OPINIÁO

Uma Pérola Negra na política de Israel - Por Ana Beatriz Prudente Alckmin

Almaz Zeru é autora, ativista pelas mulheres, ativista pelas pessoas com deficiência, palestrante e figura respeitada na política

Almaz Zeru, liderança política feminista israelense.Créditos: Divulgação
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Como mulher judia negra, eu valorizo a força de todas as mulheres que fazem parte do povo judeu. Com cada uma das minhas irmãs que cruzaram pelo meu caminho aprendi sobre sororidade, luta por sobrevivência com dignidade, resiliência e empoderamento feminino. A construção do meu feminismo também vem de berço, porque tenho uma mãe feminista e desde muito cedo acompanho as lutas e as pautas dos movimentos pelos direitos humanos liderados por mulheres. Mas, como mulher judia e negra, carrego uma interseccionalidade muito específica, portanto torna-se importante para meu próprio fortalecimento o contato com outras mulheres judias negras.

Felizmente tenho tido a felicidade de fazer essas conexões com judias negras estadunidenses, canadenses, algumas brasileiras como eu, e também do continente africano. Mas, sendo Israel um elemento tão importante na construção da identidade judaica da maioria e de alguma forma da minha também, torna-se importante olhar para como as mulheres estão se desenvolvendo no cenário político Israelense, principalmente como as mulheres judias negras estão conseguindo se desenvolver na política Israelense. A única mulher que ocupou o cargo de Primeira-Ministra de Israel foi Golda Meir, uma figura forte e histórica, de que muitos gostam, mas também uma figura que carrega muitas críticas.

As mulheres estão na vida política de Israel desde o início, mas, assim como em muitos lugares do mundo, a presença delas é fruto da luta do movimento feminista organizado. Seja de qual vertente e lado ideológico for as mulheres estão sempre se organizando pra tentar ter um espaço na política. Ouso dizer que a luta por maior representatividade das mulheres na política é universal.

A galeria de fotos de prefeitos de Haifa é um exemplo. Até a primeira década de 2000, só homens tinham ocupado o papel de prefeito, começa com o último imperador otomano, naquela cidade portuária, sendo sucedido por vários homens. Eynat Kalish-Rotem, arquiteta urbanista, foi a primeira prefeita da cidade, em 2019.

A representação política no Knesset (o Parlamento Israelense) aumentou de 9 mulheres, na década de 90, para mais de 30, em meados de 2015. É nítido que houve um movimento de empoderamento das mulheres na política Israelense, mas ainda muito longe do ideal. Algumas lideranças do movimento feminista Israelense reclamam que os partidos têm investido cada vez menos em lançar mulheres na política: dentre as nações integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Israel não está entre as que ocupam os melhores lugares no ranking em relação a representatividade feminina na política. Definitivamente, Israel precisa de mais mulheres na política.

Mas, caro leitor, como eu disse, a minha busca era por mulheres judias negras como eu, com as quais eu pudesse me identificar, e nessa investigação eu encontrei uma figura que conquistou meu respeito e que carrega tantos atributos positivos que eu vou chamá-la de Pérola Negra de Israel: Almaz Zeru.

Depois de servir na IDF (Israel Defense Forces), foi em Lod que ela se tornou autora, ativista pelas mulheres, ativista pelas pessoas com deficiência, palestrante e figura respeitada na política municipal. Respeitada pela comunidade etíope local, ela também conseguiu a proeza de transitar muito bem entre os judeus brancos e manter diálogos com os judeus dos mais liberais aos mais conservadores, portanto, ela é um exemplo muito interessante de habilidade política de diálogo. Almaz é uma figura com um sorriso largo, um olhar que ilumina e que vai contagiando todas as pessoas por onde ela vai passando, com otimismo, com simpatia, e apoiando outras mulheres.

Um dos pontos que mais me interessa na história dela é o fato de ser uma praticante explícita da sororidade, de como ela conseguiu construir uma plataforma política de solidariedade entre as mulheres e tem construído sua trajetória puxando outras mulheres, se apoiando e sendo apoiada por outras mulheres.

Dedicada aos estudos de gênero, ela não poupa análises sobre sua própria identidade etíope em Israel e em muitas das suas falas há uma preocupação em relação à cultura judaica etíope, que tem a mulher ali num papel muito importante de guardiã da família, de cuidado com os seus e, muitas vezes, isso faz com que o olhar para si mesma e para o autocuidado fique em segundo plano. Almaz não trata somente do empoderamento da mulher do ponto de vista de conquistar recursos, trabalhar, estudar, isto que me parece meio óbvio, essa necessidade no século XXI das mulheres terem uma profissão e irem para o mercado de trabalho. Ela vai além, ela entra na questão do autocuidado, da importância das mulheres se amarem, se cuidarem, olharem para si mesmas.

Candidata à Câmara Municipal de Lod pelo Likud (ala de oposição ao atual governo de Netanyahu), ela tem na sua base representantes de organizações ligadas à proteção da criança, organizações ligadas a atividades comunitárias, membros do próprio Likud e muitas famílias etíopes e árabes. Ela está inserida em um contexto Israelense onde as pessoas estão muito preocupadas em aumentar a sua própria qualidade de vida, então podemos dizer também que não é de se espantar que o diálogo dela seja tão comunitário e ela trate de questões tão essenciais da vida das pessoas. É uma região onde as pessoas estão realmente preocupadas com questões básicas para sua própria qualidade de vida e para o próprio conforto de suas famílias, por isso o diálogo dela com seu público realmente abarca questões que são bastante essenciais.

Almaz tem projetos muito inovadores porque é uma empreendedora social que encontrou uma vocação na política, seus projetos têm essa vocação de atendimento às populações que possuem interseccionalidades muito específicas. Por exemplo, ela trabalha com diálogo e prestando assistência às mulheres judias vindas da Etiópia, que, ao irem para Israel, passaram pelo Sudão, onde sofreram estupros e perdas familiares; portanto, é uma população feminina de Israel que possui traumas e há necessidades de políticas públicas de saúde específicas para atender essas mulheres. Almaz diz em suas falas feministas que essas mulheres que saíram da Etiópia como mães carregam um grande fardo sobre os ombros em suas vidas e praticamente não são livres para cuidar delas mesmas, porque os valores culturais etíopes colocam essa mulher como uma figura de cuidados com a família. Almaz é muito preocupada em proporcionar a essas mulheres mais qualidade de vida pra lidarem com traumas passados.

Nossa Pérola Negra Israelense está se configurando naquela localidade de Israel como uma figura política de fortalecimento de mulheres, uma voz de muitas mulheres. Ficam registrados meu respeito e minha homenagem a todas as mulheres judias negras, em especial às judias etíopes, que estão dando grandes contribuições comunitárias e humanitárias em Israel.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum