Um telefonema vazado se tornou o estopim de uma nova crise política na Tailândia. A atual primeira-ministra, Paetongtarn Shinawatra, herdeira da influente família Shinawatra, agora enfrenta protestos de nacionalistas conservadores que pedem sua renúncia imediata.
A polêmica começou no último dia 15, quando veio a público uma gravação de cerca de 9 minutos de uma conversa entre Paetongtarn e Hun Sen, ex-primeiro-ministro do Camboja. Na chamada, a primeira-ministra tratava de uma disputa de fronteira que já dura mais de um século, herdada do período colonial francês.
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No diálogo, Paetongtarn chama Hun Sen de “tio”, critica um general tailandês de alta patente e promete “cuidar de tudo” para o líder cambojano — gesto que, para movimentos nacionalistas, soou como submissão a interesses estrangeiros. O próprio Hun Sen confirmou que gravou e divulgou o áudio em suas redes sociais, ampliando a tensão.
A repercussão foi imediata: milhares foram às ruas de Bangkok, balançando bandeiras e segurando cartazes que chamam Paetongtarn de “traidora” e “primeira-ministra vendida”. O principal ato, organizado pelo grupo United Force of the Land, reuniu mais de 10 mil manifestantes neste sábado (28), tornando-se o maior protesto desde que o Pheu Thai Party, de Paetongtarn, voltou ao poder em 2023.
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A base política da primeira-ministra combina uma agenda populista liberal-conservadora, com pautas sociais progressistas, como direitos LGBTQIA+ e estímulos à tecnologia e ao turismo. Já os manifestantes — herdeiros do movimento Yellow Shirts (Camisas Amarelas) — são nacionalistas monarquistas, adversários históricos dos Shinawatra, que acusam de corrupção e de negociar a soberania nacional.
O caso já teve impacto direto no governo: um partido parceiro rompeu com a coalizão, reduzindo a maioria no Parlamento. A Corte Constitucional se reúne nesta terça-feira (1º) para decidir se aceita um processo que pode suspender ou destituir Paetongtarn do cargo. Além disso, ela enfrenta denúncias de violação ética e infração constitucional. Mesmo pedindo desculpas pelo telefonema, a primeira-ministra não conseguiu conter a onda de críticas.
A crise reacendeu memórias de golpes passados. O pai de Paetongtarn, Thaksin Shinawatra, foi deposto em 2006; sua tia Yingluck Shinawatra perdeu o cargo em 2014, ambos em contextos de disputas com elites conservadoras e militares. A Tailândia, desde então, oscila entre governos civis fragilizados e intervenções militares — cenário que faz crescer o temor de nova ruptura, caso os protestos se intensifiquem.
Enquanto isso, a tensão na fronteira com o Camboja só aumentou. Tropas de ambos os países foram mobilizadas, e Hun Sen, que governou o Camboja por quase quatro décadas, acusou o Exército tailandês de violar gravemente a soberania cambojana. A crise também mexeu com a economia: a Bolsa de Valores da Tailândia acumulou queda de 4% na semana do vazamento, refletindo a insegurança política.
A dinastia Shinawatra
A família Shinawatra é uma das dinastias políticas mais influentes da Tailândia nas últimas décadas. O nome ganhou força com Thaksin Shinawatra, ex-bilionário do setor de telecomunicações, eleito primeiro-ministro em 2001 com políticas de saúde pública gratuita, crédito para áreas rurais e programas de redistribuição de renda. O sucesso popular se chocou com acusações de corrupção e autoritarismo, resultando em seu afastamento por golpe militar em 2006.
Sua irmã, Yingluck Shinawatra, seguiu os passos do irmão e tornou-se a primeira mulher a governar a Tailândia, de 2011 até 2014, quando foi removida por decisão judicial seguida de nova intervenção militar. Mesmo no exílio, Thaksin segue como figura central, influenciando eleições e alianças políticas.
Paetongtarn, filha de Thaksin, representa a nova geração que tenta manter o legado: à frente do Pheu Thai, combina políticas econômicas populares com bandeiras sociais progressistas, buscando apoio de jovens e da classe média urbana — mas enfrenta a resistência ferrenha de elites conservadoras, militares e grupos monarquistas.
Destino turístico
Além do peso político, a crise chamou ainda mais atenção global porque a Tailândia é um dos destinos turísticos mais famosos do mundo, conhecida por praias paradisíacas, templos milenares, festas e uma vida urbana vibrante em Bangkok.
O país recebe milhões de turistas todos os anos e serve de cenário para grandes produções, como a série de sucesso White Lotus, que gravou parte de sua nova temporada em resorts de luxo na costa tailandesa.