O ex-atacante de Corinthians e São Paulo e atual comentarista esportivo, Walter Casagrande, se revoltou com o ‘auê’ da imprensa esportiva nacional em torno do recorde de Neymar como o maior artilheiro da história da seleção brasileira. Após marcar dois gols contra a fraca Bolívia, o craque da atualidade chegou aos 79 gols e teria ultrapassado o Rei Pelé que, de acordo com a Fifa, tem apenas 77 gols oficiais marcados pela seleção. No entanto, a entidade máxima do futebol excluiu 17 gols do Rei que considera terem sido marcados em jogos não oficiais.
Em artigo publicado no Uol, Casagrande discorreu sobre o que considera uma pequenez estatística e propôs que gols sejam contados não apenas de forma fria e numérica, mas sobretudo pelo calor da sua importância.
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“Para a Fifa, Neymar virou o maior artilheiro da história da seleção brasileira em jogos oficiais, ultrapassando Pelé (79 gols de Neymar ante 77 do Rei do Futebol). Essa parte da imprensa 'Neymarzete' fez um Carnaval, como se tivesse sido ele que marcou o gol contra a Itália, na decisão de 1970”, escreveu o ídolo.
Casão pondera que Neymar é um ótimo jogador, mas que apesar disso, jamais conseguiu ser nem aquilo que poderia, nem aquilo que a dita “imprensa neymarzete” diz que ele é. De fato, Neymar é o principal rosto de uma geração que fracassou não apenas em Copas do Mundo – incluindo o choroso e humilhante 7 a 1 em casa contra a Alemanha – mas também na Copa América perdida para a Argentina. Nesse sentido, Casão aponta que Neymar, assim como o zagueiro Thiago Silva, caso convocado para a Copa de 2026, pode bater a impressionante e frustrante marca de jogar 4 mundiais pela seleção brasileira, a mais vitoriosa da história, sem vencer nenhum.
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“Para quem tem dúvida, gols têm peso sim e muito. Os três gols que Pelé fez em finais, os dois gols que Ronaldo fez na decisão de 2002, os gols que Romário e Bebeto (principalmente contra EUA) anotaram em 1994, a bola na rede de Rivaldo contra a Bélgica e a de Ronaldinho Gaúcho diante da Inglaterra. Todos estes feitos pesam muito mais do que todos os gols que Neymar fez até agora com a camisa da seleção”, escreveu em outro trecho do artigo.
Para ilustrar o argumento, Casagrande faz a famosa metáfora do “leão” e do “gatinho”. Aponta que Pelé seria um leão, o Rei do Futebol, alguém que deixou sua marca não apenas com gols em finais de Copas do Mundo, como também, e dada a sua grandeza, pelos gols que não fez. Aí toma alguns exemplos, como o quase-gol do meio de campo, que seria inédito em Copas, contra a Tchecolosváquia em 1962; a cabeçada em 1970 que forçou o goleiro inglês Gordon Banks a fazer a maior defesa da história das copas; e, também em 1970, o gol perdido mais bonito da história, em que o Rei deu um impressionante drible de corpo no goleiro uruguaio, mas por uma ingratidão do destino errou o alvo logo a seguir.
Neymar, cujo único gol em decisões foi marcado contra a Espanha, em 2013, no Maracanã, pela Copa das Confederações, jamais seria lembrado como um “leão” na visão de Casagrande.
“O Neymar Jr é o "gatinho" da fábula do futebol que estou contando, porque de todos os gols que fez, nenhum deu um título à seleção brasileira principal, nem de Copa América e muito menos em Copas do Mundo — só balançou a rede na vitória por 3 a 0 sobre a Espanha, pela decisão da Copa das Confederações de 2013, aqui no nosso país. Enquanto Pelé fazia seus gols em finais, Neymar faz seus gols na Bolívia, Venezuela, Equador, Chile, Colômbia, Peru e Uruguai, visto que contra a Argentina também são raríssimos”, escreveu.
Realmente é muito frustrante para o torcedor brasileiro acostumado com as vitórias passar tantos sem ver uma seleção capaz de disputar entre as melhores do planeta. Se é culpa direta do Neymar ou não, isso é outro debate. Fato é que ele, sendo o jogador com mais qualidades esportivas dos últimos tempos, acaba se tornando o principal rosto desse momento horroroso da seleção nacional.
Mas Neymar ainda joga. E na noite desta terça-feira (12), às 23h, entra em campo em Lima contra a seleção do Peru pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2026. Será, em teoria, mais um jogo fácil do torneio classificatório, pelo qual é necessário passar para chegar ao mundial. É um dos passos para que Neymar consiga salvar sua biografia em termos de seleção brasileira. Será que daqui 3 anos ele finalmente provará ser um leão? Há quem duvide e há quem acredite.
Os gols de Pelé segundo a Fifa
Todos sabemos que ao longo de 18 anos jogando pelo alvinegro da Vila Belmiro, o Rei marcou 1091 gols em 1116 jogos. Somado a outras camisas, sobretudo da seleção, Pelé atingiu um total de 1282 gols em 1363 jogos - 58 deles em um único Campeonato Paulista, em 1958. Mas não é essa, exatamente, a contagem da FIFA.
Para o órgão máximo do futebol mundial, o Rei Pelé teria marcado apenas 767 gols e está em quarto lugar na artilharia histórica do esporte, atrás do baixinho Romário que também não marcou mil gols de acordo com a FIFA, mas 772. Em segundo lugar está o austríaco Josef Bican (805) e no topo o português Cristiano Ronaldo, com mais 800 gols. Ou seja, é como se aquele gol histórico de pênalti contra o Vasco da Gama em 1969, no Maracanã, que marcou seu milésimo tento, não tivesse acontecido.
A discrepância ocorre porque na contagem da FIFA não são computados os tentos marcados em jogos considerados amistosos ou festivos. Resumindo, a FIFA só valida os gols marcados em “jogo de campeonato”, como é costume dizer na gíria futeboleira. E entre os 517 gols subtraídos do Rei pelo FIFA, alguns são perfeitamente compreensíveis, como os 14 gols marcados pelo time das Forças Armadas e outros três pelo Sindicato dos Atletas, ambos em jogos festivos, mas que estão na chamada “contagem brasileira”.
No entanto, a maior parte dos gols retirados da contagem constam em 'amistosos sérios', digamos assim, em que o Santos excursionou para a Europa por diversas vezes e enfrentou clubes gigantes do futebol europeu. Podiam não ser ‘jogos de campeonato’, mas tinham um grande valor para todos os envolvidos.
Em excursão santista de 1959, por exemplo, Pelé marcou um gol na derrota por 5 a 3 para o Real Madrid do craque argentino Alfredo Di Stéfano no único embate entre ambos. Em outra partida daquela excursão, Pelé marcou quatro na goleada por 7 a 1 sobre a Inter de Milão e mais dois em outra goleada, dessa vez sobre o Barcelona, por 5 a 1.
Na década seguinte, o Santos priorizou a disputa do Campeonato Paulista e a realização dessas excursões. A Copa Libertadores da América, atualmente considerada uma obsessão por muitos clubes brasileiros, na época não era exatamente a prioridade, nem do Santos, nem de outros clubes. O próprio Santos, após vencê-la em 1962 e 1963, se irritou com as eliminações nas semifinais nos dois anos seguintes, marcadas por episódios polêmicos, e retirou o time do campeonato nas três edições posteriores, mesmo classificando-se para a disputa. Os altos custos da viagem e a bronca com o favorecimento a argentinos e uruguaios pesou na decisão santista.
À Revista Placar, José Macia, o Pepe, parceiro de Pelé e autor de 405 pelo Santos, explicou o abandono da Libertadores. “Os dirigentes achavam que não era interessante. Por questões financeiras, o Santos preferiu priorizar as excursões internacionais para conseguir bancar seus sete ou oito jogadores de seleção”. Realmente, naquele tempo os custos para disputar uma Libertadores ainda eram algo a ser pensado pelos grandes clubes brasileiros, diferente dos dias atuais em que não há qualquer problema, tanto pelo fato de que as viagens aéreas estão muito mais popularizadas do que 60 anos atrás, como pelos próprios clubes hoje serem donos de verdadeiras fortunas advindas de patrocinadores, televisão, entre outras fontes. Naquela época as fontes eram muito mais limitadas.