CAPITALISMO E MONOPÓLIOS

Ozempic, Wegovy e a ganância da indústria farmacêutica

Tidos como alguns dos "remédios da moda", medicamentos ilustram como a sede por lucros da indústria farmacêutica e o sistema internacional de patentes trazem prejuízos à sociedade

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Originalmente utilizado para tratamento de diabetes, o Ozempic, medicamento da empresa farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, logo se tornou um fenômeno global ao ser usado como um remédio para perda de peso. Em função do sucesso, a fabricante em seguida lançou o Wegovy, com o mesmo princípio ativo, a semaglutida, mas com uma dose maior.

Deu certo para a companhia, que, em setembro de 2023, passou a ter um valor de mercado maior que o PIB de seu país-sede, a Dinamarca, se tornando a empresa mais valiosa da Europa então, superando a LVMH, que engloba 75 marcas de luxo como a Dior e Louis Vuitton.

A maior parte dos lucros da Nordisk só é possível graças ao sistema de patentes, supostamente moldado para proteger a competição e incentivar a inovação na indústria, mas que, na prática, cria monopólios prejudiciais à economia e à sociedade. A maioria dos medicamentos bem-sucedidos são protegidos por dezenas de patentes que abarcam desde ingredientes até processos de fabricação. Assim, os fabricantes de medicamentos genéricos só podem produzir as suas próprias versões se as patentes tiverem expirado ou se forem contestadas judicialmente.

No final de abril, o senador estadunidense Bernie Sanders anunciou o início de uma investigação por parte da Comissão de Saúde, colegiado que lidera no Senado de seu país, sobre os preços considerados abusivos cobrados pela farmacêutica nos Estados Unidos.

"Não há nenhuma razão racional, além da ganância, para a Novo Nordisk cobrar dos americanos quase 1.000 dólares por mês pelo Ozempic, quando custa menos de 5 dólares para o fabricar e pode ser comprado na Alemanha por apenas 59 dólares. A Novo deve reduzir substancialmente o preço do Ozempic nos EUA agora", disse Sanders.

O governo Biden, por meio da Comissão Federal de Comércio, notificou diversas empresas também em abril, entre elas a fabricante do Ozempic e Wegovy, para justificarem listagens de patentes tidas como inadequadas ou fraudulentas. "Ao apresentar listas de patentes falsas, as empresas farmacêuticas bloqueiam a concorrência e inflacionam o custo dos medicamentos prescritos, forçando os americanos a pagar preços altíssimos pelos medicamentos dos quais dependem”, pontuou Lina M. Khan, presidenta da Comissão

Patentes e exclusão

O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS), assinado pelos países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1994, vinculou todos os signatários do tratado internacional à obrigação de conceder patentes em setores que incluem medicamentos e vacinas. No entanto, como quase todo acordo realizado na área, os países mais pobres saíram em desvantagem.

São poucas as companhias que dominam o setor farmacêutico. Em entrevista concedida em 2021, o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão destacava que "90% do mercado de vacinas no mundo é controlado por cinco empresas", o que se mostrou especialmente danoso na pandemia.

Neste período, aliás, a indústria lucrou com o desenvolvimento de imunizantes contra a Covid-19 e, mesmo contando com vultosos investimentos públicos, faturaram por meio da propriedade intelectual do que foi produzido.

"O Ozempic, por exemplo, poderia custar apenas 57 dólares por ano e seu fabricante, Novo Nordisk, ainda obteria lucro. Em vez disso, está sendo vendido nos EUA por impressionantes 11.600 dólares por ano. Esses preços não só distanciam esses medicamentos das pessoas de baixa renda que lutam para controlar seu peso, mas também das mãos dos diabéticos, para quem foram originalmente destinados", aponta a jornalista Sonali Kolhatkar, no CounterPunch.

A perpetuação de um sistema de propriedade intelectual que impede o acesso à saúde precisa ser prioridade. E o Brasil, que já exerceu um papel importante na discussão sobre quebra de patentes, incluindo adotando a medida em 2007 em relação a um medicamento usado para tratamento de Aids, pode ser um dos líderes desse debate.