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Israel usa a mesma estratégia nazista do gueto de Varsóvia e Auschwitz: a fome como arma de guerra - Mauro Lopes

Fome como arma de guerra; punição coletiva; genocídio; limpeza étnica. O Estado racista de apartheid de Israel está pondo todo o cardápio nazista em ação na Faixa de Gaza

Crianças num campo de concentração e na Palestina: braços marcados.Créditos: Museu do Holocausto (EUA) / Reprodução
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Nota - as fotos que ilustram este artigo são aterrorizantes: na primeira, crianças mostrando seus braços marcados com números pelos alemães num campo de concentração nazista; na segunda, um menino palestino tem o braço marcado com seu nome para identificação se for morto por uma bomba israelense

 

A Oxfam é uma confederação de 19 organizações que atua em mais de 90 países nos temas da pobreza, desigualdade e injustiça. A entidade está em Gaza e, de lá, emitiu um alerta a todo o planeta: Israel está usando a fome como arma de guerra contra civis em Gaza. 

Na última terça (24), a entidade distribuiu um comunicado afirmando que apenas “dois por cento dos alimentos que teriam sido entregues entraram em Gaza desde o cerco total”. A organização não governamental e a ONU estimam que seriam necessários 100 caminhões por dia para minorar os efeitos do bloqueio israelense. No entanto, o governo Netanyahu permitiu apenas a entrada de 54 caminhões desde o sábado (21), quando eles começaram a entrar na Faixa de Gaza pela fronteira com o Egito: a fome, que rondava os palestinos, tornou-se realidade.

Sally Abi Khalil, diretora regional da Oxfam para o Oriente Médio, disse: “A situação é simplesmente horrível – onde está a humanidade? Milhões de civis estão sendo punidos coletivamente à vista de todo o mundo, não pode haver qualquer justificação para usar a fome como arma de guerra. Os líderes mundiais não podem continuar a ficar sentados e a observar, eles têm a obrigação de agir e de agir agora”.

Registre-se que uma punição coletiva, como a que Israel utiliza contra os palestinos em Gaza, é considerada crime de guerra desde a Quarta Convenção de Genebra, em 1949. O uso da fome como arma de guerra é igualmente vedado pela no Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 1949 relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Internacionais), de 1977, que afirma no item 1 do artigo 54º: “É proibido utilizar contra os civis a fome como método de guerra”. 

Mas Israel pisoteia todo o direito internacional e todas as deliberações da ONU desde sempre. 

A “solução final” do Estado de Israel para os palestinos

A fome, utilizada como arma israelense agora, foi instrumento da Alemanha nazista no gueto de Varsóvia (1940-43) e nos campos de concentração (1933-45). O objetivo era quebrar a vontade dos judeus e, em muitos casos, matá-los por ausência de comida. 

No novo gueto ou campo de concentração a céu aberto de Gaza, sob comando do Estado israelense, o objetivo não é diferente. Cortou-se a água, cujo fornecimento é controlado por Israel, impede-se a entrada de comida, de medicamentos e combustíveis, corta-se a energia elétrica; tudo para fazer os palestinos ajoelharem-se diante dos que pretendem, ao fim e ao cabo, eliminá-los.

O desejo de eliminar os palestinos ou, no mínimo, expulsá-los para o Egito, não é segredo. Várias autoridades israelenses manifestaram a intenção abertamente desde o início do massacre.

O primeiro foi o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, que na segunda-feira (09) anunciou o bloqueio total ao fornecimento de água, gás, combustíveis e alimentos à região palestina -tal qual os alemães fizeram no gueto de Varsóvia. “A ordem foi para se estabelecer o bloqueio total para a Faixa de Gaza. Não haverá eletricidade, nem comida, nem água, nem combustível, tudo fechado”, disse Gallant, sem relutar, em entrevista aos meios israelenses. O motivo lembra a retórica nazi contra os judeus: “Nós estamos combatendo contra animais humanos e estamos agindo em conformidade com esse contexto”.

Na mesma segunda, um pouco mais tarde, o ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, disse em palestra que “não existe algo como” o povo palestino. 

Aquele “amontoado de gente” que não é povo, que é um ajuntamento de animais, pode ser riscado do mapa. É o que Israel está executando em Gaza e, cada dia mais intensamente, na Cisjordânia ocupada.

Smotrich, por sinal, tem se notabilizado ao lado do ministro da Segurança Interna, Itamar Ben-Gvir, por advogarem algo como uma “solução final” para os palestinos -“Solução Final da Questão Judaica” (“Endlösung der Judenfrage”) foi o nome dado pelos nazistas para o projeto de aniquilamento dos judeus.

A alternativa da “limpeza étnica”

O massacre e extermínio palestino caminha ao lado de outra ambição israelense: expulsar os palestinos que sobrarem do genocídio para o Egito. Não é uma ideia solta ao vento. É um projeto articulado. O responsável pelo projeto da expulsão é o Misgav Institute for National Security & Zionist Strategy - veja aqui o site da instituição. O presidente do think tank é presidido por Meir Ben Shabbat, ex-assessor de Segurança Nacional de Netanyahu.

É um projeto explícito de “limpeza étnica” e que veio à luz em 17 de outubro, dez dias depois da ação do governo da Faixa de Gaza. Leia um trecho: “Há no momento uma oportunidade única e rara para realocação final de toda a população da Faixa de Gaza em coordenação com o governo egípcio”, diz trecho do relatório. Segundo o texto, a evacuação de Gaza atenderia a interesses geopolíticos dos Estados Unidos, Egito e Arábia Saudita, para além das aspirações israelenses. Você pode ler todo o projeto aqui (o texto está em hebraico, mas você pode usar um tradutor online, se o desejar).

Segundo o site Mondoweiss, que publicou a reportagem sobre o projeto israelente, “não é a primeira vez que surgem sugestões de uma limpeza étnica” por políticos ou acadêmicos. “No meio do ataque violento a Gaza em 2014, Moshe Feiglin, que era à época do Likud [partido de extrema direita a que pertence Benjamin Netanyahu] e vice-presidente do Knesset [Parlamento israelense], enviou a Netanyahu uma proposta pública de sete pontos para a limpeza étnica de Gaza. Ele repetiu a defesa genocida em 2018. Numa entrevista recente ao Canal 14, Feiglin exigiu  uma ‘Dresden’ em Gaza (referindo-se ao bombardeamento incendiário de Dresden na Segunda Guerra Mundial, em Fevereiro de 1945, matando cerca de 25.000 pessoas) – ‘uma tempestade de fogo em toda Gaza!’ ele proclamou, exigindo ‘não deixar pedra sobre pedra’ e enfatizando ‘fogo total!’ e ‘o fim dos fins!’.

Limpeza étnica e genocídio: diferenças

Não existe uma tipificação do crime de limpeza étnica. Os Tribunais Internacionais têm identificado a prática através de outros tipos de ilícito, como o crime de deportação ou transferência forçada –que implica na deslocação ilegal, expulsão, transferência ou retirada de pessoas do território em que residem, dentro ou fora do território nacional, sem qualquer motivo reconhecido.

O crime de deportação ou transferência forçada se encaixa no elenco de crimes contra a humanidade do Estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI) – corte que julga indivíduos que cometem crimes contra pessoas de maior gravidade em alcance internacional.

O crime de genocídio teve sua definição a partir do crime cometido pelos nazistas contra os judeus -é uma amarga ironia que o Estado de Israel esteja perpetrando o crime agora contra os palestinos

Em 1944, o advogado polonês Raphael Lemkin cunhou o termo “genocídio” em sua obra, “O Domínio do Eixo na Europa Ocupada”, para descrever os assassinatos sistemáticos do povo judeu na Europa pela Alemanha nazista. No ano seguinte, o termo foi utilizado no Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, que julgou os crimes cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Esse foi o primeiro passo para que, em 1948, a recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) aprovasse a Convenção para a Prevenção e Punição de Crimes de Genocídio, caracterizando o genocídio como crime de caráter internacional e o definindo como “atos cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. 

Você constatou que, apenas em um breve artigo, é possível identificar quatro gravíssimos crimes de guerra cometidos por Israel: genocídio, limpeza étnica, fome como estratégia deliberada e punição coletiva.

São quatro crimes de uma lista praticamente interminável cometida por um regime por um Estado racista, de apartheid.