'LEGALIZE'

Descriminalização da maconha: Rosa Weber antecipa voto e STF está muito perto de decisão histórica

Ministro André Mendonça pediu vista após o inusitado voto contrário de Zanin; Placar está em 5 a 1 e retomada do julgamento ainda não tem data marcada

A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal.Créditos: Antonio Cruz/Agência Brasil
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O Supremo Tribunal Federal (STF) anotou mais dois votos nesta quinta-feira (24) no julgamento que avalia uma possível descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal e está muito perto de uma decisão histórica. Apesar do decepcionante voto contrário de Cristiano Zanin, indicado por Lula (PT), e do pedido de vista de André Mendonça, indicado por Bolsonaro (PL); a presidente da Corte, Rosa Weber, antecipou seu voto, deixando o placar em 5 a 1. Agora só falta um voto para o STF formar maioria.

Após duas sessões prévias o placar já indicava um 4 a 0 a favor da descriminalização antes mesmo do ministro Cristiano Zanin apresentar seu voto. Na primeira, realizada em 2015, Gilmar Mendes, Luis Roberto Barroso e Edson Fachin já tinham votado a favor da descriminalização. Na segunda sessão, no último 2 de agosto, foi a vez do ministro Alexandre de Moraes dar seu voto a favor. Após a decisão de Moraes, a sessão foi suspensa pela ministra Rosa Weber e retomada nesta quinta-feira.

O processo em questão não trata da venda de drogas, que continua sendo ilegal. Desde 2006, com a sanção da atual Lei de Drogas, o porte para consumo próprio não é punido com pena de prisão no Brasil. Entretanto, a decisão do STF pode ter um impacto significativo na redução do número de pessoas presas no país, uma vez que poderá libertar indivíduos que, segundo estudiosos do tema, estariam erroneamente encarcerados por tráfico de drogas.

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A sessão desta quinta

Na sessão desta quinta, o ministro Gilmar Mendes, que antes defendia a descriminalização do porte de todas as drogas, mudou seu voto e declarou defender que apenas a maconha esteja contemplada. Outro ponto que segue em discussão é a quantidade da erva que pode ser portada. Em seu voto, Moraes propôs que até 60g seja para consumo pessoal, ao passo que Barroso propôs, na presente data, subir a quantia para 100g.

A seguir o ministro Cristiano Zanin, novo ministro indicado por Lula, contrariou as expectativas e votou contrário à descriminalização Com o voto de Zanin, o placar passou a apontar 4 a 1 para a descriminalização.

Logo após o voto de Zanin, André Mendonça pediu vista e interrompeu o julgamento. Em seguida, os ministros Nunes Marques e Luiz Fux declararam que irão esperar a retomada do julgamento, ainda sem data marcada, para darem seus votos.

Mas a ministra Rosa Weber, presidente da Corte, adiantou seu voto a favor da descriminalização, deixando o placar em 5 a 1. A seguir, como determina seu cargo, encerrou a sessão.

O voto de Alexandre de Moraes

“Quando o parágrafo 2 do artigo 28 diz: ‘o juiz atenderá a natureza e a quantidade da substância’, qual seria uma quantidade razoável tratando aqui da questão da maconha, eventualmente, dentro desses dados empíricos, para se analisar? Digo isso porque as situações radicais não deixam dúvida. Alguém preso com 100 kg de pasta de cocaína , ninguém acha que é usuário. Não há nariz para tanto. Assim como alguém pego com duas toneladas de maconha não é visto como usuário. Da mesma maneira, alguém pego com dois cigarrinhos de maconha não pode ser visto como o ‘novo Pablo Escobar’, um traficante perigoso”, disse Moraes no voto.

De acordo com dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a liberação do porte de 60g proposto por Moraes reduziria tráfico pela metade. Outra constatação da pesquisa é que 14% dos processos por tráfico exclusivo de maconha foram apreendidos com quantidade igual ou inferior a 60 gramas. O estudo analisou 5.121 processos por tráfico de drogas nos tribunais do Brasil no primeiro semestre de 2019. O número é uma amostra dos mais de 41 mil casos registrados no período.

É em torno desse aspecto que girou o voto do ministro Alexandre de Moraes. Para além do debate em acerca da quantidade máxima que pode ser considerada para consumo, Moraes aponta a necessidade de se definirem outros parâmetros - que não a divisão social ou racial que o agente policial possa se apoiar no momento da abordagem - que definam se uma quantidade de droga encontrada é para consumo ou venda. Ao final, Moraes deu seu voto a favor da descriminalização do porte de maconha, mas não de outras drogas.

Caso a descriminalização seja confirmada, a pessoa que portar entorpecentes para consumo próprio não estará sujeita a outras punições atualmente em vigor, como prestação de serviços à comunidade ou comparecimento a programas educativos, e não terá um registro criminal.

No entanto, a principal questão é estabelecer parâmetros objetivos para diferenciar a quantidade de drogas voltada para consumo pessoal daquela destinada ao tráfico. Foi pensando nessa questão, que precisa ser alinhada para que a decisão seja mais completa ao final, que após o voto de Moraes, Gilmar Mendes pediu a palavra solicitou o adiamento do julgamento, para que se pudesse debater de antemão a questão das quantidades e dos tipos de drogas que serão abrangidas por uma eventual despenalização.

Sessão de 2015

O processo começou a ser votado em 2015, mas acabou postergado após pedido de vista do então ministro Teori Zavasck, morto em acidente aéreo dois anos depois, em 2017. Na ocasião, Gilmar Mendes, Luis Roberto Barroso e Edson Fachin já tinham votado pela descriminalização do porte de drogas para consumo.

Gilmar Mendes votou pela liberação para qualquer tipo de droga, enquanto Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram para restringir a medida apenas à maconha, considerando-a uma droga mais leve.

O ministro Barroso defende a fixação de parâmetros de quantidade. Segundo sua proposta, quem estiver com até 25 gramas de maconha ou cultivar até seis plantas de cannabis fêmeas para consumo próprio poderá ser considerado usuário. Porém, ele destaca que essas quantidades são apenas uma referência básica e que o juiz pode avaliar o caso individualmente.

"Quem defende a criminalização invoca como valor principal, como bem jurídico protegido, a saúde pública. Pois a saúde pública de longe virou um elemento secundário na política de criminalização, porque a saúde é preterida em muitos dinheiros e em muitas atenções pela política de segurança pública e de aplicação da lei penal. É uma política de criminalização e de repressão que consome cada vez mais recursos, que são recursos que evidentemente não vão para tratamento, educação e saúde preventiva. Com a seguinte e grave consequência lesiva para a saúde pública: como a droga é crime mesmo para o usuário, ele não vai preso, mas é criminoso, e deixa de ser réu primário, o usuário não procura o sistema de saúde pública, porque isso significa assumir a condição de criminoso," escreveu Barroso em seu voto.

Apesar da possibilidade de reduzir o número de pessoas presas por tráfico, especialistas afirmam que uma decisão do STF não levará a uma soltura automática de presos. Cada pessoa detida por tráfico de drogas e potencialmente impactada pelo julgamento teria que apresentar um recurso à Justiça solicitando a revisão de sua pena.

Há mais de 180 mil pessoas presas hoje no Brasil por tráfico de drogas, o que representa quase 28% da população carcerária do país. Estudos indicam que a atual Lei de Drogas, sancionada em 2006, contribuiu para o aumento do número de pessoas presas por crimes relacionados ao tráfico de drogas.

O julgamento do STF busca responder se o artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional. Esse artigo trata do crime de adquirir, guardar ou transportar drogas para consumo pessoal, não prevendo pena de prisão, mas medidas como advertência e prestação de serviços à comunidade. A decisão do Supremo terá repercussão geral e valerá para todos os casos semelhantes.