Em 1985 eu me tornei correspondente da TV Manchete em Nova York.
Uma das minhas primeiras reportagens foi sobre a execução de Paul Castellano diante da Spark’s Stake House, uma churrascaria na rua 46, em Manhattan.
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O assassinato do chefão da Máfia hoje é tema de documentário da Netflix.
Quem mandou matar foi John Gotti, que assumiu o papel de capo e foi declarado inocente em três julgamentos consecutivos por crimes relacionados à Cosa Nostra -- antes de finalmente ser condenado a passar o resto da vida na cadeia.
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Acompanhei tudo de perto. Meu chefe à época, Sergio Alberto, era obcecado pela Máfia.
A Máfia não era algo distante para quem morava em Nova York. Comerciantes pagavam regularmente a mafiosos pela coleta de lixo, o que também garantia proteção.
Nenhum prédio era erguido na cidade sem o fornecimento de concreto por empresas associadas aos mafiosos e aos sindicatos controlados por eles.
Conto estes causos paralelos para situar o contexto em que Pelé chegou aos Estados Unidos para desenvolver o mercado do futebol, bancado pela Warner, nos anos 70.
O conglomerado de mídia hoje controla da HBO à CNN.
Nova York, falida financeiramente naquela época, era uma esbórnia. Hoje transformado em uma Disney para turista ver, o Times Square tinha inferninhos, prostituição e tráfico de drogas.
Quando Pelé chegou a Nova York, estava tão quebrado quanto a cidade.
Imaginem o seguinte: a TV em cores só chegou ao Brasil com a Copa de 70, quando Pelé tinha trinta anos de idade!
Bicampeão mundial da Libertadores e de Clubes, dez vezes campeão paulista e seis brasileiro, 77 gols pela Seleção e 1.283 gols no total – nada disso foi suficiente para tornar Pelé milionário no nível dos que vieram depois.
Foi a TV que transformou o futebol num negócio altamente lucrativo e Pelé fez praticamente a carreira toda na fase que antecedeu as transmissões via satélite.
O dedo ruim para investimentos e os aproveitadores do entorno ajudaram. Pelé chegou ao Cosmos, time pelo qual estreou em 15 de junho de 1975, no vermelho.
Em livro, escreveu que seu contrato era de U$ 1 milhão anuais, durante sete anos, a salvação da lavoura.
Pelé disse “love, love, love” no Giants Stadium, ao se despedir mais uma vez do futebol, em 1977, numa partida entre o Cosmos e o Santos.
Amar, ele amou.
Amou numa casa de praia de East Hampton, onde promovia festas de arromba. Só que Pelé não fumava, não bebia, nem consumia drogas.
Palavra do Lulu, que fumava um Galois (a famosa marca de cigarro francesa) atrás do outro.
Lulu, o Luiz Alberto de Andrade, era fotógrafo da Manchete, morava em Paris e era um dos amigos mais próximos do Rei.
O namoro de Pelé com a apresentadora Xuxa, aliás, começou num estúdio de fotografia. Ela tinha 17 anos de idade e Pelé, 41, quando se encontraram para uma foto que saiu na capa da revista Manchete.
“Minha liberdade não tem preço”, dizia a manchete que acompanhava a foto de Pelé com quatro modelos, dentre elas Xuxa e Luíza Brunet.
Pelé, contam os amigos, teria se interessado por Brunet, que era casada. Acabou conquistando Xuxa.
Era um bom negócio para Pelé, que já não brilhava nos estádios; para Xuxa, que em 1983 estrearia como apresentadora de TV no Clube da Criança, da TV Manchete; e para a família Bloch, que vendia revistas explorando o casal inusitado para os padrões brasileiros.
Quando me tornei correspondente em Nova York, o atribulado romance entre os dois estava chegando ao fim, depois de seis anos.
Em entrevistas posteriores, Xuxa contou o óbvio. Disse que se apaixonou por Pelé, mas ele era infiel.
Lulu havia fotografado Pelé com Xuxa em Nova York, Paris e Berlim, sempre para a revista Manchete.
Nos anos 70 e 80, ele era um dos poucos com acesso irrestrito à casa de East Hampton, onde captou imagens nunca divulgadas de Pelé e sua turma.
Nos Estados Unidos, a hierarquia das praias não tem relação com beleza, mas com a frequência nas festas e coquetéis longe da areia.
East Hampton era pura badalação.
Pelé, àquela altura, era amigo do ex-secretário de Estado Henry Kissinger, nascido na Alemanha e apaixonado por futebol. Foi Kissinger quem levou Pelé para bater bola com o presidente Gerald Ford, num jardim da Casa Branca, em 1975.
Meu último encontro com Lulu foi, em retrospectiva, trágico. Eu estava em Paris cobrindo a Copa do Mundo da França, em 1998, e fui ver o primeiro jogo do Brasil, contra a Escócia.
De repente, dei de cara com o Lulu, que estava profundamente pálido.
Só mais tarde soube que batalhava contra um câncer. Morreu semanas depois.
Quando se aposentou do Cosmos, Pelé continuou na Warner, como garoto-propaganda de luxo.
Foi nessa condição que eu o entrevistei várias vezes na sede da Warner. Era o Sérgio Alberto ligar e Pelé sempre nos atendia.
Numa das gravações, lá estava a linda Marjorie Andrade, que também tinha saído na capa da revista Manchete e fez sucesso posteriormente como modelo e atriz em Nova York e Hollywood.
No período da entrevista, especulava-se que Pelé seria candidato à sucessão do presidente José Sarney.
Discurso, ele tinha.
“Pelo amor de Deus, olha o Natal das crianças, olha Natal das pessoas pobres, dos velhinhos cegos. Tem tantas instituições de caridade por aí. Pelo amor de Deus, vamos pensar nessas pessoas. Não vamos pensar só em festa. Ouça o que eu estou falando. É um apelo, pelo amor de Deus. Muito obrigado”, disse Pelé ao fazer o milésimo gol no Maracanã, em 1969.
Em 1977, ao deixar o futebol em Nova York, discursou:
“O amor é a coisa mais importante que podemos ter na vida. Todo o resto passa. Por favor, digam comigo três vezes: amor, amor, amor”.
Caetano Veloso achou lindo e eternizou a frase em música.
Duvido que Pelé tenha seriamente cogitado entrar na política.
A Warner abriu as portas para ele ganhar, no mundo, o que jamais tinha acumulado no Brasil: dólares.
Uma forma de espantar o fantasma que perseguiu incontáveis craques de sua geração, que envelheceram na miséria.
Como todo ex-atleta legendário, Edson vivia sob a sombra do ocaso, referindo-se ao Pelé na terceira pessoa e recolhendo-se no Dico, o menino de Bauru, na intimidade.
Guardadas as devidas proporções, era o general dos estádios de futebol em seu labirinto, como narrou Gabriel Garcia Márquez.
Pelé tateava na bruma da memória rapidamente ultrapassada pelo tempo das novas gerações.
É um atestado de suas conquistas em campo que a reunião de seus melhores momentos tenha sobrevivido a comparações.
O veterano que conheci em Nova York ainda era o principal marqueteiro de sua própria genialidade.
Presumo que quando músculos e reflexos de um atleta já não atendem mais ao requisito da vitória, a dor psíquica é imensa -- e a sede por amor e mais amor, insaciável.
Não por acaso, Pelé disse “love, love, love”.