Com a Olimpíada de Paris ainda na pauta do dia, temos uma boa oportunidade para refletir sobre as relações entre esporte, geopolítica e discursos da grande imprensa brasileira.
Sobre essa questão, não é raro ouvirmos por aí a (falaciosa) premissa de que esporte e política não se misturam; como se o que acontece em ginásios, campos, pistas, praias ou piscinas mundo afora não tivesse nada a ver com o andamento das relações internacionais.
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Mesmo antes de os jogos começarem na capital francesa, o equilíbrio de forças global já se fazia presente, com o banimento da Rússia (devido à guerra com a Ucrânia) e a presença de Israel (a despeito do genocídio do povo palestino). Dois pesos, duas medidas.
Portanto, o Comitê Olímpico Internacional (COI) não é “neutro”, como muitos apregoam; atende aos interesses das potências imperialistas. Além disso, seria ingenuidade de nossa parte acreditar que um evento assistido por bilhões de pessoas em todo o planeta, envolvendo praticamente todos os Estados nacionais e territórios ultramarinos existentes, não seria manipulado como soft power.
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Se a China é a principal ameaça à hegemonia econômica ocidental, o mesmo vale para a esfera esportiva. E, como na geopolítica, todas as armas possíveis entram nessa disputa olímpica.
Se os chineses conquistaram mais medalhas de ouro do que os estadunidenses, muda-se o critério para liderança no quadro de medalhas, avaliando quantidade ao invés de qualidade. Se nenhum país europeu está à frente da China em número de medalhas, cria-se uma nova forma de comparação, com a União Europeia aparecendo no quadro de medalhas. Se os atletas chineses apresentam performances melhores do que os ocidentais, acusam-lhes de doping.
Claro que todas essas artimanhas devem ser ocultadas do público. Para isso, há o discurso ideológico da grande imprensa. Novamente seria ingênuo de nossa parte acreditar que a mesma mídia que defende as agendas políticas imperialistas não tomaria partido em uma disputa esportiva.
No contexto da Guerra Fria, por exemplo, quando um país capitalista (como Estados Unidos, Grã-Bretanha e Alemanha Ocidental) se destacava nos jogos olímpicos, nos discursos midiáticos exaltavam-se os “investimentos em esporte”. Por outro lado, o mesmo desempenho de União Soviética, Romênia e Cuba (ou qualquer outra nação socialista) era visto como “propaganda do regime”.
Por falar na ilha caribenha, o lutador Mijaín López, aos 41 anos, fez história em Paris; foi o atleta com mais medalhas de ouro consecutivas individual em diferentes edições dos jogos olímpicos (cinco no total).
No entanto, esse feito foi praticamente ignorado na grande mídia: apenas alguns segundos nos noticiários televisivos e poucas linhas na imprensa escrita. Se desempenho similar fosse alcançado por Michael Phelps ou Simone Biles, esportistas do imperialismo, ganharia um Globo Repórter especial ou documentário no Globoplay.
Ainda nessa linha jornalística, acusações da Agência Mundial Antidoping (Wada) sobre os Estados Unidos permitirem que atletas dopados participassem de competições e os claros erros de árbitros e jurados em favor dos estadunidenses nos jogos de Paris foram sumariamente ignorados na grande imprensa. Dá para imaginar o alarde se os mesmos exemplos se aplicassem à China.
Diante dessa realidade, vale um exercício hipotético: se “submissão ao imperialismo” fosse modalidade olímpica, certamente haveria uma disputa acirrada na grande imprensa esportiva brasileira pela medalha de ouro.