FIM DO MUNDO

Morre o pai da arma mais destrutiva já criada — e que passou a vida tentando contê-la

Richard Garwin, físico que desenhou a primeira bomba de hidrogênio, morre aos 97 anos em meio a alerta global recorde de risco nuclear

Escrito em História el
Jornalista que atua em Brasília desde 1995, tem experiência em redação, em comunicação corporativa e comunicação pública, em assessoria de imprensa, em produção de conteúdo, campanha política e em coordenação de equipes. Atuou, entre outros locais, no Governo Federal, na Presidência da República e no Ministério da Justiça; no Governo do Distrito Federal, na Secretaria de Comunicação e na Secretaria de Segurança Pública; e no Congresso Nacional, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados e na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO).
Morre o pai da arma mais destrutiva já criada — e que passou a vida tentando contê-la
Morre o pai da arma mais destrutiva já criada — e que passou a vida tentando contê-la. Richard Garwin, físico que desenhou a primeira bomba de hidrogênio, morre aos 97 anos em meio a alerta global recorde de risco nuclear. Fotomontabem Wikipedia

Richard L. Garwin, físico teórico dos Estados Unidos e um dos responsáveis pelo desenvolvimento da bomba de hidrogênio, a arma mais destrutiva já criada pela humanidade, morreu no último dia 13 de maio, aos 97 anos. Em 1951, aos 23 anos, ele desenhou o projeto da primeira bomba H, testada em 1952 com potência mil vezes superior à da bomba lançada sobre Hiroshima. A explosão vaporizou um atol do Pacífico e inaugurou a era do terror termonuclear.

Ao contrário de muitos cientistas da era atômica, Garwin jamais celebrou o feito. Pelo contrário: passou o restante da vida tentando conter sua própria criação. Manteve seu papel em segredo por décadas e atuou nos bastidores para impedir que a tecnologia que ajudou a desenvolver levasse o mundo à destruição.

Conselheiro científico de 13 presidentes dos Estados Unidos — de Dwight Eisenhower (1953–1961) a Donald Trump (2017–2021 e novamente desde 2025) —, Garwin influenciou decisões cruciais sobre segurança global. Participou da suspensão de testes nucleares em órbita com John F. Kennedy (1961–1963), colaborou com os tratados SALT sob Richard Nixon (1969–1974) e foi peça-chave na defesa do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares durante o governo de Bill Clinton (1993–2001). Também contribuiu com iniciativas nas áreas de controle de armas, vigilância via satélite, física médica, supercondutividade e computação.

Em 2016, foi agraciado com a Medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta honraria civil dos EUA, concedida pelo então presidente Barack Obama (2009–2017). Garwin sustentava que a criação da bomba H era inevitável — mas assumiu como responsabilidade pessoal mitigar seus riscos. “Se pudesse fazer a bomba desaparecer com um estalar de dedos, eu faria”, declarou certa vez. Até o fim da vida, alertava que o maior perigo não era o poder da bomba, mas a possibilidade de erro humano, roubo ou uso indevido em um mundo instável.

89 segundos para a meia-noite

O alerta de Garwin segue mais atual do que nunca. Em janeiro de 2025, o Bulletin of the Atomic Scientists ajustou o Relógio do Juízo Final para 89 segundos antes da meia-noite — o menor intervalo simbólico já registrado desde a criação do relógio, em 1947.

A "meia-noite" representa o colapso civilizacional causado por ações humanas — como guerra nuclear, colapso climático, pandemias artificiais ou inteligência artificial descontrolada.

A atualização reflete uma escalada sem precedentes nas tensões geopolíticas e nucleares:

  • Rússia x Ucrânia: Com a continuidade da guerra iniciada em 2022, Vladimir Putin suspendeu o tratado New START e anunciou o envio de ogivas nucleares à Bielorrússia. Em 2024, a Rússia utilizou mísseis balísticos contra alvos ucranianos, elevando o risco de uma escalada nuclear.
     
  • China: Ampliou seu arsenal para cerca de 600 ogivas e, em setembro de 2024, realizou seu primeiro teste de míssil intercontinental no Pacífico desde 1980. Apesar de propor um tratado de “não primeiro uso” de armas nucleares, sua iniciativa foi ignorada pelas demais potências.
     
  • Irã e Israel: Desde abril de 2024, os dois países trocaram ataques com drones e mísseis, aumentando o risco de bombardeios a instalações nucleares. Segundo os EUA, o Irã está a semanas de produzir material suficiente para uma bomba atômica.
     
  • Coreia do Norte: Declarou intenção de “expandir exponencialmente” seu arsenal, que já conta com cerca de 50 ogivas. Iniciou operações em um novo reator e revelou uma segunda instalação de enriquecimento de urânio.
     
  • Estados Unidos: Deixaram de liderar os esforços de contenção nuclear. Com a volta de Trump à presidência, o país intensificou a modernização do seu arsenal — o mais caro do mundo — e demonstrou disposição para investir em novas ogivas e em estratégias de dissuasão nuclear.

Risco de guerra nuclear no sul da Ásia

Em maio de 2025, o mundo assistiu a mais uma escalada preocupante entre Índia e Paquistão, após um ataque terrorista em Pahalgam, que matou 26 turistas hindus. O governo indiano responsabilizou grupos militantes apoiados pelo Paquistão e lançou a Operação Sindoor, com ataques aéreos contra alvos paquistaneses. Em retaliação, o Paquistão iniciou a Operação Bunyan al-Marsus, utilizando drones e mísseis contra cidades indianas.

O conflito durou quatro dias, deixando ao menos 44 mortos, inclusive civis. Um cessar-fogo foi acordado em 10 de maio, mas denúncias de violações por ambos os lados mantêm a tensão elevada. Especialistas alertam que um conflito nuclear limitado entre os dois países — que possuem arsenais significativos — poderia causar até 2 bilhões de mortes por efeitos climáticos associados a um "inverno nuclear".

A corrida armamentista e a ameaça invisível

Além da proliferação e modernização de arsenais, cresce a preocupação com o uso de inteligência artificial em sistemas de comando e controle nuclear. Especialistas alertam que decisões automatizadas, sem supervisão humana adequada, aumentam os riscos de falhas catastróficas.

A suspensão de tratados como o New START e os rumores de possíveis retomadas de testes nucleares por Estados Unidos, Rússia e China indicam o esvaziamento dos mecanismos de contenção global. A janela para evitar uma nova corrida armamentista está se fechando rapidamente.

Quem pode ter bomba atômica? Quem tem? E por quê?

O Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), em vigor desde 1970, reconhece apenas cinco países como possuidores legítimos de armas nucleares: Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido — todos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Esses países testaram armas antes de 1967 e, em troca do direito à posse, assumiram o compromisso de buscar o desarmamento e permitir o uso pacífico da energia nuclear por outros Estados.

Atualmente, nove países possuem arsenais nucleares, embora nem todos sejam reconhecidos oficialmente pelo TNP:

  • Estados Unidos: cerca de 5.244 ogivas. É um dos cinco Estados reconhecidos oficialmente pelo TNP como possuidores legítimos de armas nucleares.
     
  • Rússia: aproximadamente 5.889 ogivas. Também reconhecida oficialmente pelo TNP e detentora do maior arsenal nuclear do mundo.
     
  • China: cerca de 410 ogivas. Outro Estado nuclear oficial segundo o TNP.
     
  • França: possui em torno de 290 ogivas. Também faz parte dos cinco Estados nucleares oficiais do tratado.
     
  • Reino Unido: cerca de 225 ogivas. Estado reconhecido pelo TNP.

Além dos cinco reconhecidos, quatro outros países também detêm armas nucleares, mas estão fora do escopo legal do tratado:

  • Índia: aproximadamente 164 ogivas. Nunca aderiu ao TNP.
     
  • Paquistão: cerca de 170 ogivas. Também está fora do tratado.
     
  • Israel: estima-se que possua cerca de 90 ogivas, embora o país nunca tenha confirmado oficialmente seu programa nuclear e nunca tenha assinado o TNP.
     
  • Coreia do Norte: cerca de 50 ogivas. O país retirou-se formalmente do TNP em 2003 e vem realizando testes desde 2006.

Entre os países que assinaram o TNP como “não-nucleares” — incluindo Brasil, Argentina, África do Sul e nações da América Latina, África e Sudeste Asiático — há a proibição legal de desenvolver, adquirir ou abrigar armas atômicas.

Legado e advertência

Richard Garwin representou uma geração de cientistas que enfrentou o dilema ético de criar instrumentos de destruição em massa e, ao mesmo tempo, tentar contê-los. Ele rejeitou o estrelato, preferindo atuar nos bastidores, e consagrou sua vida à missão de reduzir os riscos de uma catástrofe nuclear.

Morreu como símbolo de uma era que misturou genialidade científica, poder destrutivo e responsabilidade moral. Seu legado é um lembrete urgente: a ciência pode tanto construir quanto salvar, e seu uso ético é o verdadeiro teste da humanidade.

 

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