OPINIÃO

Uma ceia para todas, todos... e todes! - Por Pastor Zé Barbosa Junior

A última ceia representa um convite aberto a todas as pessoas, independentemente de suas origens ou condições, orientações sexuais ou designação de gênero, para participarem do amor e da graça divina

Representação da última ceia causou alvoroço nas redes.Créditos: Reprodução / Globo
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Causou alvoroço nas redes sociais, logo após a abertura das Olimpíadas em Paris, uma encenação que remete à última ceia realizada por Jesus, ou pelo menos à obra de Leonardo Da Vinci que se aventura a retratar a cena bíblica. O que chocou as pessoas? A encenação foi feita por drag queens, o que fez com que religiosos conservadores do mundo inteiro se manifestassem atribuindo a pecha de “blasfêmia”, “vilipêndio da fé”, “escárnio” ao que, daqui do Brasil, assistimos pela TV.

Pois, como teólogo e pastor, apaixonado pelo Evangelho e pela pessoa de Jesus de Nazaré, quero permitir-me discordar daqueles que viram na cena em questão uma ofensa à fé cristã. Para mim, nada mais EVANGÉLICO (no sentido de ter a essência do Evangelho) do que uma ceia repleta de drag queens, pessoas marginalizadas pela sociedade e escanteadas pela religiosidade que mata e exclui “em nome de Deus”.

A última ceia de Jesus, um evento profundamente significativo na tradição cristã, transcende seu contexto histórico e cultural e emerge como um poderoso símbolo de acolhimento e inclusão. Realizada na noite anterior à sua crucificação, essa refeição final que Jesus compartilhou com seus discípulos é narrada nos Evangelhos como um momento de comunhão e preparação espiritual. Mais do que um simples jantar, a última ceia representa um convite aberto a todas as pessoas, independentemente de suas origens ou condições, orientações sexuais ou designação de gênero, para participarem do amor e da graça divina.

Naquela noite, Jesus reuniu um grupo diversificado de seguidores, incluindo pescadores, cobradores de impostos e até mesmo alguém que o trairia, Judas Iscariotes. Esse ato de reunir indivíduos tão distintos ao redor da mesma mesa demonstra a disposição de Jesus em acolher todos, sem discriminação. Ele ofereceu o pão e o vinho como símbolos de seu corpo e sangue, um gesto de profunda significância espiritual que, até hoje, é lembrado na celebração da Eucaristia (na Igreja Católica) ou na “Ceia do Senhor” ou “Santa Ceia” (nas igrejas evangélicas). A presença de Judas, mesmo sabendo de sua traição iminente, sublinha a mensagem de perdão e inclusão que permeia a passagem do Evangelho.

A última ceia é, talvez, umas das mais fortes expressões de uma comunidade inclusiva e amorosa. Jesus lavou os pés de seus discípulos, um ato de humildade e serviço que desafiou as normas sociais de sua época. Este gesto ensinou aos seus seguidores que a verdadeira liderança está no serviço aos outros e que todos são dignos de amor e cuidado. Ao quebrar as barreiras sociais e culturais, Jesus estabeleceu um modelo de comunidade onde cada pessoa é valorizada e respeitada, independentemente de sua posição ou status.

Ao longo dos séculos, a refeição pascal tem sido interpretada como um convite contínuo para a humanidade abraçar a diversidade e praticar o amor em sua radicalidade. Igrejas e comunidades cristãs ao redor do mundo têm se esforçado para viver este ideal, acolhendo pessoas de todas as origens, raças, gêneros e orientações sexuais. A mesa da comunhão é um espaço onde as diferenças são celebradas e onde todos são convidados a experimentar a presença de Deus. Essa visão inclusiva desafia preconceitos e convida a uma reflexão sobre como podemos ser mais acolhedores em nossas próprias vidas.

Em última análise, a última ceia de Jesus serve como um lembrete eterno de que o amor divino não conhece fronteiras. É um chamado para acolhermos uns aos outros com compaixão e respeito, reconhecendo a dignidade inerente de cada ser humano. Ao refletirmos sobre esse evento, somos inspirados a criar espaços de inclusão e aceitação em nossas comunidades, seguindo o exemplo de Jesus, que abriu sua mesa para todas, todos... e todes. Assim, a ceia derradeira continua a ser um símbolo poderoso de unidade e acolhimento, convidando-nos a abraçar a diversidade e a viver em comunhão com todos.

Portanto, quem exclui quem quer que seja da mesa da comunhão, ou quem não aceita nenhuma representação (como se a de Da Vinci fosse fiel ao texto) diferente da que imagina, não entendeu em nada o convite escancarado e “excêntrico” de Jesus de Nazaré, pois são justamente esses que representam a maravilha e a essência da partilha do corpo de Cristo. E, segundo São Paulo, não entende o Evangelho quem não discerne o “corpo de Cristo”, corpo torturado diariamente nos corpos que sofrem humilhações, violências e mortes de drag queens, travestis, profissionais do sexo, pessoas marginalizadas, gente escanteada pelos poderosos... esse é o Corpo de Cristo! Tomai e comei todos vós!

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.