Na estreia do breaking dancing nas Olimpíadas de Paris 2024, Sunny Choi, a primeira mulher a representar os Estados Unidos nesta modalidade, trouxe um foco importante para além de suas habilidades físicas: a saúde mental. Em uma entrevista concedida à NBC News, Sunny destacou a importância de cuidar da mente e do emocional, aspectos que ela considera fundamentais para seu desempenho como atleta.
“Aprender a ser gentil, amável e compassiva comigo mesma foi uma das lições mais difíceis, mas também uma das melhores,” disse a atleta pioneira, que já enfrentou períodos de depressão. Com uma rotina rigorosa de treinos, que inclui um coach de força, yoga quente e práticas diárias de movimentos desafiadores, Sunny encontrou na terapia um verdadeiro “divisor de águas” em sua preparação olímpica. “Eu era uma aluna de alta performance, ainda no ensino médio, e praticava ginástica 25 horas por semana, então não tinha vida social,” relembra. “Junto com meus altos padrões, isso passou de períodos de esgotamento para algo muito mais extremo.”
A história de Sunny não é única no mundo dos esportes. A ginasta Simone Biles, durante as Olimpíadas de Tóquio em 2021, retirou-se das finais por equipes devido a dificuldades de saúde mental. Na época, Biles afirmou: “Eu preciso fazer o que é certo para mim e focar na minha saúde mental.” Outros atletas, como a tenista Naomi Osaka e o medalhista olímpico Michael Phelps, também compartilharam suas batalhas com a ansiedade, depressão e outras condições de saúde mental.
Estudos mostram que entre 30% a 60% dos atletas enfrentam desafios de saúde mental, mas apenas 10% deles procuram a ajuda necessária. Essa discrepância se deve, em parte, à pressão incessante para serem invencíveis e à expectativa de que não mostrem alguma “fraqueza”. Os atletas olímpicos, em particular, sentem o peso do mundo sobre seus ombros, tanto na competição quanto em suas vidas pessoais.
No Brasil casos como o da Clarissa dos Santos, titular da equipe de basquetebol da seleção brasileira tem sido cada vez mais comum. Clarissa afastou-se do esporte por dois anos. O ambiente hostil, as críticas constantes, cobranças excessivas e comportamentos com os quais ela não concordava dentro do esporte a desmotivaram, levando-a a entrar em depressão.
A pressão para performar, o medo de ter lesões graves, o vazio pós-competição, a falta de tempo para o autocuidado e questões de identidade são algumas das dificuldades que os atletas enfrentam. Esses desafios, quando não abordados, podem ter um impacto devastador na vida e nas relações dos atletas.
No entanto, há caminhos para melhorar a saúde mental dos atletas. Terapias e estratégias de enfrentamento são essenciais para aliviar o estresse e a dor emocional, permitindo que os atletas encontrem um equilíbrio saudável entre suas carreiras esportivas e suas vidas pessoais.
Segundo um recente estudo da Universidade de Granada na Espanha (2023) habilidades de regulação emocional é crucial para a adaptação dos atletas a contextos de pressão esportiva, especialmente durante competições, isto é, a capacidade do atleta de reconhecer e saber responder sozinho aos seus estados emocionais e mentais, principalmente de desconforto. Este estudo investigou os efeitos de um programa de mindfulness, que é uma intervenção que visa ensinar atletas a aumentarem o foco no presente, suavizar as emoções e saber se soltar de pensamentos negativos que podem agravar os sintomas de depressão e ansiedade.
Nesse tipo de intervenção de saúde mental o atleta aprende a ser mais gentil e compreensivo consigo mesmo e com as situações da vida e aprendem a meditar. Os pesquisadores espanhois visavam compreender o impacto dessa intervenção nos níveis de impulsividade, humor e ansiedade pré-competições em uma amostra de atletas. A intervenção foi eficaz na redução da impulsividade (cognitiva, motora e não planejada), no humor desses atletas como nível de tensão, depressão e raiva, ajudou reduzir a ansiedade física e também a reduzir pensamentos ansiosos acerca do futuro. O mindfulness melhora a capacidade dos atletas de lidar com a alta pressão esportiva e o gerenciamento saudável da competição (por exemplo, medo do fracasso) e da vida cotidiana.
Como sociedade, nós podemos contribuir para a solução desses desafios dos atletas evitando reforçar o estereótipo do atleta super-heroi que nunca pode se abater. Ao reconhecer a humanidade e a vulnerabilidade dos atletas, ajudamos a quebrar o estigma e promovemos um ambiente onde eles possam buscar e receber o apoio necessário.
A trajetória de Sunny Choi e de muitos outros atletas que se levantaram para falar sobre sua saúde mental nos mostra que a força verdadeira está em reconhecer nossas vulnerabilidades e buscar ajuda quando necessário. No final, cuidar da mente é tão crucial quanto fortalecer o corpo, e essa consciência pode fazer toda a diferença na vida de um atleta.
*Vitor Friary é Psicólogo e Mestre em Psicologia pela London Metropolitan University. É autor de livros publicados no Brasil e nos Estados Unidos. Atualmente é Doutorando no Instituto Universitário de Lisboa.
Fonte 2: https://www.mdpi.com/2227-9032/11/6/898
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