Edy Star

Edy Star, um talento e tanto que nunca teve o reconhecimento merecido

Cantor, ator, compositor, dançarino, produtor, figurinista e pintor, foi o primeiro artista brasileiro a se declarar homossexual

Escrito em Opinião el
Jornalista, editor de Cultura da Fórum, cantor, compositor e violeiro com vários discos gravados, torcedor do Peixe, autor de peças e trilhas de teatro, ateu e devoto de São Gonçalo - o santo violeiro.
Edy Star, um talento e tanto que nunca teve o reconhecimento merecido
Edy Star. Divulgação

A primeira vez que vi Edy Star foi no início da década de 70, na TV. Ele cantava um rock composto por Chico Buarque chamado “Baioque”. Era uma visão transgressora a começar pela canção: um rock do Chico. Inimaginável alguém mais distante do gênero. No mais, vinha junto aquele visual meio Alice Cooper, a voz rascante, enfim, a androginia à enésima potência.

Não tivesse vivido na mesma época de Ney Matogrosso e Edy Star talvez tivesse se tornado um sucesso absoluto. Mas não foi só isso que o impediu. Seu som era deveras menos palatável e acessível do que o dos Secos & Molhados. Edy Star era rock and roll mesmo, até a medula.

Sweet Edy”, seu álbum solo de estreia, é até hoje um clássico que nunca encontrou o devido merecimento. A bem da verdade, sua carreira de maneira geral – que ao longo de várias décadas conta apenas com três álbuns e alguns singles e EPs – nunca decolou como mereceria ou deveria.

Escrevo há apenas alguns dias de sua morte e seu perfil no Spotify, por exemplo, conta com pouco mais de três mil ouvintes mensais.

A Grã-Ordem Kavernista

Edivaldo Souza nasceu na Bahia em 1938. Na década de 60, pouco antes de virar Edy Star, fez amizade com Caetano Veloso e Raul Seixas. De talento múltiplo, além de cantor foi ator, compositor, dançarino, produtor, figurinista e pintor. É considerado o primeiro artista brasileiro a assumir sua homossexualidade, lá no remoto ano de 1973, época em que não era nem um pouco auspicioso se assumir gay.

Integrou a banda Grã-Ordem Kavernista, ao lado de Raul, Mirian Batucada e Sergio Sampaio. Fizeram o álbum ‘Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das 10’, único disco do quarteto, um marco inenarrável da nossa música.

Sua trajetória artística é contada no documentário “Antes que me esqueçam, meu Nome é Edy Star”. O longa flagra a gravação de ‘Cabaré Star’, álbum dele produzido por Zeca Baleiro, que também é o diretor musical do filme. Cabe aqui um parêntese. Zeca tem feito resgates importantes da nossa música, sempre com grande carinho. Entre eles está o do brilhante compositor cearense Tiago Araripe.

Carrossel de Baco

Sempre muito gentil e interessado em novidades, Edy Star desembarcou certa vez em Santos para participar do lançamento da banda Carrossel de Baco, do amigo Danilo Nunes. Sua participação foi arrasadora. Na ocasião, conversou com todos, esbanjou simpatia, talento e sua eterna ousadia.

Após isto, conversávamos vez ou outra nas redes sociais. Sempre tinha um projeto novo, uma invenção. Poucos meses antes de partir, incansável já com 87 anos, tentou um financiamento coletivo para transformar em vinil o álbum Edy Star Canta Raul: "Ao Meu Amigo Raul Seixas". Não teve tempo de concluir o projeto e espero que alguém o faça.

Edy Star teria adorado as cerimônias e homenagens que recebeu dos parentes e amigos durante seu velório e enterro. Com o corpo repleto de purpurina, penteado e maquiado ao lada da bandeira LGBTQIA+, foi cercado por cantorias e discursos cheios de ternura e alegria.

A melhor homenagem que se pode fazer a Edy Star, por conta de sua partida, é a sua redescoberta. Trata-se, enfim, de um grande artista que, por meandros do mercado, nunca teve o que seu talento mereceria.

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