LUCAS MESQUITA
Quando li a notícia de que Flávio Dino iria à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara para responder a questionamentos de deputados bolsonaristas, pensei: ele vai jogar xadrez com pombo. A oposição vai cagar no tabuleiro, derrubar as peças e sair voando de peito estufado cantando vitória.
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Mas foi um passeio no parque para o ministro da Justiça. Com um pouco de deboche e muito de verdade, que é o que importa, Dino respondeu calmamente sobre cada questão, calando os bolsonaristas um a um, exceto um ou outro que gritava, mas ninguém ouvia.
Eu estava lá e vou contar minhas impressões sobre essa tarde que prometia entretenimento e entregou aulas de como tratar a extrema direita.
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Invertida
Um dos lunáticos, o deputado cearense André Fernandes, repetiu a falsa ladainha dos supostos elos entre o PCC e o PT. Tomou uma lapada do ministro e foi dormir de couro quente. Dino lembrou que o parlamentar é investigado no STF pelos atos terroristas de 8 de janeiro. Ainda disse que vai usar a burrice do deputado bolsonarista como exemplo em sala de aula, referindo-se a uma confusão que Fernandes fez com o site Jusbrasil. Com vergonha, o parlamentar não abriu mais a boca.
Tigrões na internet, tchutchucas na vida real
Os deputados Eduardo Bolsonaro e Deltan Dallagnol passaram a semana inteira instigando seus seguidores nas redes sociais para o grande embate com o ministro. O ex-procurador, ex-palestrante e parça de Sergio Moro chegou a pedir para as pessoas mandarem perguntas para ele fazer para Dino. Realidade: o fritador de hambúrguer entrou mudo e saiu calado e Deltan saiu de fininho, sem ninguém perceber.
Janonismo cultural
São mais de dez anos apanhando da extrema direita nas redes sociais. Mas André Janones mostrou no ano passado que a solução é fazê-los provarem do próprio veneno. Ver esse craque em campo foi um dos pontos altos da tarde. Como dizem nas redes, ele entra na mente dos bolsonaristas, que ficam nervosos porque sabem que perderam a hegemonia das próprias práticas.
Um “Vai, chupetinha” ali, um “ladrão de Rolex” acolá, e o parlamentar mineiro deixa todos os bolsonaristas histéricos. A frase que mais ouvi ontem foi “Quem falou isso?”. Quem diria que uma das melhores formas de combater os bolsonaristas na rede seria com a mesma tática de quinta série deles?
No dia seguinte, quarta-feira 29, Janones voltou à carga, assumindo ter sido ele quem falou "vai, chupetinha" e chamando os bolsonaristas de "frouxos".
Conja
A deputada Rosângela Moro parece ter a mesma desenvoltura e capacidade cognitiva do marido – e uma voz tão irritante quanto, senão pior. É que o deputado Lindbergh Farias citou em sua fala o depoimento do advogado Tacla Duran, que acusou o advogado Carlos Zucolotto, padrinho do casal e ex-sócio de Rosângela, de cobrar propina pra ter vantagens em delação premiada no âmbito da Lava Jato. Ela se sentiu ofendida e pediu direito de resposta. O presidente da CCJ, Rui Falcão, com razão, indeferiu o pedido. Afinal, não houve ofensa alguma. Foi só ela acusando o golpe mesmo.
Em outro embate com Lindbergh, Rosângela, com aquele tom moralista no estilo “quem não te conhece que te compre”, interpelou o deputado, que havia dito que a Polícia Federal do governo Lula havia agido pra proteger um adversário político, referindo-se a Sergio Moro. Rosângela então afirmou o óbvio, que a PF é uma instituição de Estado, não de governo, mas acabou levantando a bola para Lindbergh cortar: "Seu marido disse que foi [a PF] aparelhada no governo Bolsonaro. Foi seu marido que disse”.
Ramagem bolado
Falando em interferência na Polícia Federal, lembrei de Alexandre Ramagem. Ao responder ao agora deputado Ramagem, Flávio Dino disse que não lembrava o nome do parlamentar, e depois perguntou se era "aquele da polícia". Ao final da sessão, saindo da CCJ, vi que o deboche do ministro deu resultado. Flagrei Ramagem conversando com assessores, visivelmente chateado. “Ele sabia que era eu, sim. Fez de propósito”.
Repugnantes com orgulho
Um dos questionamentos da extrema direita foi uma reunião do ministro com líderes comunitários do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Dino bateu sem pena nos representantes da extrema direita: “Quando chega a época de campanha eleitoral todos lembram de ir às favelas e periferias, e ninguém pergunta se ali tem crime organizado ou não. É uma tentativa vil de criminalizar não o ministro da Justiça, mas aquela população. Com isso não posso concordar, é como se fossem todos criminosos, mas não são. É um preconceito contra pessoas pobres, contra quem mora em bairro popular”.
Mas, como era de se esperar, alguns deputados, com orgulho de ser repugnantes, continuaram a destilar seus preconceitos, dando a entender que, para eles, na favela só tem bandido. Não faltaram acusações de que Dino fez acordo com o Comando Vermelho para poder entrar na comunidade. Serão todos processados, como deve ser.
A imunidade parlamentar é constantemente usada para cometer crimes, e isso deve ser combatido.
*Lucas Mesquita é cineasta e dirigiu, junto com seu irmão Gabriel Mesquita, o documentário Eles Poderiam Estar Vivos, sobre a sabotagem bolsonarista ao combate à pandemia de covid-19.