O editor disse:
- Carlos, querido, como vai? Espero que esteja produzindo muita poesia.
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O poeta falou:
- Mais ou menos.
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O editor procurou animá-lo:
- Poxa, e a gente aqui na editora, doido de vontade de lançar uma obra sua!
O poeta assuntou:
- Que tipo de obra?
- De preferência, como de costume, as de poesia experimental. Daquelas bem cabeçudas, cheia de trechos cifrados, sabe?
- Sei, sim.
- Olha, ontem tivemos uma reunião com o board do grupo. O CEO, num certo momento, falou para todos os editores: “esse ano, eu quero um livro do Carlos – e o mais hermético possível”.
- Sério?
- Seríssimo. Ele pediu para falarmos com você, disponibilizou os melhores capistas, ligou para o pessoal de Relações Públicas, acionou até o Financeiro para lhe oferecer uma condição de grana irrecusável.
- Ah, é verdade, o CFO da editora me ligou mais cedo. Mas eu estava entretido com um livro do Proust e pedi para me procurar outro dia.
- Você nem quis ouvir a proposta?
- Não troco Proust por proposta.
- Pensa que, em relação ao seu outro livro, o “A Truta de Trótski”, estamos lhe oferecendo quase 600% a mais, em euros, e adiantado. A gente só pede um pouco de celeridade, o CEO quer ver o lançamento dos seus poemas no início do inverno europeu.
- Eu sei, mas ainda preciso fechar o livro. Não estou contente com alguns versos e em dúvida sobre certas prosódias. Não está 100%.
- Carlos, lembra que há muita coisa a fazer. Vamos lhe levar à Feira de Frankfurt, tem as palestras em Paris, em Viena, a aula magna em Lisboa. Precisamos escolher os hotéis, a sua gastronomia, alugar o avião.
- Eu sei, isso não muda nunca.
- E especificamente, para esse seu livro, a cúpula quer lançar os poemas todos já traduzidos para, no mínimo, 17 idiomas.
- Bacana.
- Não é fácil encontrar um ótimo tradutor de português-mandarim em três, quatro dias, concorda?
- Vão trazer, de novo, pop stars para as noites de autógrafos?
- Não, não. Dessa vez, nada de pop stars. O Chief Communication Officer acredita que eles atrapalham.
- Achei engraçado o Keith Richards no lançamento do “Haikus Cósmicos das Meias Desaparecidas”.
- Foi. Só que agora você não precisa mais do auxílio luxuoso de ninguém. Levar, por exemplo, o Papa Francisco ao seu evento seria o mais do mesmo. Fora que os trajes brancos do Sumo Pontífice não são nada instagramáveis.
- Vocês é que entendem de marketing, não quero me meter.
- Vamos, então, fechar uma data para sair com o livro? Aliás, já tem título?
- Nada ainda. Mas, com certeza, será uma citação velada a Joyce, Beckett e Virginia Woolf.
- Nossa, isso vai arrebentar de vender na Amazon!