Opinião

União Europeia abraça o ESG – Por Ana Beatriz Prudente Alckmin

A partir de 1º de janeiro de 2025, todos os países membros da UE passaram a exigir a coleta seletiva obrigatória de roupas e calçados, como parte de uma política de Responsabilidade Estendida do Produtor (REP)

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Entusiasta da Economia Criativa e da Agrossustentabilidade, educadora do empreendedorismo sustentável com Design Thinking e membro do Comitê Permanente de Combate à Covid 19 da Faculdade de Educação da USP. É judia e cronista
União Europeia abraça o ESG – Por Ana Beatriz Prudente Alckmin
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A indústria da moda, durante muito tempo símbolo de inovação e expressão cultural, vive hoje uma pressão inédita para se reinventar diante da emergência climática. Considerada uma das mais poluentes do planeta — responsável por cerca de 10% das emissões globais de gases de efeito estufa e por um volume anual de mais de 12,6 milhões de toneladas de resíduos têxteis só na União Europeia — o setor está no centro de um rigoroso redesenho regulatório promovido por Bruxelas.

A partir de 1º de janeiro de 2025, todos os países membros da UE passaram a exigir a coleta seletiva obrigatória de roupas e calçados, como parte de uma política de Responsabilidade Estendida do Produtor (REP). Com isso, fabricantes e varejistas devem se responsabilizar pelo ciclo completo de vida dos produtos, da fabricação ao descarte. Essa medida tem como objetivo promover a reutilização e reciclagem de têxteis, mas enfrenta obstáculos técnicos significativos, como o alto volume de peças descartadas e a má qualidade dos materiais — fatores que dificultam uma reciclagem eficiente. Na Bélgica, por exemplo, associações de recuperação de roupas já relatam um aumento de 17% no volume de descarte, pressionando sua capacidade operacional.

Outro pilar dessa transformação é o novo Regulamento contra a Desflorestação, que entrou em vigor em junho de 2023. Sua aplicação foi adiada para dezembro de 2025 para grandes empresas e junho de 2026 para pequenas e microempresas. Ele impede a comercialização, dentro do mercado europeu, de qualquer produto ligado a desmatamento ou degradação florestal — seja ele originado dentro ou fora da Europa. Isso afeta diretamente a cadeia de suprimentos de matérias-primas como couro, borracha e fibras vegetais como a viscose, muito utilizadas na moda fast fashion. Para atender a essas exigências, empresas precisarão demonstrar a rastreabilidade completa de seus insumos, reforçando práticas de origem responsável. Marcas como Stella McCartney, que já priorizam materiais regenerativos e transparentes, aparecem como referência.

Na dimensão corporativa, a União Europeia também implementou a ambiciosa Diretiva de Relato de Sustentabilidade Corporativa (CSRD), que amplia de forma significativa o número de empresas obrigadas a reportar suas práticas ambientais, sociais e de governança. A CSRD introduz o conceito de "dupla materialidade", exigindo que as empresas revelem não apenas como as mudanças climáticas impactam seus resultados financeiros, mas também como suas atividades afetam o meio ambiente e a sociedade. O impacto é global: a partir de 2028, empresas não europeias com receita superior a 150 milhões de euros e presença no mercado europeu também deverão se adequar, incluindo gigantes brasileiras da indústria têxtil.

Complementando essa iniciativa, a nova Diretiva de Dever de Diligência em Sustentabilidade (CSDDD), ainda não está em vigor. Um acordo político provisório foi firmado em março de 2024, mas ela ainda aguarda adoção formal e transposição nacional. A CSDDD impõe às grandes empresas europeias — e às estrangeiras com operações substanciais no bloco — a obrigação legal de identificar, prevenir e mitigar impactos negativos sobre os direitos humanos e o meio ambiente em todas as etapas de sua cadeia de valor. Não se trata apenas de conformidade jurídica: a diretiva exige que o modelo de negócio como um todo esteja alinhado com os compromissos do Acordo de Paris.

A transparência para o consumidor também está no centro da estratégia europeia. Em fase de implementação, o Passaporte Digital de Produto (PDP) promete transformar radicalmente a forma como se consome moda. Com ele, cada peça de roupa deverá incluir um QR code com informações detalhadas sobre sua composição, origem, pegada de carbono, durabilidade e reciclabilidade. Marcas como Simple Chic, Bon+Berg e The Morphbag já começaram a adotar essa tecnologia, que fortalece a confiança do consumidor e viabiliza escolhas mais conscientes.

No combate às práticas enganosas de marketing verde, a Diretiva (UE) 2024/825 — adotada em fevereiro de 2024 — estabelece uma série de proibições e exigências para frear o greenwashing. Termos genéricos como “ecológico”, “verde” ou “amigo do planeta” agora só podem ser utilizados se acompanhados de comprovação técnica verificável. A medida garante mais clareza e protege o consumidor de declarações vazias ou enganosas.

Ainda assim, a UE reconhece a necessidade de calibrar suas exigências à realidade do mercado. Em fevereiro de 2025, propôs-se uma flexibilização temporária para pequenas e médias empresas, isentando da obrigação de relato de sustentabilidade aquelas com menos de mil funcionários. A intenção é proteger a competitividade sem renunciar aos pilares da transição ecológica.

O que emerge desse conjunto robusto de ações é uma nova narrativa para a moda: uma indústria que, para continuar sendo culturalmente relevante e economicamente viável, precisa também ser ética, regenerativa e transparente. A União Europeia vem demonstrando que é possível articular beleza e rigor, criatividade e responsabilidade — e que o futuro da moda passa, inevitavelmente, pelo compromisso com o planeta.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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