Segunda pessoa trans e primeira travesti a participar do Big Brother Brasil, Linn da Quebrada foi vítima de transfobia nas primeiras horas de programa ao ser chamada pelo pronome errado por Eslovênia.
Linn tem uma tatuagem na testa escrito "ela" e se apresentou para todos na casa como Lina, além de ter falado inúmeras vezes no feminino ao se referir à sua pessoa. Aparentemente, nada disso impediu que a outra participante a tratasse de forma incorreta, invalidando a sua vontade e existência.
Eslovênia também teve uma atitude muito comum à cisgneridade*: em vez de se desculpar pelo erro e seguir em frente, ela foi comentar sobre o assunto com várias pessoas na casa, dizendo que "foi automático" e elogiando a atitude de Linn ao apenas corrigi-la.
Nas redes sociais, muitas pessoas comentaram que o erro foi proposital. Intencional ou não, é fato que as pessoas cisgêneras ainda têm muito a refletir - e falo isso do meu local de fala como mulher cis. Ao sair contando para os outros sobre sua atitude transfóbica, Eslovênia tenta justificar-se e sentir-se melhor consigo mesma.
Mais do que isso, chama a atenção o fato dela ter "elogiado" Linn por apenas corrigi-la. Quem tem o mínimo de convivência com pessoas trans sabe como é comum passar dia após dia repetindo o pronome correto para várias pessoas. Ao falar isso, o que aparenta é que, se a cantora tivesse tido uma atitude mais explosiva, seria o prato cheio para chamá-la de violenta, intolerante e, assim, alimentar ainda mais a transfobia.
Brasil, o país que mata mais pessoas trans no mundo
O bolsonarista Rodrigo foi ainda mais além ao fazer uma "piada" extremamente violenta e utilizar o termo "traveco", uma forma pejorativa de se referir a pessoas trans. Ao ser repreendido por outros participantes - Vyni disse para ele não usar essa palavra e Maria afirmou que o que ele falou "não foi legal" - ele se desculpou e respondeu que "não sabia".
Detalhe é que, na mesma noite, Linn havia feito uma apresentação emocionante sobre ser um “fracasso” por não ser homem nem mulher, mas sim travesti. “Sou contraditória, complexa, trabalho com o erro, a falha, o fracasso. Eu fracassei. Sou o fracasso de tudo aquilo que esperavam que eu fosse, não sou homem, nem sou mulher, sou travesti“, disse a cantora.
Eslovênia e Rodrigo representam o retrato de um país transfóbico e que ainda tem muito a evoluir em questões de gênero. Não é a toa que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo (entre aqueles que contabilizam).
Pelo menos 125 travestis, homens e mulheres trans foram assassinadas devido a sua identidade de gênero entre outubro de 2020 e setembro de 2021 no Brasil. Os dados são do projeto Transrespect versus Transphobia Worldwide (TvT) da ONG Transgender Europe (TGEU).
Isso significa que 33% dos assassinatos de pessoas trans que ocorreram no mundo foram no Brasil, quase o dobro do segundo colocado - o México - com 65 registros. Ao se sentirem à vontade de ter atitudes transfóbicas no reality show mais assistido do país, Rodrigo e Eslovênia corroboram com esses dados, e legitimam a violência diária pela qual passam as pessoas trans.
Errar o pronome de alguém não é ok, e deveria ser comum perguntar "quais são os pronomes que você usa" ou prestar atenção na forma como a pessoa se refere a ela mesma. Porém, se isso acontecer, não fique se desculpando sem parar, se justificando ou comentando com os outros. Peça desculpas, reflita e, principalmente, se policie (muito) para não cometer o mesmo erro.
* Cisgeneridade é a condição da pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento
** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.