Hoje, 8 de janeiro, celebramos a força do Estado Democrático de Direito, que triunfou sobre as sombras de um golpe orquestrado para subverter a ordem constitucional brasileira. Há exatamente dois anos, a democracia foi atacada por grupos que tentaram reviver o autoritarismo que nossa história tanto lutou para superar. Contudo, o Brasil resistiu, mostrando que, apesar das ameaças, a democracia permanece firme.
A discussão sobre conceder anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos do 8 de janeiro é um grave erro. Nossa história já nos mostrou os perigos de anistiar golpistas e torturadores sem responsabilidade ou punição. Após a ditadura militar, a Lei da Anistia de 1979 foi usada para apagar crimes hediondos, como tortura e assassinatos cometidos pelos agentes do regime. Essa decisão abriu as portas para que práticas autoritárias voltassem a assombrar o país.
Conceder anistia irrestrita aos responsáveis por atos antidemocráticos do 8 de janeiro seria repetir os erros do passado. A ausência de punição não apenas enfraquece o sistema democrático, mas também incentiva novos ataques à democracia. Quem perdoa os golpistas do presente prepara o terreno para os golpistas do futuro. A justiça deve ser firme e imparcial, garantindo que os culpados respondam por seus crimes e que as instituições democráticas sejam fortalecidas.
Em um contraste simbólico, também é tempo de celebramos a vitória de Fernanda Torres como melhor atriz no Globo de Ouro pelo filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles. Inspirado no livro de Marcelo Rubens Paiva, o filme nos recorda os horrores da ditadura e a luta incansável por justiça. A vitória de Fernanda Torres não é apenas um reconhecimento artístico, mas um lembrete da importância de preservar a memória e de nunca esquecer os crimes do passado.
Assim como a arte reflete nossa história, a democracia reflete nossa força coletiva. Devemos honrar os que lutaram e sofreram pela liberdade, defendendo os valores que eles ajudaram a construir. Como bem nos lembrou o professor de Literatura Comparada Universidade do Estado do Rio de Janeiro, João Cezar De Castro Rocha, o caso do deputado Rubens Paiva, retratado na obra, é paradigmático: ele foi torturado e assassinado por agentes do Estado, entre eles o brigadeiro João Paulo Burnier. Em 1959, Burnier havia tentado derrubar o governo democrático de Juscelino Kubitschek. Fracassado em sua tentativa, recebeu anistia em 1961, concedida por Jânio Quadros. Anos depois, no auge da ditadura militar, Burnier tornou-se um dos arquitetos de atos terroristas e torturas brutais, sendo responsável pelas mortes de figuras como Rubens Paiva, Stuart Angel e Anísio Teixeira. Sua trajetória evidencia que anistiar golpistas não apenas é um erro moral, mas também um risco à própria democracia, permitindo que esses indivíduos retornem mais cruéis e destrutivos.
Os eventos do 8 de janeiro de 2023 seguem o mesmo padrão histórico de atentados à democracia no Brasil. Entre os atos mais graves, destaca-se a tentativa de explodir o aeroporto de Brasília, acompanhada por planos de militares golpistas para assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Esses conspiradores também monitoraram os passos de autoridades e lideraram a invasão das sedes dos Três Poderes. Esses fatos ilustram que a democracia não é um estado permanente, mas uma construção contínua que exige atenção constante e coragem para enfrentar aqueles que buscam destruí-la.
Ao mesmo tempo, este dia nos lembra que as forças democráticas resistiram. A mobilização das instituições, da sociedade civil e dos brasileiros comprometidos com o Estado Democrático de Direito evitou que o golpe prosperasse. Assim, 8 de janeiro deve ser celebrado como um marco de resistência e um alerta: os golpistas ainda estão entre nós, mas a democracia é mais forte.
O dia de hoje é, simultaneamente, um momento de celebração e de alerta. Celebramos a vitória da democracia sobre o autoritarismo, mas também relembramos que essa vitória nunca é definitiva. O Estado Democrático de Direito é um pacto vivo, que precisa ser defendido todos os dias contra aqueles que buscam destruí-lo. Que este dia seja uma renovação de nosso compromisso com a Constituição, com a justiça, e com um Brasil mais livre e mais democrático. Afinal, enquanto resistirmos, a democracia continuará “ainda aqui”.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum