CRÔNICA

Quero trabalhar na Olivetti! (Terceira parte) – Por Esther Rapoport

Este é o último capítulo da história da Olivetti... aqui no site, e na vida real também

Loja da Olivetti.Créditos: Reprodução
Escrito en OPINIÃO el

Este é o último capítulo da história da Olivetti... aqui no site, e na vida real também.

Começo com outro exemplo da filosofia de Olivetti na relação com a comunidade e o território: quando um camponês era admitido na empresa, a orientação dada aos responsáveis pelas contratações era a de convencer o novo funcionário a não vender sua terra, de conservar a posse e sua produção. Para isso tinham direito a alguns dias de folga durante o ano para que fossem utilizados nos períodos de plantação e colheita. O homem deveria manter sua ligação com a terra para não perder a identidade e a dignidade. A empresa oferecia também empréstimos com juros zero para a manutenção das casas de seus operários.

Essa preocupação com o entorno era a mesma que dará origem, já na década de 50, dentro da Olivetti, de políticas inéditas de conservação ambiental, de economia de luz e de recursos naturais.

Mas como esse modelo industrial, tão ligado ao território, poderia sobreviver ao capitalismo globalizado que desnacionalizou e exportou a fábrica e a produção? Como romper o vínculo com o território sem estraçalhar as bases do projeto olivettiano?

É verdade que a Olivetti estava presente em outros países, seja com representação comercial ou mesmo com fábricas, como no Brasil, na Argentina, no México ou na Espanha, mas não sob a lógica da exploração de mão de obra barata ou incentivos fiscais e sim de proximidade com mercados consumidores. A fábrica instalada no sul da Itália, em Pozzuoli, no ano de 1955, seguia os mesmos moldes urbanísticos e trabalhistas da de Ivrea. 

No pós-guerra se tornou muito visível o contraste entre modelos empresariais que dominavam a Região do Piemonte: a Fiat X a Olivetti.

Na Fiat, empresa amplamente auxiliada por empréstimos nacionais e internacionais (especialmente norte-americanos), o confronto entre a direção da empresa e o sindicato era uma pequena Guerra Fria. Greves, confrontos e ameaças eram uma constante em Torino. 

Segundo contam os líderes sindicais da época, os chefes de seções na Fiat eram verdadeiros generais militares que tratavam seus funcionários com se fosse um exército disciplinado e sem voz própria, enquanto em Ivrea os chefes eram poetas, literatos, psicólogos e lideravam operários letrados. Até o próprio sindicato tinha alguma dificuldade em entender, em Ivrea, como levar adiante seu discurso aguerrido de confronto com a direção em uma realidade permeada pelo diálogo pacífico e respeito ao trabalhador.

A Fiat preferiu estimular a migração dos meridionais ao norte da Península, produzindo um movimento massivo de sicilianos e calabreses para o Piemonte, gerando inúmeros conflitos sociais. Só abriu fábricas no Sul muito mais tarde, quando o governo nacional, preocupado com o ritmo da migração ao Norte e os problemas sociais gerados por essa massa humana que chegava em uma cidade sem recursos para recebê-la, passou a oferecer incentivos fiscais para que as empresas do Norte transferirem parte da produção ao sul.

E o final da história da Fiat a gente conhece: apesar de ter usufruído, como nenhuma outra empresa italiana, de incentivos, anistias de dívidas e vantagens oferecidas pelo Estado Italiano, não pensou duas vezes e foi embora da Itália no momento de profunda crise econômica. A Fiat não tem mais nem sede legal nem presidência em Torino e está levando embora também a Ferrari, que sinaliza transferência da sede legal para Londres. 

Mas voltando a Ivrea, Adriano Olivetti morreu prematuramente durante uma viagem de trem em fevereiro de 1960. Foi um choque para a cidade. 

Seu filho Roberto desenvolvia o setor de eletrônica, que já sinalizava, como tudo que se fez em Ivrea, que seria líder no setor, em concorrência apenas com a IBM. Mas a empresa, que já enfrentava problemas econômicos a partir do início da década de 60 e sem a presença carismática de Adriano, se viu em grandes dificuldades e teve que recorrer a um aporte de capital de outras empresas que passaram a ter o controle da Olivetti. Entre elas a Pirelli, a Mediobanca e a Fiat.

Imediatamente o CEO da Fiat condicionou a ajuda ao encerramento do setor eletrônico, que deveria ser cedido a General Eletric. Foi assim que a Fiat ajudou a desmontar a Olivetti porque rasgou seu passaporte para o futuro. Sem desenvolver a eletrônica, a Olivetti perdeu espaço no cenário empresarial desde o final da década de 80. Hoje a empresa pertence à Telecom Itália (TIM), mas da sua origem sobrou apenas o nome. 

Tudo isso aconteceu na mesma Península onde, aproximadamente quinhentos anos atrás, nasceu o Renascimento, que colocava o homem e suas necessidades como prioridade. O humanismo renascentista substituía a espiritualidade pelo materialismo. Acho que a gente está sempre perdendo a mão, não encontrando o equilíbrio entre cada um dos aspectos da vida e hoje o homem não é mais o objetivo, a motivação, a inspiração para o desenvolvimento do mundo contemporâneo, apenas o meio pelo qual o capital busca sua reprodução. 

Nossas necessidades e desejos são a incubadora da reprodução do capital. A saúde é um produto à venda na prateleira dos bancos. A educação é um produto à venda na prateleira de grandes grupos empresariais. A informação, o lazer, a cultura, o turismo e o conhecimento não passam de produtos elaborados por grandes grupos multinacionais, que também dominam a produção, já quase completamente robotizada, e a distribuição, quase toda automática, de alimentos, habitação, telefonia, transporte e uma quantidade impressionante de produtos desnecessários, mas que nos são empurrados o tempo todo goela abaixo com a promessa de que se consumidos, trarão a felicidade que alucinadamente procuramos. 

Desenvolvemos a sociedade do trabalho segundo a qual é o trabalho que nos dá identidade e pertencimento, mas não existe mais espaço para a mão de obra humana. 

Para onde estamos indo??

*Texto escrito em 2014

***Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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