A revista britânica The Economist, conhecida como a “bíblia do liberalismo”, publicou neste domingo (29) um artigo no qual se arroga o direito de criticar abertamente a política externa do Brasil — uma nação soberana que, historicamente, tem defendido o princípio de não alinhamento automático às grandes potências.
Sob o título “Brazil’s president is losing clout abroad and unpopular at home” (“Presidente do Brasil perde influência no exterior e enfrenta impopularidade em casa”, em tradução livre), o texto destaca que o Brasil foi o único país ocidental a condenar de forma contundente os bombardeios dos Estados Unidos contra instalações nucleares do Irã, classificando-os como uma violação da soberania iraniana.
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Para a Economist, essa postura evidencia a aproximação do governo Lula com Teerã, que deve enviar uma delegação à cúpula do BRICS, marcada para os dias 6 e 7 de julho no Rio de Janeiro. Segundo a revista, a presidência brasileira do bloco tenta conter danos e evitar atritos diretos com Washington ao pautar a reunião com temas considerados neutros — como cooperação em saúde, transição energética verde e comércio internacional baseado em igualdade de tratamento.
Ainda assim, o alinhamento crescente com China, Rússia e Irã, observa a publicação, expõe o que chama de incoerência da diplomacia de Lula, que tenta manter o discurso de neutralidade, mas hoje se distancia cada vez mais do eixo ocidental.
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No campo interno, reforça a Economist, Lula enfrenta queda de popularidade, derrotas no Congresso e vê a extrema direita bolsonarista se articular para as eleições de 2026. Na geopolítica, segue sem diálogo direto com Donald Trump — algo que contrasta com gestos diplomáticos que raramente se convertem em ganhos práticos.
Crítica brasileira à Economist
A leitura da revista não passou em branco para o professor Dawisson Belém Lopes. Docente de Política Internacional na UFMG e pesquisador do CNPq, uma das vozes mais atuantes no debate sobre política externa brasileira, ele rebateu o tom do texto em suas redes sociais.
“Este é um texto exemplar. Representa toda uma classe de argumentos de quem tenta ‘disciplinar’ potências emergentes como o Brasil. É preciso — eles dirão — que tais países conheçam seu lugar no mundo. Não deveriam — eles dirão — se meter nos grandes conflitos internacionais. Afinal, — eles dirão — tais países nem sequer importam”, ironizou o professor.
Para Dawisson, essa tentativa de enquadramento discursivo faz parte de um arsenal mais amplo que legitima a ideia de “condomínio das grandes potências”, sustentado por estruturas como o Conselho de Segurança da ONU com poder de veto, o Tratado de Não Proliferação Nuclear e o sistema de cotas das instituições de Bretton Woods.
“A Economist, que é independente e faz jornalismo de alta qualidade, não está imune a esses vieses. Soa até engraçado se considerarmos que o Reino Unido — país do qual gosto muito e que conheço bem — está em franca decadência há quase um século. Mas, para esse tipo de análise, os fatos nem sempre importam: a conveniência política quase sempre fala mais alto”, completou Dawisson.