Em meio às novas revelações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes cinco anos depois do crime, uma figura crucial, que ganhou notoriedade na mesma época, permanece calada, apesar de ter muitas perguntas a responder.
General da reserva do Exército desde 29 de fevereiro de 2020, quando entrou definitivamente para a política partidária, e candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro (PL) em 2022, depois de comandar os ministérios da Casa Civil e da Defesa, Walter Souza Braga Netto foi nomeado interventor na segurança pública do estado do Rio de Janeiro pelo golpista Michel Temer (MDB) no dia 16 de fevereiro de 2018.
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Menos de um mês depois, em 14 de março do mesmo ano, o ex-sargento da Polícia Militar (PM) Ronnie Lessa efetuou os 13 disparos com a submetralhadora MP5, furtada de um batalhão do Bope, a força de operações especiais da PM fluminense, durante um incêndio, segundo o também ex-PM e comparsa no crime Élcio Queiroz. Antes disso, Lessa já planejava assassinar Marielle e não foi, nem um pouco, intimado pela presença de fardados na capital fluminense.
Na data do assassinato, Braga Netto exercia "o controle operacional de todos os órgãos estaduais de segurança pública previstos no Art. 144 da Constituição e no Título V da Constituição do Estado do Rio de Janeiro”, incluindo as polícias civis e militares, que já se encontravam sob seu comando.
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Durante os dez meses e meio em que permaneceu à frente da intervenção, Braga Netto se esquivou de quaisquer responsabilidade sobre a investigação.
Ao mesmo tempo, sua gestão praticamente ignorou a atuação das milícias, organizações paramilitares formadas principalmente por PMs da ativa e da reserva, e que estão ligadas diretamente à ascensão de Bolsonaro na política – em 2018, o ex-presidente obteve 75% dos votos da Baixada Fluminense, área de maior atuação dos milicianos.
Durante a intervenção de Braga Netto, as milícias passaram incólumes e seguiram aumentando sua área de influência, como já havia sido detectado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, que monitorou um crescimento exponencial das milícias, ao mesmo tempo que seu braço político, capitaneado pelo clã Bolsonaro, ganhava expressividade promovendo politicalha.
Em entrevista à Reuters em junho de 2018, Braga Netto adiantou que a investigação sobre o assassinato de Marielle não teria prazo para acabar. “Mesmo que eu tenho suspeito é preciso ter provas, bem firmadas, porque senão podemos acusar alguém e a pessoa ser solta. Trabalhamos na obtenção de provas concretas, mas não temos prazo", disse na ocasião.
Na mesma entrevista, desdenhou da "simpatia" das Forças Armadas pela candidatura de Bolsonaro, já em curso.
“Bolsonaro para mim é um candidato como outro qualquer. Merece meu respeito como os outros candidatos. Caxias disse o seguinte: minha espada não tem partido. Nossa espada não tem partido”, disse, referindo-se ao patrono do Exército, Duque de Caxias.
Da espada ao partido de Bolsonaro
Mesmo com várias suspeitas de envolvimento do clã Bolsonaro com o crime – entre elas um bate-boca de Carlos Bolsonaro com um assessor de Marielle –, Braga Netto deixou a intervenção no Rio em janeiro de 2019 e foi alçado diretamente para o comando do Estado-Maior do Exército pelo "capitão" que chegara à Presidência.
Um ano depois, entrou para a reserva para assumir a Casa Civil de Bolsonaro, fazendo "carreira" na Defesa até escantear o colega, general Hamilton Mourão, e ganhar o posto de candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022, já devidamente nos quadros do PL, partido do qual é hoje secretário Nacional de Relações Institucionais.
A espada foi definitivamente deixada de lado por Braga Netto ao se entrincheirar na tentativa de golpe de Bolsonaro após a derrota nas eleições presidenciais de 2022.
No entanto, o passado obscuro de interventor, quando ainda ostentava a farda, ainda paira sobre Braga Netto. Ele não mais tocou no assunto sobre o assassinato de Marielle, que teve as investigações obstruídas por Bolsonaro.
Exército na cena do crime
No comando da intervenção na segurança pública fluminense, Braga Netto poderia solicitar a qualquer momento informações sobre as investigações em curso – assim como quando esteve à frente da Casa Civil e do Ministério da Defesa.
Mas um pacto de silêncio é mantido por ele e por militares que estiveram a seu lado durante a intervenção. E que foram agraciados com cargos nos últimos anos, quando o fascismo miliciano tomou o poder de assalto no país.
Ao custo de R$ 1,2 bilhão somente em recursos federais, a intervenção foi oficialmente encerrada em 31 de dezembro de 2018. Com resultado pífio, que levou principalmente ao fechamento das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) – projeto do governo Lula para aproximar a população de comunidades dos agentes de segurança –, a intervenção seguiu de forma extraoficial durante o governo Bolsonaro, ao custo de mais de R$ 1 milhão ao ano e servindo de cabide para ao menos 13 militares da ativa.
Já os generais que atuaram ao lado de Braga Netto no comando da intervenção ganharam cargos e status durante o aparelhamento militar patrocinado por Bolsonaro.
Subchefe da Secretaria de Intervenção, o general de brigada Paulo Roberto Rodrigues Pimentel assumiu o comando da Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman, em 12 de abril de 2022.
A Aman, onde o ex-presidente estudou entre 1974 e 1977, é considerada o berço do bolsonarismo e um dos principais polos políticos de influência de militares ligados a Bolsonaro.
Chefe da Secretaria de Administração e Finanças da intervenção, o general de divisão Laélio Soares de Andrade ocupa atualmente a chefia de gabinete da presidência do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ).
Laélio Soares de Andrade foi o responsável, entre outros, por um contrato suspeito de compras de armas Glock no valor de R$ 46 milhões durante a gestão das finanças da intervenção.
A empresa que vendeu as pistolas semiautomáticas ao gabinete comandado por Braga Netto, a Glock America, é representada no Brasil por Franco Giaffone, amigo de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Jair e um dos principais lobistas da indústria de armamentos.
Outro fato curioso é que a Glock America não fabrica armas. A sede da empresa fica na Áustria. Durante o mandato do pai, Eduardo tentou, sem sucesso, fazer lobby para instalar uma fábrica da indústria austríaca em Goiás.
O silêncio de Braga Netto e de generais que atuaram na intervenção federal no Rio de Janeiro é ensurdecedor diante das novas informações sobre o crime brutal que virou símbolo da atuação da milícia e do fascismo no Brasil.
Vale lembrar que Marielle era relatora da comissão criada na Câmara Municipal do Rio para acompanhar eventuais abusos na recém-formada intervenção federal na segurança pública. A mesma instalada menos de um mês antes de seu assassinato.
Nascida e criada na favela da Maré, na Zona Norte do Rio, Marielle conhecia como poucos a atuação da milícia. E a cobertura dada a eles pelos agentes do Estado – fossem civis ou militares.
Braga Netto e os militares têm muitas perguntas a responder. A principal delas é: quem mandou matar Marielle Franco e por quê?