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O passado bizarro e obscuro dos casamentos ingleses que quase ninguém conhece

Poucos sabem dessa tradição curiosa na Inglaterra pós Idade Média que consistia em maridos, literalmente, venderem suas esposas

Escrito em História el
Historiadora e professora, formada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Escreve sobre história, história politica e cultura.
O passado bizarro e obscuro dos casamentos ingleses que quase ninguém conhece
A venda de esposas era uma prática por vezes humilhante ou consentida pela mulher. Wikipédia

Antes que o divórcio fosse legalmente aceito e socialmente normalizado, o casamento era visto como um contrato quase inquebrável — uma instituição sagrada, especialmente em contextos religiosos. No entanto, durante séculos, a realidade para muitas mulheres na Inglaterra foi marcada por práticas que hoje seriam consideradas impensáveis. Entre elas, a venda de esposas.

O casamento como propriedade

Na sociedade inglesa dos séculos XVIII e XIX, as mulheres eram frequentemente tratadas como propriedade de seus maridos após o casamento. Essa visão legal e social dificultava (ou mesmo impossibilitava) a separação formal, já que o divórcio era restrito à elite e envolvia custos altíssimos, além de uma longa batalha judicial.

Diante desse cenário, surgiu uma prática informal: a venda de esposas. Os maridos, ao desejarem se desfazer da "obrigação" do casamento, levavam suas esposas a mercados públicos, muitas vezes com uma corda amarrada ao pescoço, braço ou cintura — como se fossem animais — para vendê-las ao maior (ou mais conveniente) interessado.

Nem sempre contra a vontade

Apesar do tom chocante, nem todas essas vendas eram forçadas. Algumas mulheres consentiam com a venda, vendo nela uma oportunidade de escapar de casamentos infelizes e, às vezes, até de começar uma nova vida com um homem de sua escolha. Outras, no entanto, não tinham opção e eram trocadas como mercadorias, reforçando a vulnerabilidade legal e social da mulher na época.

Em alguns casos, as mulheres combinavam previamente a venda com o novo parceiro, e o evento no mercado era apenas uma formalidade simbólica para dar aparência de legalidade à transação.

Ilustração de venda de esposa em 1820
(foto: wikipédia)

Curiosamente, a prática não era reconhecida oficialmente pela lei inglesa, mas em muitos lugares era tolerada pelas autoridades locais, especialmente em áreas rurais. Os mercados — locais de venda de gado e alimentos — tornaram-se também palco dessas transações conjugais. A população assistia com curiosidade ou indiferença, e há registros históricos em jornais e ilustrações da época que documentam esses eventos com certo grau de naturalidade.

O declínio da prática

Com o passar do tempo, especialmente a partir da segunda metade do século XIX, as mudanças legais e sociais começaram a transformar a realidade das mulheres na Inglaterra. O Matrimonial Causes Act de 1857 tornou o divórcio mais acessível à população em geral. As reformas legais e a luta pelos direitos femininos contribuíram para o gradual desaparecimento da venda de esposas, embora registros ainda tenham sido encontrados até o início do século XX.

A venda de esposas é um episódio sombrio e, muitas vezes, ignorado da história britânica. Ela nos lembra como o casamento — uma instituição muitas vezes idealizada — já foi usado como instrumento de dominação e desigualdade. A normalização do divórcio e os avanços dos direitos das mulheres são conquistas recentes, construídas sobre séculos de lutas e abusos.

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