A Observa China, fundada em janeiro de 2020 por um grupo de jovens profissionais e estudantes, se auto define como uma "rede para qualificar o debate sobre a China em português".
No próximo sábado (2) terá início o curso Cobrindo a China - Ferramentas para a imprensa brasileira, on-line e gratuito, que prossegue até o dia 9 de dezembro. A atividade é dividida em seis sessões:
Sessão 1 - Caminhos para cobrir questões chinesas no Brasil: diplomacia cultural chinesa e influência da mídia. Com Igor Patrick, correspondente do South China Morning Post em Washington D.C (EUA); Paulo Menechelli, do Observa China; e Giovana Fleck, do Beijing's Global Media Influence (BGMI)
Te podría interesar
Sessão 2 - Investimentos chineses no Brasil. Com Tulio Cariello, do Conselho Empresarial Brasil China (CEBC)
Sessão 3 - BRICS e a nova ordem mundial. Com Karin Vazquez, da Observa China e do Center for China and Globalization (CCG)
Sessão 4 - A China na matriz energética brasileira. Com Laura Urrejola, da Universidade de Brasília (UnB)
Sessão 5 - Cooperação Sino-Brasileira para resiliência climática. Com João Cumarú, da Plataforma Cipó
Sessão 6 - Relações Brasil-China. Com Maurício Santoro, do Observa China
Recursos de entidade com atuação anti-China
O patrocínio deste curso para formar jornalistas e estudantes brasileiros na cobertura da potência asiática, de acordo com o material de divulgação disparado pela Observa China, é a Freedom House.
Essa entidade estadunidense foi fundada em 1941 para mobilizar formuladores de políticas e a opinião pública em torno da luta contra a Alemanha nazista.
Nas décadas seguintes, a Freedom House estabeleceu-se por meio de sua advocacia, programas e pesquisas como a principal organização dos EUA dedicada ao apoio e defesa da democracia em todo o mundo.
Nessa defesa da democracia, anualmente a Freedom House produz o relatório Freedom in the world (Liberdade no mundo, em tradução livre). Na edição de 2023, o documento aponta que "o regime autoritário da China tem se tornado cada vez mais repressivo nos últimos anos".
O relatório avalia que "o Partido Comunista Chinês (PCCh), que detém o poder, continua a apertar o controle sobre todos os aspectos da vida e da governança, incluindo a burocracia estatal, a mídia, a expressão online, as práticas religiosas, as universidades, as empresas e as associações da sociedade civil"
O líder do PCCh e presidente do Estado, Xi Jinping, garantiu um terceiro mandato como líder do partido em outubro de 2022, consolidando ainda mais seu poder pessoal, algo que não era visto na China há décadas. Após uma repressão de vários anos a dissidentes políticos, organizações não governamentais (ONGs) independentes e defensores dos direitos humanos, a sociedade civil na China foi em grande parte dizimada.
A Observa China se autodefine como uma rede que não adota posições institucionais em tópicos políticos enquanto organização e não tem vinculações político-partidária, ideológica, nem com grupos econômicos. "Somos independentes e guiados apenas pelo desejo do conhecimento."
O que diz a Observa China
Diante da aparente contradição entre a independência ideológica e a associação da rede com a Freedom House, conversei, por mensagem de texto, com o diretor institucional da Observa China, Thiago Bessimo.
Ele negou que haja conflitos éticos com o patrocínio desse curso de formação da Observa China com a Freedom House. Também explicou o processo para obtenção dos recursos da entidade estadunidense. Segundo ele, o co-fundador da rede, Igor Patrick, buscou a Freedom House para conseguir o patrocínio de dois mil dólares.
Outro questionamento que fiz foi em relação ao processo de seleção. Eu mesma fiz a inscrição e recebi uma resposta negativa. Embora a chamada para seleção não informasse os critérios nem que houvesse limitação de número de vagas, a resposta que recebi foi a que segue abaixo:
Propaganda anti-China patrocinada por Washington
Outra questão pertinente para compreender o patrocínio da Freedom House para formar quem escreve sobre a China no Brasil é a atual disputa pela hegemonia tecnológica entre as duas maiores potências globais
Em fevereiro de 2022, o Congresso dos EUA aprovou uma verba de 500 milhões de dólares para produção de cobertura negativa de notícias sobre a China.
Essa iniciativa foi incluída no America COMPETES Act centrada na China, que foi aprovada pela Câmara dos Representantes dos EUA no início de 2022.
A maior parte do fundo de meio bilhão de dólares será destinada à Agência dos EUA para a Mídia Global (USAGM), um serviço de mídia estatal que supervisiona a Voz da América (VOA), Rádio Livre Europa (RFE) e Rádio Ásia Livre (RFA), que têm um histórico de veicular notícias anti-China.
Bessimo não soube informar se a Freedom House recebe, ou não, recursos do America COMPETES Act. Ele recomendou que eu entrasse em contato com a entidade. Encaminhei um email para a assessoria de imprensa e aguardo resposta. Assim que houver, caso haja, incluirei neste texto.
Confira a entrevista na íntegra
Revista Fórum - A rede Observa China se apresenta como um grupo independente. No entanto, o curso 'Cobrindo a China', de acordo com material de divulgação, é patrocinado pela Freedom House. Essa organização estadunidense é notoriamente anti-China. Como conciliar essa contradição aos valores dessa comunidade?
Thiago Bessimo - A pergunta afirma erroneamente uma contradição entre os valores da Observa China e a realização de um curso com financiamento da Freedom House. Não há contradição. A Observa China não tem parceria ativa com a Freedom e recebeu dinheiro somente para cobrir com custos operacionais do curso. Segundo, a Observa China é uma associação sem fins lucrativos registrada em cartório com governança própria que não passa pelos interesses econômicos de organizações ou indivíduos fora dos quadros da associação. A Observa China opera com uma equipe voluntária desde 2020 e começou a receber doações mínimas somente este ano para cobrir custos operacionais como pagamento do domínio do site, anuidade do Zoom e custos para realização de suas atividades.
Revista Fórum - Como foi o processo que resultou no patrocínio da Freedom House para esse curso oferecido pela rede Observa China? Qual o valor?
Thiago Bessimo - O co-fundador da Observa China, Igor Patrick, entrou em contato com a equipe da Observa China para a criação de um curso para jornalistas. Reunimos um grupo de trabalho para montar o programa, incluindo professores, temas e o que mais achamos relevante. Feito isso, enviamos a proposta para a Freedom House buscando financiamento. Receberemos 2000 USD da Freedom House, em valor bruto a serem deduzidos impostos e taxas bancárias, para pagar a hora dos professores e custear o trabalho de organização do curso. O valor completo será disponibilizado na página de transparência no site.
Revista Fórum - É de conhecimento público que a Freedom House recebe recursos de Washington, inclusive do Departamento de Estado dos EUA. A entidade também recebe fundos do recém-aprovado America COMPETES Act?
Thiago Bessimo - Como representante da Observa China não posso responder pela administração da Freedom House, recomendo que entre em contato diretamente com a organização.
Revista Fórum - A Freedom House, inclusive, divulgou este ano o relatório Freedom World no qual afirma que "o regime autoritário da China tem se tornado cada vez mais repressivo nos últimos anos. O Partido Comunista Chinês (PCCh), que governa o país, continua a reforçar o controle sobre todos os aspectos da vida e governança, incluindo a burocracia estatal, a mídia, a expressão online, a prática religiosa, as universidades, as empresas e as associações da sociedade civil." Nesse contexto, a associação da Observa China a essa entidade já não confere um viés liberal e anti-China à formação de jornalistas e estudantes brasileiros na cobertura sobre a China?
Thiago Bessimo - Não. Todo o programa do curso foi criado de forma independente pela Observa China. Ao longo dos nossos quase quatro anos de história já realizamos e continuaremos a realizar atividades com os mais diferentes setores da sociedade e pontos de vista pró-China, anti-China, ou até que não busquem criar uma polarização artificial em torno de um país. Como evidenciado, jornalistas e estudantes brasileiros precisam de mais debates e contato com pessoas sérias, que discutam a China com base em evidências, que tenham tido experiência vivendo na China e estudando de forma qualificada o país. Em momento algum foi exigido que o conteúdo abordasse qualquer viés, pró ou anti-China. Todos os convidados são pesquisadores sérios, reconhecidos pelos pares na sinologia há anos. São próximos da Observa China e de dezenas de outras iniciativas da área.
Revista Fórum - O processo de seleção para o curso 'Cobrindo a China' não especificou número de vagas ou critérios. Todavia, na negativa para os interessados no curso são citados número de vagas limitado e critérios como gênero, raça, localização geográfica, idade e experiência. Não faltou transparência na chamada?
Thiago Bessimo - Creio que não. A seleção é categórica ao pedir nome completo, motivação e link ao perfil do LinkedIn. Assim, avaliamos os perfis com os dados recebidos e fizemos a seleção que julgamos mais pertinente para a realização do curso. A definição do número de vagas e o respectivo preenchimento foram determinados de maneira subjetiva pela Observa China e são informações confidenciais.