Carlos Castelo

Metáforas incompreensíveis me interessam, por Carlos Castelo

O editor ligou e disse que quer um livro meu urgente, de preferência, como de costume, as de poesia experimental. Daquelas bem cabeçudas, cheia de trechos cifrados, sabe?

Escrito em Opinião el
Piauiense, de Teresina, e reside em São Paulo desde os três anos de idade. Além de cronista e frasista juramentado, é sócio-fundador do grupo de humor Língua de Trapo.
Metáforas incompreensíveis me interessam, por Carlos Castelo
A limusine. Carlos Castelo no PlaygroundAI

O editor disse:

- Carlos, querido, como vai? Espero que esteja produzindo muita poesia.

O poeta falou:

- Mais ou menos.

O editor procurou animá-lo:

- Poxa, e a gente aqui na editora, doido de vontade de lançar uma obra sua!

O poeta assuntou:

- Que tipo de obra?

- De preferência, como de costume, as de poesia experimental. Daquelas bem cabeçudas, cheia de trechos cifrados, sabe?

- Sei, sim.

- Olha, ontem tivemos uma reunião com o board do grupo. O CEO, num certo momento, falou para todos os editores: “esse ano, eu quero um livro do Carlos – e o mais hermético possível”.

- Sério?

- Seríssimo. Ele pediu para falarmos com você, disponibilizou os melhores capistas, ligou para o pessoal de Relações Públicas, acionou até o Financeiro para lhe oferecer uma condição de grana irrecusável.

- Ah, é verdade, o CFO da editora me ligou mais cedo. Mas eu estava entretido com um livro do Proust e pedi para me procurar outro dia.

- Você nem quis ouvir a proposta?

- Não troco Proust por proposta.

- Pensa que, em relação ao seu outro livro, o “A Truta de Trótski”, estamos lhe oferecendo quase 600% a mais, em euros, e adiantado. A gente só pede um pouco de celeridade, o CEO quer ver o lançamento dos seus poemas no início do inverno europeu.

- Eu sei, mas ainda preciso fechar o livro. Não estou contente com alguns versos e em dúvida sobre certas prosódias. Não está 100%.

- Carlos, lembra que há muita coisa a fazer. Vamos lhe levar à Feira de Frankfurt, tem as palestras em Paris, em Viena, a aula magna em Lisboa. Precisamos escolher os hotéis, a sua gastronomia, alugar o avião.

- Eu sei, isso não muda nunca.

- E especificamente, para esse seu livro, a cúpula quer lançar os poemas todos já traduzidos para, no mínimo, 17 idiomas.

- Bacana.

- Não é fácil encontrar um ótimo tradutor de português-mandarim em três, quatro dias, concorda?

- Vão trazer, de novo, pop stars para as noites de autógrafos?

- Não, não. Dessa vez, nada de pop stars. O Chief Communication Officer acredita que eles atrapalham.

- Achei engraçado o Keith Richards no lançamento do “Haikus Cósmicos das Meias Desaparecidas”.

- Foi. Só que agora você não precisa mais do auxílio luxuoso de ninguém. Levar, por exemplo, o Papa Francisco ao seu evento seria o mais do mesmo. Fora que os trajes brancos do Sumo Pontífice não são nada instagramáveis.

- Vocês é que entendem de marketing, não quero me meter.

- Vamos, então, fechar uma data para sair com o livro? Aliás, já tem título?

- Nada ainda. Mas, com certeza, será uma citação velada a Joyce, Beckett e Virginia Woolf.

- Nossa, isso vai arrebentar de vender na Amazon!

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