Além dos ataques militares e cibernéticos que chamaram atenção do mundo desde o início da guerra entre Israel e Irã, na madrugada de 13 de junho, um outro campo de batalha ganhou força nas redes sociais. Em meio ao cessar-fogo entre os países, cresce o risco de que a polarização digital alimente ainda mais preconceitos contra as populações civis dos dois países.
A guerra de narrativas não é apenas um detalhe colateral, mas sim, em boa parte do tempo, uma estratégia. Ambos os governos e seus apoiadores usaram hashtags, campanhas emocionais, influenciadores digitais, vídeos de bombardeios e ações de desinformação para tentar conquistar a opinião pública internacional.
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O objetivo seria o ganho de apoio político, diplomático e social. No entanto, o efeito colateral desse cenário é preocupante: a amplificação de discursos de ódio e a estigmatização de milhões de pessoas comuns, que não têm relação com as decisões de seus governos. Tanto o antijudaísmo quanto a islamofobia são formas distintas de preconceito que alimentam a polarização e os discursos de ódio.
A professora de Relações Internacionais da PUC-SP e da FECAP, Isabela Agostinelli, alerta para o uso de narrativas orientalistas nas redes sociais que reforçam preconceitos e distorcem conflitos no Oriente Médio. “As opiniões críticas dos internautas tendem a se transformar em discurso de ódio porque há uma tendência de olhar para processos do Oriente Médio como se fossem apenas questões religiosas, quando são questões políticas", analisa.
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Segundo a pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da PUC-SP e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU), o discurso de que o Ocidente precisa ‘salvar’ o Oriente reforça estereótipos e apaga a luta legítima das mulheres iranianas.
"Um dos grandes perigos é as pessoas começarem a postar fotos das mulheres de minissaia antes da Revolução Iraniana de 79, como se fosse esse o grande problema. Claro, existe toda uma questão de desigualdade de gênero, que não acontece só no Oriente Médio, mas na América Latina, que é um dos continentes mais perigosos para ser mulher. É uma narrativa orientalista, de não entender as posições iranianas como posições políticas, e apagar toda a luta das iranianas no país. É a ideia de que o Ocidente 'precisa salvar o Oriente desses homens árabes, e persas, dos 'homens malvados'” afirma.
Agostinelli também denuncia o desnível na cobertura das mortes de palestinos, que, segundo ela, muitas vezes não geram comoção. “A mesma coisa acontece em relação aos palestinos, o próprio nível de cobertura é completamente diferente. É como se as mortes deles não fossem passíveis de comoção, de luto, porque 'não seriam considerados humanos', é uma visão orientalista", afirma.
Para ela, a guerra de versões se intensifica com o uso político das redes sociais, especialmente por líderes populistas. "A guerra de narrativas sempre foi um problema e continua sendo, aumentado pelas redes sociais. Um grande cuidado que temos que ter é separar o que é percepção do que é fato. O Trump usa muito suas próprias redes sociais, mas são declarações ambíguas, passionais. Se fosse uma mulher fazendo essa declaração, não seria levado a sério, mas tudo que ele diz é levado em consideração como verdade", analisa.
Preconceitos contra iranianos: entre estigmas históricos e ignorância cultural
No Ocidente, o Irã segue sendo alvo de uma série de estereótipos. A principal associação feita por parte da opinião pública é com extremismo religioso, terrorismo e atraso social ou tecnológico. Essas ideias refletem décadas de construção de uma narrativa geopolítica que transforma o país em um inimigo constante.
O que muitos ignoram é que o Irã possui uma sociedade civil diversa, com forte tradição de resistência, produção cultural e avanços em áreas como ciência, tecnologia e artes. O cinema iraniano, por exemplo, é premiado internacionalmente, e o país tem uma rica história que remonta ao antigo Império Persa.
Outra confusão comum é a generalização entre governo e povo. Nem todos os iranianos apoiam as decisões do regime e iranianos, embora sejam majoritariamente muçulmanos, não são árabes — eles são persas, com cultura e língua distintas. O preconceito contra eles no Ocidente costuma ter raízes na islamofobia, ou seja, a aversão ao islamismo.
Preconceitos contra israelenses: entre críticas ao governo e antissemitismo disfarçado
Do outro lado, Israel também enfrenta uma onda de estigmatização internacional. O principal problema é quando críticas legítimas às políticas do governo e às Forças Armadas se transformam em preconceito contra todo o povo israelense ou, pior, em antissemitismo.
Nas redes, é comum ver generalizações que colocam todos os israelenses sob o rótulo de "genocidas" ou "ocupantes", ignorando que dentro de Israel há uma sociedade civil ativa, com movimentos contrários à guerra, à ocupação e às políticas expansionistas.
Vale lembrar: críticas ao governo israelense não são, por si só, antissemitas. Mas quando o discurso ultrapassa a análise política e passa a atacar o povo judeu ou a religião judaica, entra-se no campo do discurso de ódio. Em suma: embora o conceito original de "semita" inclua também os povos árabes (que, em sua maioria, são muçulmanos), também pode remeter a judeus ou cristãos.
O perigo da guerra de narrativas online vai além da desinformação: ela tem potencial real de estimular crimes de ódio, perseguições e novos ciclos de violência. Tanto a islamofobia quanto o antissemitismo têm crescido em vários países após o início da guerra.