Ainda em Moscou – Por Esther Rapoport
"Poder conversar com as pessoas é ótimo, mas viver a experiência do diferente, embora seja às vezes incomodo, desconfortável, é enriquecedor e acho que é isso que procuramos em uma viagem"
Moscou, terceiro dia.
Um equipamento básico para visitar esta cidade: máquina fotográfica com lente grande angular. Tudo aqui é imenso, as avenidas, os prédios, os monumentos, não cabem na foto! Não é uma cidade que convide para caminhar porque fica sempre a impressão de que é impossível chegar ao final da rua. É fora do padrão humano.
Contribui para isso as Sete Irmãs de Stalin. Talvez você não tenha ouvido falar delas, mas adianto que não seres humanos. São sete prédios construídos na década de 50 para dar a Moscou a cara que Stalin havia pensado, de grande metrópole moderna. São arranha-céus imponentes, altos e largos, com uma torre central e uma estrela de cinco pontas no final da agulha, distribuídos pela cidade e visíveis de vários pontos. São lindos, mas imagino que causavam também uma certa opressão. Foram construídos para abrigar órgãos da burocracia soviética, residência para membros da elite do partido e hotéis – inclusive, estou hospedada em um deles, o lendário Hotel Ucrânia, mas que depois da Perestroika e da Glasnost foi vendido para uma rede internacional e hoje é um hotel Radisson, um 5 Estrelas de luxo.
E quando falo de luxo russo, falo de algo over! Por exemplo, no banheiro do meu quarto tem diariamente 18 toalhas, entre banho, rosto, mão .. só para mim!! Mas os serviços também são russos, e quando me refiro a mão de obra russa, entenda-se: só em russo. Nem as camareiras, nem as garçonetes, nem mesmo todos os recepcionistas falam inglês.
Também não falam inglês os motoristas de taxi do hotel, nem o atendente do guichê do Airport-Express (trem para o aeroporto), nem as atendentes das agências de viagem. Ou seja, a Rússia real não está preparada ainda para o Ocidente. As placas nas ruas raramente têm o nome em algarismos romanos. No metrô está tudo em cirílico e é difícil entender coisas básicas como “saída”. E depois de ficar perdida ali dentro, subindo e descendo escadas até encontrar a saída, dei de cara com um mendigo pedindo esmolas. Acho que isso não se via desde 1917, mas vi senhoras ajoelhadas, fazendo o sinal da cruz (ortodoxa) com um potinho na frente para receber as moedas, e dentro a imagem da Virgem Maria. Qual é a relação entre a miséria e a religião? Me parecem sempre muito próximas.
Falando em religião e Igrejas, poucas delas são mesmo igrejas porque durante o socialismo foram dessacralizadas e viraram museus. Só algumas voltaram a ter função religiosa e por isso é raro ouvir um sino marcando a hora ou chamando os fiéis.
Falando em sinos, tem uma história que nos ensina que Stalin não era muito original. Me contaram que em 1771, durante o governo de Catarina II, houve uma rebelião popular porque a Rússia vivia um período de muita fome e miséria. Os rebeldes tocaram um sino para chamar o povo e agitar a revolta, que foi rapidamente reprimida pela guarda imperial. Depois de abafado o movimento, Catarina II quis saber quem tinha tocado o sino e ninguém dedurou os autores do movimento.
Não satisfeita com essa impunidade, ela mandou castrar o sino (cortaram o seu badalo) e ele foi enviado para a Sibéria! É sério. O sino só pode voltar para Moscou depois do Gorbatchov e está em exposição no Kremlin.
Depois deste curto período russo, chegou a hora de ir embora.
Sentada no avião, em um voo da Lufthansa, me sinto em uma cabine de despressurização: sair do completo analfabetismo cirílico para chegar na Alemanha onde, bem ou mal, se entende os sinais e as palavras básicas.
Poder conversar com as pessoas é ótimo, mas viver a experiência do diferente, embora seja às vezes incomodo, desconfortável, é enriquecedor e acho que é isso que procuramos em uma viagem: fazer uma rápida imersão na diversidade, descobrir que povos diferentes encontram soluções diferentes para os mesmos problemas e encontrar laços entre culturas diversas.
Por exemplo, aprendi que a origem da palavra Bistrô, que todo mundo pensa que é francesa, é russa!! A palavra é BYSTRO e quer dizer “rápido”. Diz a lenda que quando os russos invadiram Paris em 1813-15, entravam nos restaurantes e ordenavam a comida gritando: BYSTRO! BYSTRO! Aí o nome pegou e Bistrô virou um restaurante que serve comida fast... Ou seja, McDonald's seria um bistrô!!!
Agora se este foi um exemplo da presença russa em Paris, o que não falta é a presença francesa na Rússia. Napoleão foi o grande Public Relations da França na Europa, inimigo e ao mesmo tempo fonte de inspiração. A Rússia está cheia de referências à França napoleônica em prédios, palácios e monumentos construídos para celebrar ou uma derrota ou uma vitória de um império sobre o outro.
Mas tive também a oportunidade de visitar duas empresas em Moscou, potenciais clientes, e seus escritórios revelaram que a Rússia empresarial está ainda na década de 50. Refiro-me à decoração, tecnologia e relações corporativas.
Olhando para a Rússia fiquei com a impressão de que não existiu um “segundo” mundo, uma segunda potência. Eu diria que a União Soviética era muito boa na propaganda, mas no fundo foi ficando muito atrasada em relação os EUA, em termos de tecnologia, de desenvolvimento urbano e, pelo que vi aqui, também em termos bélicos. A Guerra Fria foi uma longa partida de pôquer.
Faço uma conexão de voo, seguindo para a Itália. Nosso comandante alemão avisa em italiano que chegaremos 10 minutos antes do horário previsto! Nada como um voo alemão.
Mas o aeroporto de chegada é italiano e o comandante complementa a informação depois do pouso: “Senhores passageiros, como chegamos antes do horário, o pessoal do aeroporto está surpreso e não providenciou ainda o ônibus para levá-los ao terminal. Solicitamos sua paciência para aguardar alguns minutos antes de efetuarmos o desembarque .... “
Isso é Itália! Viva!!!
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum