Uma das desgraças mais amargas que se abateu sobre a sociedade brasileira, nos últimos anos, foi a hegemonia do sentimento antipolítica.
Não há civilização, dignidade humana, paz e, sobretudo, democracia sem que a Política, com P maiúsculo, seja respeitada como o único instrumento pelo qual os seres humanos resolvem seus dilemas e conflitos.
Entretanto, para que a política ocupe esse lugar central no debate público, é necessário um entendimento mínimo entre as pessoas. Esse entendimento pressupõe, sobretudo, a disposição de ouvir o argumento contrário, com benevolência e imparcialidade.
Mas não apenas isso. A Política se materializa no discurso, em texto, gesto, voz, do cidadão. Sem esse ato de comunicação, ela ainda não pode ser considerada como um fenômeno político. Antes da comunicação, a Política é apenas uma ideia, sem o incrível poder de transformar o mundo, poder que ela adquire sempre que escapa do silêncio do espírito e ganha vida.
Para que ela, a Política, deixe de ser apenas uma ideia e se torne o que ela é, um poder, ou seja, para que dê a luz a si mesma, é necessário coragem, integridade e clareza.
Para nascer, portanto, a Política precisa de um ser humano digno de sua paternidade. Ecce homo. Nesta terça-feira, 28 de março de 2023, assistimos ao depoimento de Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública, com o prazer com que, outrora, atenienses ouviam Demóstenes.
Ao se dirigir aos deputados, Flávio Dino usou técnicas da ironia e discurso moral de um Padre Antônio Vieira, da lógica cartesiana de um John Locke e da maestria sintática de um Machado de Assis.
Testemunhamos, por fim, o triunfo da Política (compreendida aqui em sua mais alta acepção) sobre a baixeza, a ignorância, o oportunismo.
Dino enterrou, por exemplo, apenas com sua verve — essa virtude máxima do estilo, em que se reúnem as qualidades superiores do humor, elegância e inteligência —, um rol de narrativas infames, patéticas, mentirosas, do bolsonarismo.
Entretanto, seria um grande erro atribuir o sucesso de Flávio Dino, durante a audiência na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), apenas à sua virtuose retórica. Ou, antes, é sempre bom recordar a lição de Aristóteles, em sua Arte Retórica, de que "aquilo que é verdadeiro e naturalmente melhor presta-se melhor ao silogismo e está mais sujeito à persuasão". Ou seja, apesar de a política ter a má fama, infelizmente com razão, de abrigar uma variedade imensa de picaretas, capazes de inventar e mentir com a facilidade de quem bebe um copo d'água, a "vantagem estratégica" de estar ao lado da verdade e da justiça é sempre um trunfo importante.
É o caso de Flávio Dino. O que ele fazia na audiência da CCJ? Quais os pontos vulneráveis de sua gestão que a oposição poderia atacar? Dino já sabia quais eram, e veio armado até os dentes com argumentos tão poderosos quanto simples.
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), conhecido por um apelido curioso, fez a mesma pergunta que diversos outros parlamentares já haviam feito, repetidamente. Na verdade, mais que uma pergunta, Nikolas e outros deputados tentam um ataque desesperado ao mais primário bom senso, criando uma realidade paralela em que o movimento bolsonarista, do qual eles mesmos são lideranças, não tem responsabilidade pelo que fazem seus próprios membros. Algo assim: milícias nazistas percorriam as ruas de Munique e Berlim depredando lojas, espancando judeus, asiáticos e negros, promovendo todo tipo de violências, mas a culpa não é do movimento nazista, e sim do governo social-democrata, que era "omisso"... Tampouco a culpa era de Hitler, embora o líder nazista promovesse diariamente ódio, sectarismo e extremismo em seus discursos.
Ora, não seria difícil para um orador menos talentoso que Dino responder às "acusações" ridículas dos parlamentares bolsominions, segundo as quais a culpa pelo 8 de janeiro seria, em verdade, das vítimas, ou seja, do governo atacado, e não das lideranças políticas que, com sua pregação antidemocrática (para não mencionar seu financiamento ativo), fomentaram uma insurreição de caráter explicitamente fascista.
Mas Dino é Dino, quiçá o mais talentoso orador vivo hoje no Brasil, e transformou o que a oposição achava que seriam momentos de constrangimento para ele num espetáculo de argumentos sólidos em defesa do governo Lula e contra as falácias e crimes das lideranças de oposição, em especial contra o "Il Duce" do eixo Miami-Barra da Tijuca, o líder terrorista dos milicianos, o "mito" dos fascistas de pijama, o ex-presidente Jair Bolsonaro.