IMPÉRIO DE UMA GENTE MÁ

Caça ao padre Júlio Lancellotti e a fina arte de ser canalha

Em ano eleitoral, a matilha que implodiu a civilidade no Brasil mira num dos poucos sujeitos sobre a face da Terra que encarna um Cristo vivo. Tem que ser muito podre para se orgulhar disso

Padre Júlio Lancellotti.Créditos: Instagram/Reprodução
Escrito en OPINIÃO el

O império da canalhice segue a todo vapor no Brasil. Ainda nos primeiros dias de um ano eleitoral, eis que a matilha ribalda seguidora de Jair Bolsonaro (PL), o ex-líbris do ódio que explodiu no país de anos para cá, mira na Câmara Municipal de São Paulo um dos homens mais formidáveis e que mais encarnam o Cristo vivo sobre a face da Terra, o padre Júlio Lancellotti.

Uma CPI será instalada sob o falso pretexto de “investigar ONGs” que atuam no combate à miséria e em defesa das camadas mais marginalizadas e vulneráveis da maior megalópole brasileira. O alvo, na verdade, é o pároco que há anos está à frente da Pastoral do Povo da Rua. Júlio Lancellotti é alguém que abdicou da própria vida, do conforto, da segurança e de uma existência tranquila para se colocar lado a lado com gente que dorme pelas calçadas, cheirando a urina e fezes, cheia de doenças e de tragédias devastadoras. Se há alguém efetivamente que representa Jesus Cristo nesse mundo cão, esse é o padre Júlio.

Buscando dividendos eleitorais, já que essa forma torpe e suja de viver infernizando a todos e demolindo marcos civilizatórios gera muitos votos, a “base” do bolsonarismo na capital paulista centra fogo agora numa personalidade essencial para a humanidade, reverenciado por todos e até pelo Papa Francisco, aquele que segundo a doutrina católica é o representante de Deus entre os homens. Tem que ser muito podre para se prestar a um papel desses e ainda se orgulhar disso, gritando como lobotomizados ensandecidos nas redes.

O requerimento que pretende instalar a tal CPI, que terá início em fevereiro, se for aprovado, para maquiar suas verdadeiras intenções fala de “máfia da miséria” e de “exploração de dependentes químicos”. É o apogeu do cinismo. Gente que só fala em matar e eliminar preocupada com quem está pelas ruas jogado, de quebra fazendo sempre insinuações fantasiosas e toscas sobre “corrupção” e tentando estabelecer vínculos imaginários entre a esquerda e o narcotráfico, obviamente com a intenção de entupir as redes da malha alucinada que se retroalimenta 24 horas por dia desse tipo de conteúdo asqueroso que chega fresquinho como esgoto recém-defecado nos celulares que cegam grande parte dos brasileiros.

Na prática, será muito difícil atingir padre Júlio. Primeiro porque não há nada irregular em sua louvável e humana obra. Segundo, o clérigo não pertence a nenhuma “ONG”, ele é integrante de uma das maiores e mais poderosas instituições do planeta: a Igreja Católica Apostólica Romana. É bom que se saiba que seu “chefe”, lá de Roma, sentado no trono de Pedro, está de acordo com o cristianismo do padre.

Nesse mar de lama que se instala numa reentrância do oceano de canalhice formado pelo bolsonarismo, ver quem defende armas, tortura, violência e concentração de riqueza atacar quem ajuda os mais miseráveis, não é exatamente algo que cause espanto. O que espanta mesmo é saber que há quem olhe para isso, se assuma cristão e vá contribuir com votos ajudando a eleger uma gente tão vil que é capaz de abrir uma temporada de caça contra um sujeito que é referência no mundo quando o assunto é combate à miséria.