entre os seguidores fanáticos do também bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), que é governador de São Paulo, o fato se repete: 41% desses eleitores querem Marçal no Palácio do Anhangabaú, ao passo que só 28% irão votar em Nunes para um novo mandato. O drama se intensifica ainda mais quando olhamos para os cidadãos de São Paulo que se declaram oficialmente ‘bolsonaristas’.
Entre eles, 46% afirmaram ao Datafolha que votarão no coach forasteiro condenado, contra 28% que optarão por Nunes. Na prática, são ‘bolsonaristas’ que vão desobedecer abertamente às ordens de Bolsonaro na hora de escolher o prefeito paulistano. Ou seja, Marçal enfraqueceu de forma inequívoca o poder do líder da extrema direita nacional, acostumado a dar as coordenadas e ver o seu “gado” segui-las bovinamente.
Tal fato ficou mais do que comprovado com os últimos acontecimentos nos ambientes político e digital. Bolsonaro vem desesperadamente ordenando a seus eleitores que deixem de apoiar Marçal e entrem imediatamente no barco de Nunes, mas a imensa maioria parece ignorá-lo. Para piorar, o coach tem feito postagens insultando o ex-presidente e seus filhos e, para surpresa de todos, os defensores de tais agressões na extrema direita se avolumam nas caixas de comentários para brigar ao lado do candidato do PRTB, entrando em confronto com os rebentos do líder máximo da seita. Marçal conseguiu o que parecia impossível, que é fazer uma fatia imensa do bolsonarismo se voltar contra Bolsonaro e seus filhos.
Nas redes, Pablo Marçal usa das táticas de guerrilha que levaram Bolsonaro ao estrelato, mas o alvo é o próprio ex-presidente e os demais integrantes do clã. Acostumados sempre a atacar com escatologias seus adversários, eles não conseguem reagir aos deboches e às bobajadas do coach-candidato, que ri e os deixa nitidamente irritados e bufando de ódio. Acredite, usando o bolsonarismo em seu estado bruto, Marçal corrói o bolsonarismo, irrita os bolsonaristas e o próprio Bolsonaro, fazendo-o perder força, poder e protagonismo.
É claro que ainda é muito cedo para afirmar que tal situação seguirá ocorrendo ou se agravará. Entretanto, um fato é certo: há alguém que já está minando o fenômeno do bolsonarismo, o consumindo por dentro, e tirando forças da maior liderança extremista surgida no Brasil nas últimas décadas. Se Marçal triunfar e conseguir proeminência política em nível nacional, o que seria perfeitamente possível caso se torne prefeito de São Paulo, em um ou dois anos o bolsonarismo estará fragmentado e completamente minado para seguir exercendo o poder que tem hoje.