OPINIÃO

Por que esquerda tem o dever de se opor ao fim da 'saidinha'?

A maioria esmagadora dos encarcerados é composta por pessoas negras e de baixa renda, vítimas de um sistema que historicamente as marginaliza e as exclui.

Entrada do Complexo Prisional Odenir Guimarães, em Aparecida de Goiânia.Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A proposta de extinguir a saída temporária, atualmente em debate no Congresso Nacional, representa um sério retrocesso para as bandeiras históricas da esquerda brasileira. Ao invés de buscar soluções efetivas para os desafios do sistema prisional, essa medida alimenta um ciclo de encarceramento desigual que atinge de forma desproporcional pessoas pobres e pretas, agravando o já enraizado racismo estrutural no Brasil.

O Brasil figura entre os países com maior índice de encarceramento no mundo, uma realidade que reflete a falência do sistema prisional e sua tendência punitivista. A maioria esmagadora dos encarcerados é composta por pessoas negras e de baixa renda, vítimas de um sistema que historicamente as marginaliza e as exclui.

A narrativa de punir pequenos infratores como grandes criminosos, frequentemente utilizada para justificar medidas como o fim da saída temporária, é incompatível com o viés ideológico de esquerda, que historicamente defende políticas de inclusão social e combate às desigualdades. A criminalização exacerbada apenas perpetua a marginalização de grupos já historicamente oprimidos.

É lamentável constatar que até mesmo figuras políticas identificadas com a esquerda adotam discursos alinhados à direita quando se trata de questões relacionadas ao sistema penal. O exemplo do senador Fabiano Contarato, do PT, que é delegado de polícia e autor de projetos visando a proteção da população LGBTQIAP+ encarcerada evidenciando essa contradição, ao adotar uma postura punitivista que não condiz com os princípios de justiça social e respeito aos direitos humanos.

Disse o senador em seu discurso durante a votação do texto: “Não posso deixar de manifestar a minha fala no sentido de que, diante dessas circunstâncias, não é razoável explicar para quem teve seu filho morto por um homicídio doloso, em que o cara foi condenado a nove anos de reclusão, que não vai ficar nem três anos preso”. Três senadores do PT votaram favoráveis ao projeto.

É fundamental que a esquerda brasileira reconheça sua obrigação histórica de lutar contra políticas de encarceramento que ampliam as opressões e desigualdades entre as classes. Em vez de retroceder a medidas que agravam o problema, é preciso defender alternativas que promovam a reinserção social, a resolução pacífica de conflitos e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

A saída temporária, longe de ser um privilégio indevido, é uma ferramenta importante de ressocialização para os indivíduos que cumprem pena, permitindo sua reintegração gradual à sociedade. Eliminá-la significaria negar uma oportunidade de reinserção e perpetuar o ciclo de violência e exclusão.

A esquerda não pode se render a discursos simplistas que ignoram as raízes complexas da criminalidade e reforçam estigmas sociais. Em vez disso, deve continuar lutando por políticas públicas que abordem as causas estruturais da violência e promovam a justiça social e a equidade.

É hora de a esquerda brasileira reafirmar seu compromisso com a defesa dos direitos humanos e o combate às injustiças sociais, resistindo a medidas que alimentam a máquina de encarceramento em massa e reafirmando sua posição em favor da construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária.