Dias atrás, escrevi um artigo aqui na Fórum, em que faço um exercício hipotético sobre o currículo de Geografia influenciado pela Brasil Paralelo, haja vista a intenção dessa produtora bolsonarista em financiar cursos de formação de professores da referida disciplina.
Nessa “Geografia Paralela”, todos os delírios conservadores seriam contemplados: terraplanismo, Ursal, globalismo e Nova Ordem Mundial (aquela divulgada pelo Cabo Daciolo, durante debate entre presidenciáveis).
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Lembrando uma clássica expressão popular, além de cômica, essa questão também é trágica. A Brasil Paralelo não quer apenas uma nova narrativa geográfica, assim como já faz seu negacionismo histórico, criando um universo alternativo, adaptado à ideologia da extrema direita. A investida da produtora bolsonarista está relacionada a um contexto mais amplo, do atual avanço neoliberal sobre a Educação brasileira, o que nos remete ao golpe de 2016.
Como a história mostra, todo “projeto de Estado” requer um “projeto de Educação”. Em nosso caso, o “projeto de Estado” pós-golpe visava, sobretudo, a implantação de uma agenda neoliberal agressiva, o que era impossibilitado pela presença do PT no poder.
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Assim, no governo interino de Michel Temer, como “projeto de Educação”, surgiu a proposta do “Novo Ensino Médio”. Basicamente, seu objetivo é contribuir para a formação de indivíduos desprovidos de capacidade crítica; a tão almejada (pelos capitalistas) mão de obra alienada. Para tanto, matérias de Humanas, como Sociologia, Geografia e História (que podem despertar a consciência social dos estudantes) foram esvaziadas. Em contrapartida, houve a criação dos chamados “itinerários formativos”, conjunto de disciplinas consideradas inócuas, tanto por docentes quanto por discentes.
Portanto, não é por acaso que a Brasil Paralelo busca investir em cursos de formação de professores de Geografia, História e Ciências Sociais. O mesmo ímpeto não é registrado em relação à Matemática, Química ou Física. Não que os professores dessas áreas não possam incentivar o senso crítico dos alunos, mas, em essência, a área de Humanas está ligada à análise reflexiva sobre a realidade.
Também não foi por acaso que, durante a Ditadura Militar, os conteúdos de História e Geografia foram amalgamados na disciplina Estudos Sociais, voltada para enaltecer os símbolos nacionais, a partir de um ensino descritivista e mnemônico, nos moldes daquilo que Paulo Freire classificava como “educação bancária”.
Outra forte investida neoliberal na Educação tem sido protagonizada por empresários ligados às tecnologias digitais e ao ensino online. Após o contexto do Ensino Remoto Emergencial, ganhou consistência o discurso de que muitas aulas (tanto em escolas quanto em universidades) podem ser realizadas via internet, não sendo mais necessárias as interações físicas entre professores e alunos em sala de aula (diga-se de passagem, condição sine qua non para o êxito do processo de ensino-aprendizagem).
Na prática, isso significa mais economia para os empresários do campo educacional, pois, nesse modelo, um professor pode lecionar, simultaneamente, para centenas de alunos. Um considerável corte de custos, contribuindo substancialmente para a precarização da docência.
Ainda nessa linha de sucateamento da Educação, a ideia de que, para todo problema no ensino, há uma solução tecnológica, é utilizada para justificar propostas de só usar material digital nas escolas, em detrimento dos recursos didáticos físicos, conforme feito recentemente pelo governo de Tarcísio de Freitas em São Paulo. Tais medidas não são corroboradas por argumentos pedagógicos, mas mercadológicos, haja vista que, inúmeros exemplos, em todo o planeta, comprovam a ineficiência da completa digitalização do ensino. Logo, os empresários do setor de informática agradecem.
Desse modo, não é coincidência o investimento da Brasil Paralelo em cursos à distância para a formação de professores de História, Geografia e Ciências Sociais. Caso essa empreitada seja exitosa, chegarão à sala de aula docentes prontos para reproduzir valores neoliberais, sob a cortina de fumaça de combater a doutrinação comunista, a visão unidimensional e a “guerra cultural” da esquerda.
Dito de outro modo, as investidas da Brasil Paralelo na Educação não são apenas estupidez, revisionismo grotesco ou negacionismo científico; estão inseridas num contexto mais amplo, de ofensiva do grande capital nos ensinos básico e superior. E, sem dúvida, esse é seu aspecto mais perigoso.