Imagine a seguinte cena: você conhece uma pessoa, ela se apresenta para você, diz o nome dela, vocês convivem há mais de um mês 24 horas por dia, e ela ainda erra o seu nome. Situação pior do que essa é o que Lina, conhecida artisticamente por Linn da Quebrada, vem passando desde que entrou no "Big Brother Brasil 2022".
Na festa desta quarta-feira (24), Lucas errou novamente o pronome de Lina. Além de ter uma tatuagem na testa escrito "ela", a cantora já se referiu a si inúmeras vezes no feminino, e corrigiu muitas atitudes transfóbicas dos outros participantes.
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Logo no início do reality, Eslovênia a tratou de forma incorreta, invalidando a sua vontade e existência. Pedro Scooby, Rodrigo e Eliezer também tiveram atitudes transfóbicas, o que motivou um posicionamento do apresentador do BBB, Tadeu Schmidt.
No dia 23 de janeiro, ele pediu que Lina explicasse o motivo de sua tatuagem acima da sobrancelha e reforçasse como as pessoas deveriam se dirigir a ela.
“Eu fiz essa tatuagem por causa da minha mãe. Porque no começo da minha transição ou em parte da minha transição, a minha mãe ainda errava e me tratava no pronome masculino. Eu falei: ‘Mãe, ó, eu vou tatuar ‘ela’ aqui na minha testa para ver se a senhora não erra’”, disse a cantora na época.
"Não dá mais": Lucas erra novamente o pronome de Linn
Ontem, após mais um "deslize", Lina perdeu a paciência com Lucas. Ao convidar ela e Jessilane para dançar, o estudante de medicina falou "vocês dois". Ao ser alertado que havia errado o pronome da cantora, Lucas pediu desculpas diversas vezes à colega de confinamento. "Não dá mais para errar isso. Eu mereço, no mínimo, ficar chateada", rebateu Linn.
Depois, ele pediu para ficar ao lado dela, que recusou pois queria um tempo para refletir sobre o ocorrido. "Esse constrangimento não é meu", disparou a atriz. "É meu. Desculpa", respondeu o brother. Após ouvir diversos pedidos de desculpas, Linn disse a ele: "Eu posso até te desculpar, mas desse constrangimento eu não vou te aliviar. Não dá mais para errar isso."
Realmente, se um mês de convivência extrema, um lembrete na testa e diversos reforços não adiantaram, é difícil saber o que falta para a cisgeneridade* entender a gravidade que é errar o pronome de uma pessoa.
Para Lina, todas às vezes em que isso acontece, sua existência é ignorada. "Eu gritei aos quatro cantos que 'eu matei o Júnior' e ainda assim me chamam. Eu matei o Júnior para que eu pudesse viver. E quando vocês erram, vocês me matam mais uma vez", desabafou a cantora, em referência à sua música "Eu Matei o Júnior".
Com a voz embargada, a cantora falou sobre o assunto no confessionário nesta quinta-feira (24). "Ontem eu tive uma situação com o Lucas que acabou inclusive se desdobrando um pouco com algumas outras pessoas, em relação à troca do pronome que eu quero ser tratada. E o que me chamou a atenção é que já estamos na metade do programa, e a cada dia que passa eu sinto que é isso, quanto tempo mais eu vou amenizar o que eu estou sentindo, para tornar mais leve para o outro?", desabafou.
Já Eslovênia, que namora Lucas, pareceu não ter aprendido nada com os erros que vem cometendo durante o programa. Para ela, o mais importante é "aprender".
"Não é sobre nós dois, sobre o que você ou eu falamos. É sobre o que cada um sente. Lembre-se: errar não é ruim, não! Errar é bom! Seja com um pronome, seja um julgamento, o jogo...", disse a modelo para Lucas.
Bom para quem? Até quando a dor de pessoas trans vai servir de "aprendizado" para o restante? Até quando a existência de Lina será ignorada para que os outros se sintam bem?
Brasil, o país que mata mais pessoas trans no mundo
Quem tem o mínimo de convivência com pessoas trans sabe como é comum passar dia após dia repetindo o pronome correto para várias pessoas. É cansativo, e falta reflexão por parte das pessoas cisgêneras do quanto isso é grave - e falo isso do meu local de fala como mulher cis.
Eslovênia, Lucas, Scooby, Rodrigo representam o retrato de um país transfóbico e que ainda tem muito a evoluir em questões de gênero. Não é a toa que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo (entre aqueles que contabilizam).
Pelo menos 125 travestis, homens e mulheres trans foram assassinadas devido a sua identidade de gênero entre outubro de 2020 e setembro de 2021 no Brasil. Os dados são do projeto Transrespect versus Transphobia Worldwide (TvT) da ONG Transgender Europe (TGEU).
Isso significa que 33% dos assassinatos de pessoas trans que ocorreram no mundo foram no Brasil, quase o dobro do segundo colocado - o México - com 65 registros. Ao se sentirem à vontade de ter atitudes transfóbicas no reality show mais assistido do país, os participantes corroboram com esses dados, e legitimam a violência diária pela qual passam as pessoas trans.
Errar o pronome de alguém não é ok, e deveria ser comum perguntar "quais são os pronomes que você usa" ou prestar atenção na forma como a pessoa se refere a ela mesma. Porém, se isso acontecer, não fique se desculpando sem parar, se justificando ou comentando com os outros. Peça desculpas, reflita e, principalmente, se policie (muito) para não cometer o mesmo erro.
* Cisgeneridade é a condição da pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento
** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.